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Excerto de o Despertar dos Mágicos de Louis Pauwels e Jacques Bergier
Em Nova Iorque, no ano de 1910, num pequeno apartamento burguês do Bronx, habitava um homenzinho de idade indefinida, que parecia uma foca tímida. Chamava-se Charles Hoy Fort. Tinha umas manápulas redondas e gordas, barriga e rins avantajados, o pescoço muito curto, a cabeça enorme, de cabeleira rala, um largo nariz asiático, óculos com aros de metal e um bigode à Gurdjieff. Dir-se-ia também um professor menchevíque. Nunca saía, excepto para se dirigir à Biblioteca Municipal, onde examinava uma quantidade de jornais, revistas e anais de todos os Estados e de todas as épocas. Em redor da sua velha secretária amontoavam-se caixas de sapatos vazias e pilhas de periódicos: o American Almanach de 1833, o London times dos anos 1880-93, o Annual Record of Science, vinte anos de Philosophical Magazáne, Les Annales de la Société Entomologique de France,
a Monthly Theather Review, o Observatory, o Meteorological Journal, etc. Ele usava uma viseira verde, e, quando a mulher acendia o fogão para o almoço, ia à cozinha ver se não havia perigo de que ela incendiasse a casa. Era apenas isso que aborrecia a senhora Fort, em solteira Anna Filan, que ele escolhera devido à sua total ausência de curiosidade intelectual, de quem gostava muito e que por sua vez o amava com ternura.
Até à idade de trinta e quatro anos, Charles Fort, filho de uns merceeiros de Albany, vegetara graças a um medíocre talento de jornalista e a uma certa habilidade no embalsamamento de borboletas. Mortos os pais e vendida a mercearia, arranjara uns minúsculos rendimentos que finalmente lhe permitiam dedicar-se em exclusivo à sua paixão: acumular notas sobre acontecimentos extraordinários e no entanto reconhecidos.
No dia 2 de Novembro de 1819, chuva vermelha sobre Blan kenberghe, no dia 14 de Novembro de 1902, chuva de lama na Tasmânia. Flocos de neve do tamanho de pratos em Nashville, a 24 de Janeiro de 1891. Chuva de rãs em Birmingham a 30 de Junho de 1892. Aerólitos. Bolas de fogo. Pegadas de um animal fabuloso no Devonshire. Discos voadores. Marcas de ventosas sobre as montanhas. Engenhos no céu. Caprichos de cometas. Desaparecimentos estranhos. Cataclismos inexplicáveis. Inscrições sobre meteorites. Neve preta. Luas azuis. Sóis verdes. Aguaceiros de sangue.
E assim reuniu vinte e cinco mil notas, que arrumou em caixas de cartão. Factos que, assim que eram mencionados, imediatamente caíam no esquecimento. Contudo, eram factos. Ele chamava a isso o seu “sanatório das coincidências exageradas”.
Factos sobre os quais as pessoas se recusavam a falar. Parecia-lhe que saía dos seus ficheiros “um verdadeiro clamor de silêncio”. Começara a sentir uma espécie de ternura por essas realidades incongruentes, expulsas do domínio do conhecimento, às quais ele dava asilo no seu pobre escritório de Bronx e que acariciava ao arrumá-las. “Pequenas prostitutas, anões, corcundas, bobo” e no entanto o seu desfile em minha casa terá a impressionante solidez das coisas que passam, e tornam a passar, e não cessam de passar”.
Quando se sentia cansado de reunir os factos que a Ciência entendeu que devia pôr de parte (Um icebergue voador cai em pedaços sobre Ruão no dia 5 de Julho de 1853. Carcaças de viajantes celestes. Seres alados a uma altitude de 8000 metros sobre Palermo, a 30 de Novembro de 1880. Rodas luminosas no mar. Chuvas de enxofre, de carne. Restos de gigantes na Escócia. Caixões de pequenos seres vindos de algures, sobre os rochedos de Edimburgo…), quando se sentia fatigado, repousava o espírito jogando sozinho intermináveis partidas de superxadrez, sobre um tabuleiro da sua invenção, que era composto por 1600 casas.
Depois, um dia, Charles Hoy Fort apercebeu-se de que aquele formidável trabalho não servia para nada. Era inutilizável. Duvidoso. Uma simples ocupação de maníaco. Compreendeu que só ficara no limiar daquilo que procurava, e que não fizera nada daquilo que realmente tinha a fazer. Não era uma investigação, apenas a sua caricatura. E ele, que tanto receava os incêndios, lançou fogo às caixas e às fichas.
Acabava de descobrir a sua verdadeira natureza. Aquele fanático das realidades singulares era um fanático das ideias gerais. O que começara ele inconscientemente a fazer, durante esses anos mais ou menos perdidos? Encolhido no fundo da sua gruta de borboletas e papéis velhos, na verdade trabalhara contra uma das grandes potências do século: a certeza que os homens civilizados têm de saber tudo a respeito do Universo em que vivem. Porque se escondera, como que envergonhado, Charles Hoy Fort? É que a menor alusão ao facto de que possam existir no Universo domínios imensos de Desconhecido perturba desagradavelmente os homens. No fim de contas, Charles Hoy Fort conduzira-se como um erotomaníaco: conservemos secretos os nossos vícios, a fim de que a sociedade se não enfureça ao saber que deixou por explorar a maior parte dos terrenos da sexualidade. Tratava-se, agora, de passar da mania à profecia, do gozo solitário à declaração de princípio. De futuro, tratava-se de fazer uma obra autêntica, quer dizer, revolucionária.
O conhecimento científico não é objectivo. Assim como a civilização, é uma conspiração. Repudiam-se uma quantidade de factos porque eles alteram os raciocínios correntes. Vivemos sob um regímen de inquisição em que a arma mais frequentemente utilizada contra a realidade “discordante” é o desdém acompanhado de risos. O que é o conhecimento em tais condições?
“Na topografia da inteligência, diz Fort, poder-se-ia definir o conhecimento como a ignorância envolvida em risos”. Será por tanto necessário reclamar um acréscimo às liberdades que a Constituição garante: a liberdade de duvidar da ciência. Duvidar da evolução (e se a obra de Darwin fosse pura ficção?), da rotação da Terra, da existência de uma velocidade da luz, da gravitação, etc. De tudo, excepto dos factos. Dos factos não seleccionados, tais como se apresentam, nobres ou não, bastardos ou puros com o seu séquito de estranhezas e as suas concomitâncias incongruentes. Não excluir nada do real: uma ciência futura descobrirá relações desconhecidas entre os factos que nos parecem sem qualquer afinidade entre si. A ciência precisa de ser sacudida por um espírito ávido, embora crédulo, novo, selvagem. O mundo precisa de uma enciclopédia dos factos excluídos, das realidades condenadas. “Receio bem que seja necessário apresentar à nossa civilização novos mundos em que as rãs brancas terão o direito de viver”.
Em oito anos, a foca tímida de Bronx julgou-se na obrigação de aprender todas as artes e todas as ciências – e de inventar cerca de meia dúzia para uso próprio. Possuído pelo delírio enciclopédico, empenha-se nessa tarefa gigantesca que consiste não tanto em aprender como em tomar consciência da totalidade dos seres vivos. “Espantava-me que alguém se sentisse satisfeito por ser apenas romancista, alfaiate, industrial ou varredor de ruas”. Princípios, fórmulas, leis, fenómenos foram digeridos na Biblioteca Municipal de Nova Iorque, no Museu Britânico e também graças a uma enorme correspondência com as maiores bibliotecas e livrarias do Mundo. Quarenta mil notas, divididas em trezentas secções, escritas a lápis sobre minúsculos cartões, numa linguagem estenográfica da sua invenção. Sobre este louco empreendimento brilha o dom de considerar todos os assuntos sob o ponto de vista de uma inteligência superior que só agora soube da existência deles:
A astronomia.
