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John Babbs
Ontem à noite, como tenho feito tantas e tantas vezes, me peguei assistindo outras dessas maravilhosas lives Nova Era. E acho que não agüento mais. Enjoei. Confesso que preciso escapar da tortura de ser mortalmente abençoado em noites como essas. Existe ali alguma coisa assustadoramente irreal que eu não consigo identificar direito. Só sei que, depois, quando acaba eu só quero é gritar bem alto um palavrão, ir ao boteco mais sórdido, beber cerveja no gargalo e encontrar uma desajustada como eu.
Na reunião de ontem, um belo rapaz falou de suas viagens pelo mundo visitando locais sagrados de culto — quatrocentos deles, ao todo.
Ele já deu a volta ao mundo 14 vezes em seus 34 anos de vida, vivendo em muitos desses lugares por meses, às vezes anos a fio, Ele tem uma visão, sim. Uma visão de um mundo mais em paz. Um mundo saudável e limpo, que nos sustenta a cada um de nós com um trabalho significativo, assim como nós sustentamos o mundo e uns aos outros.
Ele descreveu como esses locais têm sido utilizados desde quatro ou cinco mil anos antes de Cristo por antigos pagãos e adoradores da deusa; como têm sido utilizados como campos de pouso interestelar por visitantes das mais distantes galáxias e como colônias de antigas civilizações muito mais avançadas que a nossa.
Ele também profetizou a catástrofe final, descrevendo um futuro cheio de horror, porque permitimos que o hemisfério direito do cérebro se atrofiasse, resultando na perda de conexão com esses antigos pontos de energia. Ele descreveu como as religiões patriarcais do mundo se apropriaram desses locais para uso próprio e, ao fazê-lo, destruíram as antigas sabedorias e verdades que esses locais um dia contiveram.
Acho que já assisti mais de cem dessas maravilhosas apresentações. Pessoas lindas. Suaves. Gentis. Espirituais. Visionárias. Fascinantes. Mas por baixo de toda essa beleza espreita uma escuridão mal e mal velada por beatíficos chavões de doçura. Dei a essa besta o nome de Fundamentalismo Gratiluz: a crença de que eu estou certo, enquanto todo mundo está errado, estúpido ou mau; a crença de que eu represento a energia da luz e da bondade, enquanto todo mundo é enganado pela energia do mal.
Essa crença nunca é declarada. Ela é velada mas, ainda assim, ali está. Nunca pensei que eu ainda viria a falar bem de algum pastor mas, com alguns deles pelo menos você sabe em que pé ele está, você sabe quais são as opiniões dele. Consigo lidar com isso. Ele, pelo menos, tem a coragem de afirmar suas crenças. O que é tão enlouquecedor no Fundamentalismo Gratiluz é que seus julgamentos e moralizações estão escondidos por trás da fachada da doutrina Nova Era, por trás da cortina de fumaça do “amamos a todos” e “somos Um”.
Esse rapaz achava que as histórias pagãs, gregas e romanas e os mitos da deusa que descreviam esse grande mistério da vida eram “verdade”, ao passo que as histórias cristãs, muçulmanas e judaicas eram mentiras e distorções da verdade “real”. E mais, desde que desenvolveu as funções do seu hemisfério cerebral direito, ele conseguiu “verificar” que esses locais eram utilizados como campos de pouso extraterrestre e como colônias das tribos perdidas da Atlântida, Lemúria e Mu. Como é que ele conseguiu? Ah, ele sabe que é verdade porque canalizou, é por isso. E fim de papo. Da um tempo… Por favor (nunca pensei que ainda me ouviria dizendo isso): Dê-me alguns fatos! Existe alguma simples verificação material para as fantasmagóricas afirmativas que fazemos?
E por que estamos tão obsessivamente preocupados com o passado e com o futuro? Que diferença faz o que aconteceu há 5.000 anos? E que importa a data exata em que os Irmãos do Espaço vão chegar para nos salvar da nossa loucura? Não serão essas preocupações todas simplesmente mais um jeito de evitar aquilo que está diante de nós aqui e agora, de evitar aquilo que fomos chamados a fazer para limpar as nossas vidas e aliviar o sofrimento que vemos diante de nós?
Se a Nova Era pretende começar a oferecer algo substancial para reordenar a vida na Terra, nós, Peter Pans, temos que aterrissar na terra firme e começar o duro trabalho de transformação — primeiro na nossa própria vida e depois no mundo diante de nós aqui e agora, não em algum passado distante ou em algum incerto futuro. Parafraseando o sábio budista: “Queres mudar o mundo? Então guarda a tua mountain bike, arruma um emprego e começa a varrer a calçada diante da tua porta.”
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