“Um guarda nocturno vigia meia dúzia de lanternas vermelhas numa rua interceptada. Há bicos de gás, lampadários e janelas iluminadas no bairro. Riscam-se fósforos, acendem-se fogos, declarou-se um incêndio, há sinais de néon e faróis de automóveis. Mas o guarda nocturno cinge-se ao seu acanhado sistema. . . ”
Ao mesmo tempo retoma as suas pesquisas sobre os factos rejeitados, mas sistematicamente, e esforçando-se por verificar cautelosamente cada um deles. Submete a sua empresa a um plano que engloba a astronomia, a sociologia, a psicologia, a morfologia, a química, o magnetismo. Já não faz uma colecção: tenta obter o desenho da rosa-dos-ventos exteriores, fabricar a bússola para a navegação sobre os oceanos do outro lado, reconstituir o puzzle dos mundos escondidos atrás deste mundo. Necessita de cada folha que estremece na árvore imensa do fantástico: o céu de Nápoles é atravessado por bramidos no dia 22 de Novembro de 1821; vindos das nuvens, caem peixes sobre Singapura em 1861; em Indre-et-Loire, num certo 10 de Abril, há uma catarata de folhas secas; juntamente com uma faísca abatem-se sobre Sumatra achas de pedra; quedas de matéria viva; piratas do espaço cometem raptos; destroços de mundos errantes circulam sobre nós… “Sou inteligente e por isso sou muito diferente dos ortodoxos. Como não possuo o desdém aristocrático de um conservador noviorquino ou de um feiticeiro esquimó, sou obrigado a conceber outros mundos…”
A senhora Fort não sente o menor interesse por tudo isso. Ele não fala dos seus trabalhos, a não ser a raros amigos maravilhados. Não mostra empenho em vê-los. Escreve-lhes de tempos a tempos. “Tenho a sensação de me dedicar a um novo vício recomendado aos amadores de pecados inéditos. Ao princípio, alguns dos meus raciocínios eram tão pavorosos ou tão ridículos que as pessoas os detestavam ou desprezavam ao lê-los. Agora, tudo está melhor: há um pouco de lugar para a piedade”.
A sua vista começa a estar cansada. Vai ficar cego. Pára e medita várias vezes, alimentando-se apenas de pão escuro e queijo. Depois de ter repousado os olhos, resolve expor a sua visão pessoal do Universo, antidogmática, e de excitar a compreensão dos outros com grandes golpes de humor. “Por vezes, eu próprio me surpreendia a não pensar aquilo em que preferia acreditar”. À medida que progredira no estudo das diversas ciências, progredira na descoberta das suas insuficiências. É preciso demoli-las pela base: é o espírito que não está certo. É necessário recomeçar tudo, voltando a introduzir os factos excluídos a respeito dos quais reuniu uma documentação ciclópica. Antes de mais reintroduzi-los. Em seguida explicá-los, se possível. “Creio que não faço do absurdo um ídolo. Creio que nas primeiras tentativas não é possível averiguar o que mais tarde será aceitável. Se um dos pioneiros da zoologia (que está por fazer) ouvisse falar de pássaros que crescem sobre as árvores, deveria assinalar que ouviu falar de pássaros que crescem sobre as árvores. E em seguida deveria, mas só nessa altura, verificar escrupulosamente e seleccionar esses dados”.
Assinalemos, assinalemos, e um dia acabaremos por descobrir que qualquer coisa nos faz sinal.
*
São as próprias estruturas do conhecimento que devem ser revistas. Charles Hoy Fort sente palpitar em si próprio numerosas teorias que têm todas as asas do anjo do bizarro. Vê a Ciência como um automóvel muito civilizado lançado sobre uma auto-estrada. Mas de cada lado dessa maravilhosa pista, toda ela betume e néon, estende-se um país selvagem, cheio de prodígios e de mistérios. Stop. Examinai esse país também em largura! Extraviai-vos! Ziguezagueai! É portanto necessário fazer grandes gestos desordenados, grotescos até, como os que se fazem para tentar fazer com que um automóvel pare. Pouco importa que sejamos um pouco ridículos: é urgente. Charles Hoy Fort, eremita de Bronx, deseja realizar o mais rápida e ruidosamente possível um certo número de “macaquices” absolutamente necessárias Persuadido da importância da sua missão e liberto da sua documentação, resolve reunir em trezentas páginas os seus melhores explosivos. “Queimem-me o tronco de um pinheiro, folheiem-me as páginas de falésias de calcário, multipliquem-me por mil e substituam a minha imodéstia fútil por uma megalomania de Titã, e só então talvez me seja possível escrever com a amplidão que o meu trabalho reclama”.
Compõe a sua primeira obra, O Livro dos Danados, onde, segundo diz, são apresentadas “um certo número de experiências em matéria de estrutura do conhecimento”. Este trabalho apareceu em Nova Iorque em 1919. Produziu uma verdadeira revolução nos meios intelectuais. Antes das primeiras manifestações do dadaísmo e do surrealismo, Charles Fort introduzia na Ciência aquilo que Tzara, Breton e os seus discípulos viriam a introduzir nas artes e na literatura: a terminante recusa de entrar num jogo em que todos fazem batota, a colérica afirmação de que “há mais qualquer coisa”. Um enorme esforço, não talvez para entender o real na sua totalidade, mas para impedir que o real seja entendido de uma forma falsamente coerente. Uma ruptura essencial. “Sou um moscardo que perturba o cérebro do conhecimento para o impedir de dormir”.
O Livro dos Danados? “Um Ramo de Oiro para os chalados”[1], declarou John Winterich. “Uma das monstruosidades da literatura”, escreveu Edmund Pearson. Para Ben Hecht, “Charles Fort é o apóstolo da excepção e o sacerdote mistificador do improvável”. Martin Gardner, no entanto, reconhece que “os seus sarcasmos estão de acordo com as críticas mais válidas de Einstein e de Russel”. John Campbell afirma que “há nesta obra os gérmenes de, pelo menos, seis novas ciências”. “Ler Charles Fort é cavalgar sobre um cometa,” confessa Maynard Shiplev, e Theodore Dreiser vê nele “a maior figura literária depois de Edgar Poe”.
Só em 1955 é que O Livro dos Danados é publicado em França[2] por minha iniciativa, que sem dúvida não foi suficientemente diligente. A despeito de uma excelente tradução e apresentação de Robert Benayoun e de uma mensagem de Tiffany Thayer, que é presidente nos Estados Unidos da Sociedade dos Amigos de Charles Fort2, esta obra extraordinária passou quase despercebida. Eu e Bergier consolámo-nos dessa desdita.
Depois de O Livro dos Danados, Fort publicou, em 1923, Terras Novas. Publicados após a sua morte: Lo! em 1931, e Talentos Selvagens, em 1932. Estas obras gozam de uma certa celebridade na América, na Inglaterra e na Austrália.
Extraí numerosos dados do estudo de Robert Benayoun.
O Sr. Tiffany Thayer declarava, em particular:
“As qualidades de Charles Fort seduziram um grupo de escritores americanos que decidiram prosseguir, em honra dele, o ataque aos grandes sacerdotes do novo deus: a Ciência, bem como a todas as formas de dogmas. Neste intuito foi fundada a Sociedade Charles Fort, a 26 de Janeiro de 1931.
“Entre os seus fundadores estavam Theodore Dreiser, Booth Tarkington, Ben Hecht, Harry Leon Wilson, John Cowper Powys, Alexander Woolcott, Burton Rascoe, Aaron Sussman e o secretário, autor destas linhas, Tiffany Thayer.
“Charles Fort morreu em 1932, nas vésperas da publicação da sua quarta obra Talentos Selvagens. As inúmeras notas que recolhera nas bibliotecas de todo o Mundo, graças a uma correspondência internacional, foram legadas à Sociedade Charles Fort: hoje constituem o núcleo dos arquivos desta sociedade que vão crescendo de dia para dia devido à contribuição dos membros de quarenta e nove países, além dos Estados Unidos, a Alasca e as ilhas Hawai.
“A sociedade publica uma revista trimestral, Doubt (A Dúvida). Esta revista é também como que um refúgio para todos os factos “malditos,” quer dizer, os que a ciência ortodoxa não pode ou não quer admitir: por exemplo, os discos voadores. De facto, as informações e estatísticas que a sociedade possui sobre o assunto constituem o conjunto mais antigo, mais vasto e mais completo que existe actualmente.
“A revista Doubt também publica as notas de Fort.” de um dos nossos mais queridos mestres imaginando-o a gozar, do fundo do supermar dos Sargaços celestes, onde sem dúvida reside, este clamor do silêncio que do país de Descartes sobe até ele.
*
O nosso ex-embalsamador de borboletas odiava o estabelecido, o classificado, o definido. A ciência isola os fenómenos e as coisas para os observar. O grande pensamento de Charles Fort é que nada é isolável. Toda a coisa isolada deixa de existir.
Uma borboleta suca um goivo: é uma borboleta mais o suco de goivo; é um goivo menos um apetite de borboleta. Toda a definição de uma coisa em si é um atentado contra a realidade. “Entre as tribos consideradas selvagens, os pobres de espírito são rodeados de respeitosas atenções. Reconhecem geralmente a definição de uma coisa em termos próprios como um sinal de fraqueza de espírito. Todos os sábios iniciam os seus trabalhos por este género de definição, e entre as nossas tribos os sábios são rodeados de respeitosas atenções “.
Eis Charles Hoy Fort, amador do insólito, escriba dos milagres, empenhado numa formidável reflexão sobre a reflexão. Pois é à estrutura mental do homem civilizado que ele se agarra. Já não concorda com o motor a dois tempos que alimenta o raciocínio moderno. Dois tempos: o sim e o não, o positivo e o negativo. O conhecimento e a inteligência modernas assentam sobre este funcionamento binário: exacto, falso, aberto, fechado, vivo, morto, líquido, sólido, etc. O que Fort reclama contra Descartes é uma concepção do geral a partir da qual o particular poderia ser definido nas suas relações com ele, e cada coisa reconhecida como intermediária de outra. O que ele reclama é uma nova estrutura mental, capaz de reconhecer como reais os estados intermediários entre o sim e o não, o positivo e o negativo. Quer dizer, um raciocínio superior ao binário. De certa maneira, um terceiro olho da inteligência. Para exprimir a visão deste terceiro olho, a linguagem, que é um produto do binário (uma conjura, uma limitação organizada), não é suficiente. Portanto Fort precisa de utilizar adjectivos com duplo sentido nos epítetos bicéfalos “real-irreal,” “imaterial-material,” “solúvel-insolúvel”.
Um dos nossos amigos, num dia em que Bergier e eu almoçámos com ele, inventara com a maior minúcia um grave professor austríaco, filho do dono de um hotel de Madeburgo chamado “Dos Dois Hemisférios,” com o apelido de Kreyssler, Herr professor Kreyssler, de quem nos falou demoradamente, dedicara uma obra gigantesca à refundição da linguagem ocidental. O nosso amigo ambicionava publicar numa revista séria um estudo sobre “o verbalismo de Kreyssler,” o que teria sido uma mistificação muito útil. Portanto, Kreyssler tentara pôr em liberdade as estruturas da linguagem, a fim de que esta se enriquecesse finalmente com os estados intermédios desprezados pela nossa actual estrutura mental. Tomemos um exemplo. O atraso e o avanço. Como poderia eu definir o atraso sobre o avanço que desejava tomar? Não há palavra para isso. Kreyssler propunha avraso. E o avanço sobre o atraso que tinha. O atranço. Não se trata aqui senão de caracteres intermediários do tempo. Penetremos nos estados psicológicos. O amor e o ódio. Se amo cobardemente, amando-me a mim próprio através do outro, desta forma encaminhando-me para o ódio, tratar-se-á de amor? É apenas amódio. Se odeio o meu inimigo, sem no entanto perder o fio da unidade de todos os seres, cumprindo o meu dever de inimigo mas conciliando ódio e amor, não se trata de ódio, mas de òdimor. Passemos aos caracteres intermédios fundamentais. O que é morrer e o que é viver? Tantos estados intermédios que recusamos ver! Há virver, que não é viver, que é apenas evitar a morte. Há viver realmente, a despeito de ser obrigado a morrer, que é viver. Observai por fim os estados de consciência. Como a nossa consciência oscila entre dormir e velar! Quantas vezes a minha consciência não faz senão vemir: acreditar que vela quando se deixa dormir! Queira Deus que, sabendo-se tão pronta a adormecer, ela tente velar, e é então dorlar.
O nosso amigo acabava de ler Fort quando nos apresentou esta farsa genial: “Em termos metafísicos, diz Fort, creio que tudo a que vulgarmente se chama “existência”, e a que eu chamo carácter intermédio, é uma quase-existência, nem real, nem irreal, mas a expressão de uma tentativa para atingir o real ou uma existência real”. Esta empresa não tem precedentes nos tempos modernos. Anuncia a grande transformação da estrutura do espírito que as descobertas de certas realidades físico-matemáticas actualmente exigem. Ao nível da partícula, por exemplo, o tempo circula simultaneamente nos dois sentidos. Há equações a um tempo verdadeiras e falsas. A luz é simultaneamente contínua e irregular.
“Aquilo a que se chama Ser é o movimento: nem todo o movimento é a expressão de um equilíbrio, mas de uma tentativa de equilíbrio ou do equilíbrio ainda não atingido. E o simples facto de ser manifesta-se no carácter intermediário entre equilíbrio e desequilíbrio.” Isto data de 1919 e lembra as reflexões contemporâneas de um físico biologista como Jacques Ménétrier sobre a inversão da entropia. “Todos os fenómenos, no nosso estado intermédio ou quase-estado, representam uma tentativa para a organização, a harmonização, a individualização, quer dizer, uma tentativa para atingir a realidade. Mas toda a tentativa é levada a uma situação crítica pela continuidade, ou pelas forças exteriores, pelos factos excluídos, contíguos aos inclusos”. Isto antecipa uma das operações mais abstractas da física quântica: a normalização das funções, operação que consiste em estabelecer a função que descreve um objecto físico de tal forma que haja uma possibilidade de reencontrar esse objecto no Universo inteiro.
“Concebo todas as coisas como ocupando gradações, etapas seriais entre a realidade e a irrealidade.” É a razão por que, para Fort, pouca importância tem apoderar-se deste ou daquele facto para começar a descrever a totalidade. E por que motivo escolher um facto tranquilizador para a razão, em vez de um facto perturbante? Por que motivo excluir? Para calcular um círculo, pode começar-se não importa onde. Ele assinala, por exemplo, a existência de objectos voadores a partir dos quais se pode começar a apreender a totalidade. Mas, diz ele logo em seguida, uma tempestade de pervincas teria a mesma utilidade”.
“Não sou um realista. Não sou um idealista. Sou um intermediarista”. Se nos opomos à raiz da compreensão, à própria base do espírito, como nos poderemos fazer compreender? Por uma aparente excentricidade que é a linguagem-choque do génio verdadeiramente centralista: procura as suas imagens tanto mais longe quanto está certo de as reconduzir ao ponto fixo e profundo da sua meditação. De certo modo, o nosso camarada Charles Hoy Fort procede à maneira de Rabelais. Faz um alarido de humorismo e de imagens capaz de acordar os mortos.
“Colecciono notas sobre todos os assuntos dotados de qualquer diversidade, como seja os desvios da concentricidade na cratera lunar Copérnico, a súbita aparição de Britânicos cor de púrpura, os meteoros estacionários, ou o súbito nascimento de cabelos sobre a cabeça calva de uma múmia. No entanto, o meu maior interesse não tem como objecto os factos, mas as relações entre os factos. Meditei muito a respeito das supostas relações a que chamamos coincidências. E se não houvesse coincidências?”
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“Outrora, quando eu era um doidivanas especialmente perverso, condenavam-me a trabalhar ao sábado na loja paterna, onde era obrigado a raspar as etiquetas das latas de conservas concorrentes para nelas colar as dos meus pais. Um dia em que dispunha de uma autêntica pirâmide de conservas de frutos e de legumes, só me restavam etiquetas de pêssegos. Colei-as sobre as latas de pêssegos, até que cheguei às de damascos. E pensei: os damascos não serão pêssegos? Nessa altura comecei, por brincadeira ou cientificamente, a colar as minhas etiquetas de pêssegos sobre as latas de ameixas, de cerejas, de feijões e de ervilhas. Por que motivo? Ignorava-o então, pois ainda não decidira se era um sábio ou um humorista.”
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“Surge uma nova estrela; até que ponto ela se diferencia de certas gotas de origem desconhecida que acabam de ser descobertas sobre um algodoeiro do Oklahoma?”
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“Tenho neste momento um espécimen de borboleta particularmente ruidoso: uma esfinge com cabeça de morto. Guincha como um rato e o som parece-me vocal. Dizem da borboleta Kalima, por ela se assemelhar a uma folha seca, que imita a folha seca. Mas a esfinge com cabeça de morto será que imita as ossadas?”
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“Se não existem diferenças positivas, não é possível definir seja o que for como positivamente diferente de outra coisa. O que é uma casa? Uma granja é uma casa, contanto que lá viva alguém. Mas se a residência constitui a essência de uma casa, mais do que o estilo da arquitectura, então um ninho de ave é uma casa. A ocupação humana não estabelece o critério, visto que os cães têm a sua casa; nem a matéria, visto que os esquimós têm casas de neve. E duas coisas tão positivamente diferentes como a Casa Branca de Washington e a concha de um caranguejo ermita revelam-se contíguas.”
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“Ilhas de coral branco sobre um mar de um azul-escuro. “a sua aparência de distinção, a sua aparência de individualidade ou a diferença positiva que os separa não são mais do que a projecção do mesmo fundo oceânico: a diferença entre terra e mar não é positiva. Em toda a porção de água há um pouco de terra, em toda a porção de terra há um pouco de água. De forma que todas as aparências são enganadoras. Visto que fazem parte de um espectro comum. Um pé de mesa não tem nada de positivo, não passa de uma projecção de qualquer coisa. E nenhum de nós é um ser, visto que fisicamente somos contíguos daquilo que nos cerca, visto que psiquicamente nada nos acontece que não seja a expressão das nossas relações com tudo o que nos cerca.
“A minha disposição é a seguinte: todas as coisas que parecem possuir uma identidade individual não passam de ilhas, projecção de um continente submarino, e não possuem contornos reais.”
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“Como beleza, designarei o que parece completo. O incompleto ou o mutilado é totalmente feio. A Vénus de Milo. Uma criança achá-la-ia feia. Se um espírito puro a imagina completa, tornar-se-á bela. Uma mão concebida sob o ponto de vista de uma mão pode parecer bela. Abandonada sobre um campo de batalha, já o não é. Mas tudo o que nos cerca é uma parte de qualquer coisa, e esta parte de outra: neste mundo não há nada belo, só as aparências são intermediárias entre a beleza e a fealdade. Só a universalidade é completa, só o completo é belo.”
*
O profundo pensamento do nosso mestre Fort é portanto a unidade subjacente de todas as coisas e de todos os fenómenos. Ora o pensamento civilizado do passado século xIx coloca parêntesis um pouco por toda a parte, e a nossa forma de raciocínio binária, só encara a dualidade. Eis o louco-sensato do Bronx em revolta contra a Ciência exclusivista do seu tempo, e também contra a própria estrutura da nossa inteligência. Parece-lhe necessária outra forma de inteligência: uma inteligência de certa maneira mística, excitada em presença da totalidade. A partir do que ele sugere outros métodos de conhecimento. Tornar-se-á bela. Uma mão concebida sob o ponto de vista de uma mão pode parecer bela. Abandonada sobre um campo de batalha, já o não é. Mas tudo o que nos cerca é uma parte de qualquer coisa, e esta parte de outra: neste mundo não há nada belo, só as aparências são intermediárias entre a beleza e a fealdade. Só a universalidade é completa, só o completo é belo.”
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O profundo pensamento do nosso mestre Fort é portanto a unidade subjacente de todas as coisas e de todos os fenómenos. Ora o pensamento civilizado do passado século xIx coloca parêntesis um pouco por toda a parte, e a nossa forma de raciocínio binária, só encara a dualidade. Eis o louco-sensato do Bronx em revolta contra a Ciência exclusivista do seu tempo, e também contra a própria estrutura da nossa inteligência. Parece-lhe necessária outra forma de inteligência: uma inteligência de certa maneira mística, excitada em presença da totalidade. A partir do que ele sugere outros métodos de conhecimento.
Para nos preparar para isso, realiza cortes, fendas nos nossos hábitos de pensamento. “Atirar-vos-ei às portas que abrem para outra coisa”.
No entanto, Fort não é um idealista. Ele insurge-se contra a nossa falta de realismo: recusamos o real quando é fantástico. Fort não prega uma nova religião. Antes pelo contrário, apressa-se a erguer uma barreira em volta da sua doutrina para impedir que os espíritos fracos ali entrem. Que “tudo esteja em tudo”, que o Universo esteja contido num grão de areia, é a sua teoria. Mas esta certeza metafísica só pode brilhar no mais alto nível da reflexão. Não pode descer até a um ocultismo primário sem se tornar ridícula. Não poderia permitir os delírios do pensamento analógico, tão do agrado dos esoteristas duvidosos que constantemente explicam um facto com outro facto: a Bíblia pelos números, a última guerra pela Grande Pirâmide, a Revolução pela cartomância, o meu futuro pelos astros que em tudo vêem sinais a respeito de tudo. “Provavelmente existe uma relação entre uma rosa e um hipopótamo, no entanto nunca passará pela cabeça de um jovem a ideia de oferecer à noiva um ramo de hipopótamos.” Mark Twain, ao denunciar o mesmo vício de pensamento, declarava com certa graça que HA Canção da Primavera” pode ser explicada pelas Tábuas da Lei, visto que Moisés e Mendelssohn são nomes idênticos: basta substituir Moisés por endelssohn. E Charles Fort volta à carga com a seguinte caricatura: “Pode identificar-se um elefante a um girassol: ambos possuem uma comprida haste. Não é possível distinguir um camelo de um amendoim, se só tivermos em conta as bossas.”
Tal é o homenzinho, sólido e alegremente sabedor. Vejamos agora o seu pensamento adquirir uma amplidão cósmica.
*
E se a própria Terra não fosse real sob esse ponto de vista? Se não passasse de qualquer coisa intermédia no cosmos? Talvez a Terra não seja de forma alguma independente, e a vida sobre a Terra talvez não seja de forma alguma independente de outras vidas, de outras existências nos espaços.
Quarenta mil notas sobre toda a espécie de chuvas que tem caído sobre a Terra há muito “que levaram Charles Fort a admitir a hipótese de que a maior parte delas não são de origem terrestre. “Proponho que se admita a ideia de que há, para além do nosso mundo, outros continentes dos quais caem objectos, da mesma forma que os destroços da América vêm ter à Europa”.
Digamo-lo imediatamente: Fort não é um ingénuo. Ele não acredita em tudo. Apenas se insurge contra o hábito de negar a priori. Não aponta com o dedo as verdades: desfere golpes para demolir o edifício científico da sua época, constituído por verdades tão parciais que dir-se-iam erros. Ri? É que não compreendemos por que motivo o esforço humano em relação ao conhecimento não poderia por vezes ser entrecortado pelo riso, que é igualmente humano. Inventa? Sonha? Rabelais cósmico? Ele concorda. “Este livro é uma ficção, como As Viagens de Gulliver, a Orágem das Espécies e, aliás, a Bíblia.
“Chuvas e neves pretas, flocos de neve negra como azeviche. Escórias de fundição tombam do céu sobre o mar da Escócia. São encontradas em tal quantidade que o produto poderia representar o rendimento global de todas as fundições do Mundo. Penso numa ilha vizinha de um trajecto comercial transoceânico. Ela poderia receber várias vezes por ano detritos provenientes de navios de passagem.” Porque não destroços ou resíduos de navios interestelares?
Chuvas de substância, de matéria gelatinosa, acompanhadas de um forte odor de podridão. “Admitir-se-á que nos espaços infinitos flutuam vastas regiões viscosas e gelatinosas?” Tratar-se-ia de carregamentos alimentares depositados no céu pelos Grandes Viajantes de outros mundos? “Tenho a impressão de que por cima das nossas cabeças uma região estacionária, na qual as forças de gravidade da Terra, bem como as meteorológicas, são relativamente inertes, recebe do exterior produtos análogos aos nossos”.
Chuvas de animais vivos: peixes, rãs, cágados. Vindos de algures? Nesse caso, os seres humanos é provável que também tenham vindo ancestralmente de algures. . . A menos que se trate de animais arrancados à Terra devido a furacões, a trombas, e depositados numa região do espaço sem gravitação, espécie de câmara fria onde se conservam indefinidamente os produtos desses raptos. Arrancados à Terra e tendo ultrapassado a porta que dá para o além, reunidos num supermar dos Sargaços do céu. “Os objectos revolvidos pelos furacões podem ter atingido uma zona de suspensão situada por cima da Terra, flutuar um ao lado do outro durante muito tempo, e por fim cair…” “Aqui estão os dados, fazei deles o que vos aprouver…” “Para onde vão as trombas, de que são elas feitas?…” “Um supermar dos Sargaços: destroços, detritos, velhos carregamentos dos naufrágios interplanetários, objectos atirados para aquilo a que se chama espaço, devido às convulsões dos planetas vizinhos, relíquias do tempo dos Alexandres, dos Césares e dos Napoleões de Marte, Júpiter e Neptuno. Objectos revolvidos pelos nossos ciclones: granjas e cavalos, elefantes, moscas, pterodáctilos, moas[3], folhas de árvores recentes ou da idade carbonífera, tudo isto com tendência a desintegrar-se em lamas ou em poeiras homogéneas, vermelhas, negras ou amarelas, tesouros para paleontologistas ou arqueólogos, acumulações de séculos, furacões do Egipto, da Grécia, da Assíria…”
“Os raios provocam a queda de pedras. Os camponeses acreditaram nas meteorites, a Ciência excluiu-as. Os camponeses acreditam nas pedras de raio, a Ciência exclui-as. É inútil sublinhar que os camponeses percorrem os campos, enquanto os sábios se encerram nos seus laboratórios e nas salas de conferência”.
Pedras de raio facetadas. Pedras cheias de marcas, de sinais. E se outros mundos tentassem desta forma, e de outras, comunicar connosco, ou pelo menos com alguns de nós? “Com uma seita, talvez uma sociedade secreta, ou certos habitantes muito esotéricos desta terra?” Há milhares e milhares de testemunhos dessas tentativas de comunicação. “A minha prolongada experiência da supressão e da indiferença faz-me pensar, mesmo antes de entrar no assunto, que os astrónomos viram esses mundos, que os meteorólogos, os sábios, os observadores especializados os vislumbraram diversas vezes. Mas que o Sistema excluiu todos esses dados”.
Lembremos uma vez mais que isto foi escrito por volta de 1910.Actualmente,Russos e Americanos constroem laboratórios para estudo dos sinais que nos poderiam ser transmitidos de outros mundos.
E não teremos sido visitados num passado longínquo? E se a paleontologia fosse falsa? E se as grandes ossaturas descobertas pelos sábios exclusionistas do século xIx tivessem sido arbitrariamente reunidas? Restos de seres gigantescos,visitantes ocasionais do nosso planeta? No fundo,quem nos obriga a acreditar na fauna pré-humana de que nos falam os paleontologistas que não sabem mais do que nós? “Seja qual for a minha natureza optimista e crédula cada vez que visito o Museu Americano da História Natural o cinismo apodera-se de mim na secção dos “Fósseis”. Ossaturas gigantescas, reconstruídas de maneira a formarem dinossauros “verosímeis”.No andar de cima há uma reconstituição do “Dodo”.É pura ficção como tal apresentada. Mas edificada com tal amor,tal ânsia de convencer…” “Se já fomos visitados,qual o motivo por que deixámos de o ser?
“Pressinto uma resposta simples e imediatamente aceitável:
“Se o pudéssemos fazer,educaríamos e civilizaríamos porcos, patos e vacas? Atrever-nos-íamos a estabelecer relações diplomáticas com a galinha, que funciona para nos satisfazer com o seu sentido absoluto de aperfeiçoamento?
“Creio que somos bens imobiliários,acessórios,gado.
“Creio que fazemos parte de qualquer coisa.Que outrora a Terra era uma espécie de no man’s land que outros mundos exploraram, colonizaram e disputaram entre si.
“Actualmente,há qualquer coisa que possui a Terra e dela afastou todos os colonos.Nada nos apareceu vindo de algures, tão abertamente como um Cristóvão Colombo desembarcando em S. Salvador ou Hudson subindo o rio que tem o seu nome. Mas, quanto às visitas sub-reptícias feitas ao planeta, muito recentemente ainda, quanto aos viajantes emissários vindos talvez de outro mundo e que mostram o maior interesse em nos evitar, teremos disso provas convincentes.
“Ao empreender esta tarefa, serei por minha vez obrigado a pôr de parte certos aspectos da realidade. Parece-me difícil, por exemplo, englobar num único volume todas as maneiras possíveis de se servir da humanidade numa forma diferente de existência, ou mesmo justificar a ilusão lisonjeira que pretende que somos úteis a qualquer coisa. Os porcos, os patos e as vacas devem antes de mais descobrir que os possuímos, depois preocupar-se em saber por que motivo os possuímos. Talvez nós sejamos utilizáveis, talvez se tenha operado uma coordenação entre diversas partes: qualquer coisa tem sobre nós direito legal pela força, depois de ter pago para obter o equivalente das quinquilharias que lhe reclamava o nosso proprietário precedente, mais primitivo. E essa transacção é conhecida desde há vários séculos por alguns de nós, cabecilhas de um culto ou de uma ordem secreta cujos membros, como escravos de primeira classe, nos dirigem segundo as instruções recebidas, e nos encaminham para a nossa misteriosa função.
“Outrora, muito antes que a posse legal ficasse estabelecida, habitantes de uma imensidade de Universos aterraram sobre a Terra, por ela deambularam, voaram, navegaram a todo o pano, arrastados, empurrados para as nossas costas, isoladamente ou em grupos, visitando-nos ocasional ou periodicamente, por razões de caça, de permuta ou de sondagem, talvez para rechearem os seus haréns. Fundaram as suas colónias, perderam-se ou tiveram de partir. Povos civilizados ou primitivos, seres ou coisas, formas brancas, negras ou amarelas.”
*
Nós não estamos sós, a Terra não está só, “somos todos insectos e ratos, e apenas expressões diferentes de um enorme queijo universal” do qual apercebemos vagamente as fermentações e o cheiro. Há outros mundos atrás do nosso, outras vidas para além daquilo a que chamamos vida. Abolir os parêntesis do exclusionismo para dar acesso às hipóteses da Unidade fantástica.
E paciência se nos enganamos, se desenhamos, por exemplo, um mapa da América sobre o qual o Hudson se dirige directamente à Sibéria: o essencial, neste momento de renascimento do espírito e dos métodos de conhecimento, é que tenhamos a firme convicção de que os mapas devem ser refeitos, que o Mundo não é aquilo que pensávamos que fosse, e que nós próprios nos devemos transformar, no seio da nossa própria consciência,
em qualquer coisa de diferente do que éramos.
Outros mundos comunicam com a Terra. Há provas disso. As que julgamos ver talvez não sejam as autênticas. Mas existem. As marcas de ventosas sobre as montanhas: serão provas? Ignoramo-lo. Mas despertarão o nosso espírito para que encontre outras melhores.
“Essas marcas parecem-me simbolizar a comunicação.
“Mas não meios de comunicação entre habitantes da Terra. Tenho a impressão de que uma força exterior cobriu de símbolos os rochedos da Terra, e isto de muito longe. Não creio que as marcas de ventosas sejam comunicações inscritas entre diversos habitantes da Terra, pois parece inaceitável que os habitantes da China, da Escócia e da América tenham todos concebido o mesmo sistema. As marcas de ventosas são uma série de impressões sobre a rocha que obrigam irresistivelmente a pensar em ventosas. Por vezes são rodeadas por um círculo, outras por um simples semicírculo. Encontram-se mais ou menos por toda a parte, em Inglaterra, em França, na América, na Argélia, no Cáulcaso e na Palestina, por toda a parte excepto talvez no Grande Norte. Na China, as falésias estão cheias dessas marcas. Sobre uma falésia próxima do lago de Como existe um labirinto dessas marcas. Na Itália, em Espanha e nas Índias encontram-se em quantidade inacreditável. Suponhamos que uma força, digamos análoga à energia eléctrica, possa de longe marcar os rochedos da mesma forma que o selénio pode, a centenas de quilómetros, ser marcado pelos telefotógrafos, mas eu sou o homem de dois espíritos.
“Exploradores perdidos vindos de qualquer parte. De qualquer outro sítio tentam comunicar com eles, e um frenesim de mensagens chove em catadupa sobre a Terra, na esperança de que algumas delas marquem as montanhas, perto dos exploradores perdidos. Ou ainda, em qualquer parte sobre a Terra, há uma superfície rochosa de um género muito especial, um receptor, uma construção polar, ou uma colina abrupta e cónica sobre a qual há séculos que se inscrevem as mensagens de outro mundo. Mas, por vezes, essas mensagens perdem-se e marcam superfícies situadas a milhares de quilómetros do receptor. Talvez as forças dissimuladas atrás da história da Terra tenham deixado sobre os rochedos da Palestina, da Inglaterra, da China e das Índias arquivos que um dia serão decifrados, ou instruções mal dirigidas destinadas a ordens esotéricas, aos franco-mações e aos jesuítas do espaço.”
Nenhuma imagem será louca demais, nenhuma hipótese será excessiva: aríetes para arrombar a fortaleza. Há engenhos voadores, há exploradores no espaço. E se eles apanhassem, à passagem, para os examinar, alguns organismos vivos deste mundo? “Creio que nos pescam. Será que somos muito apreciados pelos feitores das esferas superiores? Sinto-me encantado por supor que, afinal de contas, posso ser útil a qualquer coisa. Estou certo de que flutuaram diversas redes na nossa atmosfera, e que foram identificadas a trombas ou a furacões. Creio que nos pescam, mas apenas o menciono de passagem…”
Eis atingidas as profundezas do inadmissível, murmura com tranquila satisfação o nosso amável precursor Charles Hoy Fort. Retira a sua viseira verde, esfrega os olhos cansados, alisa o bigode de foca, e vai à cozinha ver se a sua boa esposa, Ana, ao cozer os feijões do jantar, não corre o risco de lançar fogo à barraca, aos cartões, às fichas, ao museu da coincidência, ao conservatório do improvável, ao salão dos artistas celestes, ao gabinete dos objectos caídos, a essa biblioteca dos outros mundos, a essa catedral de Santo-Algures (Universo pressentido, onde o fantástico se torna provável), ao cintilante, fabuloso trajo
de Loucura que usa a Sabedoria.
Ana, minha boa amiga, é melhor que apague o seu fogão.
Bom apetite, Senhor Fort!
1 Alusão à obra do etnólogo e filósofo sir James Frazer, publicada em 1890. (N. da T.)
2 Edições “Deux Rives,” Paris, Colecção “Luz Interdita,” dirigida por Louis Pauwels.
3 Espécie, hoje extinta, de aves da Nova Zelândia, parecidas com a avestruz. (N. da T.)
Acção militante para a maior amplidão de espírito possível, iniciação à consciência cósmica, a obra de Charles Fort vai inspirar directamente o maior poeta dos universos paralelos, H. P. Lovecraft, pai daquilo a que se chama geralmente ficção científica e que nos parece, na realidade, ao nível das dez ou quinze obras-primas do género, como a Ilíada e a Odisseia da civilização em marcha. Em certa medida, o espírito de Charles Fort inspira igualmente o nosso trabalho. Nós não acreditamos em tudo. Mas acreditamos que tudo deve ser examinado. Por vezes é a observação dos factos duvidosos que dá aos factos verdadeiros a sua mais ampla expressão. Não é pela prática da omissão que se atinge o todo. Como Fort, esforçamo-nos por rever um certo número de omissões, e aceitamos o risco de passar por anormais. Ficará para outros o cuidado de descobrir boas pistas na nossa floresta virgem.
Fort estudava tudo o que, aparentemente, caíra do céu. Nós estudamos todos os vestígios, prováveis ou menos prováveis, que algumas civilizações desaparecidas possam ter deixado sobre a Terra. Sem excluir a menor hipótese: civilização atómica bem anterior ao que chamamos a pré-história, ensinamento vindo dos habitantes de Algures, etc. Dado que o estudo científico do passado longínquo da humanidade foi iniciado há pouco e nele reina a maior confusão, estas hipóteses não são mais loucas nem têm menos fundamento do que as hipóteses vulgarmente aceites. O importante, para nós, é dar ao assunto o máximo de amplidão.
Não vamos apresentar ao leitor uma tese sobre as civilizações desaparecidas. Vamos simplesmente propor-lhe que encare o problema segundo um novo método: não inquisitorial.
Segundo o método clássico, há duas espécies de factos: os escandalosos e os outros. Por exemplo, as descrições de engenhos voadores em textos sagrados muito antigos, a prática de poderes parapsicológicos entre os “primitivos”, ou a presença de níquel em moedas datando de 235 antes de Jesus Cristo[1] são factos escandalosos. Excluídos. Proibição de os examinar. E há duas espécies de hipóteses: as incómodas e as outras. Os frescos descobertos na gruta de Tassili, no Sara, representam, entre outras personagens de capacetes com longos cornos, dos quais saem fusos desenhados por meio de milhares de pontos minúsculos. Dizem que se trata, possivelmente, de grãos de trigo, testemunhos de uma civilização pastoral. De acordo, mas não há disso prova alguma. E se se tratasse da representação de campos magnéticos? Horror! Pavorosa hipótese! Bruxaria! Loucura! Para a fogueira!
Afinal, o método clássico, a que chamamos inquisitorial, dá resultados como este:
Um eclesiástico indiano, o reverendo Pravanananvanda, e um biologista americano, o doutor Strauss, da John Hopkins University, acabam de identificar o abominável homem das neves. Seria pura e simplesmente o urso pardo do Himalaia. Nenhum dos dois estimáveis sábios viu o animal. Mas, declaram eles, “a nossa hipótese, visto ser a única que não é fantástica, deve ser a autêntica”. Portanto, ir-se-ia contra o espírito científico prosseguindo pesquisas supérfluas. Glória ao reverendo e ao doutor! Resta apenas comunicar ao Yéti que ele é o urso pardo do Himalaia.
O nosso método, de acordo com a nossa época (comparável, em vários pontos, com o Renascimento), apoia-se sobre o princípio da tolerância. Fora a inquisição. Recusamo-nos a excluir factos e a desprezar hipóteses. Escolher lentilhas é uma acção útil: as pedras são impróprias para consumo. Mas nada prova que certas hipóteses excluídas e certos factos “escandalosos” não sejam nutritivos. Nós não trabalhamos para os débeis, os alérgicos, mas para todos aqueles que têm, como se costuma dizer, bom estômago.
Estamos persuadidos de que existem no estudo das antigas civilizações inúmeras negações da evidência, exclusões a priori, execuções inquisitoriais. As ciências humanas progrediram menos do que as ciências físicas e químicas, e o espírito positivista do século xIx ainda reina ali, como senhor tanto mais exigente quanto pressente que a morte se aproxima.
*
A antropologia está à espera do seu Copérnico: Antes de Copérnico, a Terra era o centro do Universo. Para o antropologista clássico, a nossa civilização é o centro de todo o pensamento humano, no espaço e no tempo. Lamentemos o pobre primitivo, encerrado nas trevas da mentalidade pré-lógica. Quinhentos anos nos separam da Idade Média e mal principiamos a libertar essa época da acusação de obscurantismo. O século de Luís XV prepara a Europa moderna, e foram necessários os recentes trabalhos de Pierre Gaxotte para que esse século deixasse de ser considerado como uma barreira de egoísmo erguida contra o movimento da história. A nossa civilização como qualquer outra, é uma conspiração.
O Ramo de Oiro, de sirJames Frazer, é uma volumosa, obra revestida de autoridade. Ali se encontram reunidos os “folclores” de todos os países. Nem por instantes passa pela cabeça de sir Frazer que se poderia tratar de qualquer outra coisa além de comoventes superstições ou costumes pitorescos. Os selvagens atingidos por doenças contagiosas comem o cogumelo penicillum notatun: servindo-se da magia imitativa, eles procuram aumentar as suas forças ingerindo esse símbolo fálico. Continua a ser uma superstição o emprego da digitalina. A ciência dos antibióticos, as operações sob o efeito do hipnotismo, a obtenção da chuva artificial por meio da dispersão de sais de prata, por exemplo, deveriam ser suficientes para que certas práticas “primitivas” fossem retiradas da rubrica “ingenuidades”.
Sir Frazer, profundamente convencido de fazer parte da única civilização digna desse nome, recusa-se a admitir que possam existir, entre os “inferiores”, técnicas autênticas, mas de uma espécie diferente das nossas, e o seu Ramo de Oiro assemelha-se a esses mapas elaborados por iluminadores que apenas conheciam o Mediterrâneo: cobriam os espaços brancos com
desenhos e inscrições, “aqui o País dos Dragões”, “aqui a Ilha dos Centauros”… Aliás, não é verdade que o século xIx se apressa, em todos os domínios, a camuflar todos os espaços em branco de todos os mapas? E mesmo nos mapas geográficos? Existe no Brasil, entre o rio Tapajos e o rio Xingu, uma terra desconhecida, vasta como a Bélgica. Também nenhum explorador se aproximou jamais de E1 Yafri, a cidade interdita da Arábia. Um dia, em 1943, na Nova Guiné, desapareceu sem deixar rasto uma divisão japonesa armada. E se as duas potências que entre si dividem o mundo chegarem a um acordo, o verdadeiro mapa do planeta reservar-nos-á algumas surpresas. Depois da bomba H, os militares procedem em segredo ao recenseamento das cavernas: extraordinário labirinto subterrâneo na Suécia, subsolo da Virgínia e da Checoslováquia, lago oculto sob as Baleares… Espaços em branco sobre o mundo dos homens. Nós não sabemos tudo a respeito dos poderes do homem, dos recursos da sua inteligência e do seu psiquismo, e inventámos ilhas de Centauros e países de Dragões: mentalidade pré-lógica, superstição, folclore, magia imitativa.
Hipótese: existiram civilizações que podem ter ido muitíssimo mais longe do que nós na exploração dos poderes parapsicológicos.
Resposta: não existem poderes parapsicológicos.
Lavoisier provara que não havia meteorites declarando: “Não podem cair pedras do céu, visto que não há pedras no céu”. Simon Newcomb provara que os aviões não poderiam voar, visto que é impossível uma aeronave mais pesada do que o ar.
O doutor Fortune vai para a Nova Guiné para estudar os “Dobus”. É um povo de mágicos, mas têm a particularidade de acreditar que as suas técnicas mágicas são válidas em toda a parte e para todos. Quando o doutor Fortune parte, um indígena oferece-lhe um feitiço que permite tornar-se invisível aos olhos dos outros. “Servi-me dele para roubar carne de porco em pleno dia. Siga à risca as minhas recomendações, e poderá fanar tudo o que quiser nas lojas de Sidney”. – “Evidentemente, diz o doutor Fortune, nunca tentei”. Lembrai-vos do nosso amigo Charles Fort: “Na topografia da inteligência poder-se-ia definir o conhecimento como a ignorância rodeada de risos”.
No entanto, está prestes a aparecer uma nova escola de antropologia, e Lévi-Strauss não hesita em provocar indignação declarando que provavelmente os Negritos são mais fortes do que nós em matéria de psicoterapia. Pioneiro desta nova escola o americano William Seabrook, após a primeira guerra mundial, partiu para o Haiti para estudar o culto do T,audou. Não para o ver do exterior, mas para viver essa magia, entrar sem precaução nesse outro mundo. Paul Morand descreve-o magnificamente[2]:
“Seabrook talvez seja o único branco da nossa época que recebeu o baptismo de sangue. Recebeu-o sem cepticismo nem fanatismo. A sua atitude em relação ao mistério é a de um homem de hoje. A ciência dos últimos dez anos levou-nos à beira do infinito: ali tudo pode vir a acontecer, viagens interplanetárias, descoberta da quarta dimensão, T.S.F com Deus. É preciso reconhecer esta nossa superioridade em relação aos nossos pais: daqui em diante estamos prontos para tudo, somos menos crédulos e mais crentes. Quanto mais remontamos às origens do Mundo, quanto mais analisamos os primitivos, mais verificamos que os seus segredos tradicionais coincidem com as nossas actuais investigações. Só há pouco tempo é que a Via Láctea é considerada geradora dos mundos estelares: ora os astecas afirmaram-no e não foram acreditados. Os selvagens conservaram o que a ciência redescobre. Eles acreditaram na unidade da matéria muito antes que o átomo de hidrogénio tenha sido isolado. Eles acreditaram na árvore-homem, no ferro-homem muito antes de sir J. C. Bose ter medido a sensibilidade dos vegetais, e envenenado metal com veneno de cobra. “A fé humana, diz Huxley nos Ensaios de um Biologzsta, desenvolveu-se do Espírito para os espíritos, depois dos espíritos para os deuses e dos deuses para Deus.” Poderia acrescentar-se que de Deus regressamos ao Espírito.”
Mas para descobrir que os segredos tradicionais dos “primitivos” coincidem com as nossas actuais investigações, seria necessário que se estabelecesse uma circulação entre a antropologia e as ciências físicas, químicas e matemáticas recentes. O simples viajante curioso, inteligente e de formação histórico-literária, corre o risco de passar ao lado das mais importantes observações. Até agora a exploração não foi mais do que uma parte da literatura, um luxo da actividade subjectiva. Quando for mais qualquer coisa, talvez nos venhamos a aperceber da existência, há milhares de séculos, de civilizações dotadas de equipamentos técnicos tão consideráveis como os nossos, embora diferentes.
J. Alden Mason, antropologista eminente e muito oficial, afirma, com referências devidamente controladas, que foram descobertos sobre o planalto peruano ornamentos de platina fundida. Ora a platina derrete a 1730 graus, e para a trabalhar é necessária uma tecnologia comparável à nossa. O professor Mason compreende a dificuldade: supõe portanto que esses ornamentos foram fabricados a partir de pó calcinado, e não fundidos. Semelhante suposição prova uma verdadeira ignorância da metalurgia. Dez minutos de pesquisas no Tratado dos Pós Calcinados, de Schwartzkopf, ter-lhe-iam demonstrado que a hipótese era inadmissível. Porque não consultar os especialistas das outras disciplinas? Todo o processo da antropologia lá está. Com a mesma inocência, o professor Mason assegura que se encontra na mais longínqua civilização do Peru a soldadura dos metais à base de resina e de sais metálicos fundidos. O facto de que essa técnica está na base da electrónica e acompanha tecnologias excessivamente desenvolvidas parece escapar-lhe. Pedimos desculpa de fazer alarde de conhecimentos, mas voltamos a sentir aquela necessidade da “informação concomitante”, tão intensamente pressentida por Charles Fort.
A despeito da sua atitude muito prudente, o professor John Alden Mason, Curator Emeritus do museu das Antiguidades Americanas da Universidade de Pensilvânia, na sua obra The Ancient Civilization of Peru, abre uma porta sobre o realismo fantástico quando fala dos Quipu. Os Quipu são guitas com nós muito complicados. Encontram-se entre os Incas e os pré-Incas. Tratar-se-ia de uma forma de escrita. Teriam servido para exprimir.
Outros mistérios da história das técnicas: o método da análise espectral foi recentemente utilizado pelo Instituto de Física Aplicada da Academia das Ciências chinesa para examinar um cinto enfeitado com pequenos furos, que data de há 1600 anos e foi descoberto enterrado no meio de muitos outros objectos no túmulo do famoso general dos Tsin do Oeste, Chou Chu, contemporâneo do final do império romano (265-316 depois de J. C.). Verificou-se que o metal desse cinto era composto por oitenta e cinco por cento de alumínio, 10 por cento de cobre e 5 por cento de manganês.
Ora, embora o alumínio esteja largamente espalhado sobre a Terra, é difícil de extrair. O processo de electrolização, que é até agora o único conhecido para extrair o alumínio da bauxita, só se desenvolveu a partir de 1808. Que os artífices chineses tenham sido capazes de extrair alumínio de uma tal bauxita, há 1600 anos, é por conseguinte uma importante descoberta na história mundial da metalurgia. (Horizons, n.o 89, Outubro de 1958). ideias, ou grupos de ideias abstractas. Um dos melhores especialistas dos Quipu, Nordenskield, vê neles cálculos matemáticos, horóscopos, diversos métodos de previsão do futuro. O problema é capital: podem existir outras formas de registar o pensamento além da escrita.
Vamos mais longe: o nó, base dos Quipu, é considerado pelos matemáticos modernos como um dos maiores mistérios. Ele só é possível num número ímpar de dimensões, impossível no plano e nos espaços superiores pares: 4, 6, 2 dimensões, e os topologistas só conseguiram estudar os nós mais simples. Portanto não é improvável que se encontrem inscritos nos Quipu
conhecimentos que nós ainda não possuímos.
Outro exemplo: a reflexão moderna sobre a natureza do conhecimento e as estruturas do espírito poderia enriquecer-se com o estudo da linguagem dos Índios Hopi da América Central. Essa linguagem presta-se melhor do que a nossa às ciências exactas. Não contém palavras-verbo e palavras-substantivos, mas sim palavras-acontecimentos, portanto mais intimamente aplicáveis ao contínuo espaço-tempo no qual agora sabemos que vivemos. Mais ainda, a palavra-acontecimento possui três modos: certeza, probabilidade, imaginação. Em vez de dizer: um homem atravessava a ribeira numa lancha, o Hopi empregará o conjunto homem-ribeira-canoa em três combinações diferentes conforme se tratar de um facto observado pelo narrador, contado por outrem, ou sonhado.
O homem verdadeiramente moderno, no sentido em que Paul Morand o entende e que é também o nosso, descobre que a inteligência é una, através de estruturas diferentes, como a necessidade de viver sob abrigo é una, através de mil arquitecturas. E descobre que a natureza do conhecimento é múltipla, como a própria Natureza.
*
Pode ser que a nossa civilização seja o resultado de um longo esforço para obter da máquina certos poderes que o homem antigo possuía: comunicar à distância, elevar-se no espaço, libertar a energia da matéria, anular o peso, etc. Pode também acontecer que no final das nossas descobertas nos venhamos a aperceber de que esses poderes são manejáveis com um equipamento tão reduzido que a palavra “máquina” terá outro sentido. Teremos ido, nesse caso, do espírito para a máquina, e da máquina para o espírito, e certas civilizações longínquas parecer-nos-ão muito menos afastadas.
No seu discurso de recepção na Universidade de Oxford, em 1946, Jean Cocteau conta a seguinte anedota:
“O meu amigo Pobers, professor de uma cadeira de parapsicologia em Utreque, foi enviado em missão para as Antilhas a fim de estudar o papel da telepatia, correntemente usada entre os selvagens. Se desejam corresponder-se com o marido ou o filho, na cidade, as mulheres dirigem-se a uma árvore e pai ou filho respondem ao que lhes é perguntado. Um dia em que Pobers assistia a este fenómeno e perguntava à camponesa por que motivo se servia de uma árvore, a sua resposta foi surpreendente e apta a resolver todo o problema moderno dos nossos instintos atrofiados pelas máquinas, nas quais o homem delega todo o esforço. Eis a pergunta: “Porque se dirige a uma árvore?” E eis a resposta: “Porque sou pobre. Se fosse rica, teria o telefone”.
Certos electroencefalogramas de Yogis em êxtase apresentam curvas que não correspondem a nenhuma das actividades cerebrais conhecidas em estado de vigília ou de sono. Há muitos brancos com bonecos de fantasia sobre o mapa do espírito civilizado: precognições, intuição, telepatia, génio, etc. No dia em que a exploração destas regiões estiver realmente desenvolvida e se tiverem aberto pistas através de diversos estados de consciência ignorados pela nossa psicologia clássica, o estudo das civilizações antigas e dos povos considerados primitivos revelará talvez verdadeiras tecnologias e aspectos essenciais do conhecimento. A um centralismo cultural sucederá um relativismo que nos apresentará a história da humanidade sob uma luz nova e fantástica. O progresso não está em reforçar os parêntesis, mas em multiplicar os traços de união.
*
Antes de prosseguir, e para vos distrair um pouco, gostaríamos que lessem uma pequena história de que muito gostamos. É da autoria de Arthur Clarke, quanto a nós um bom filósofo. Traduzimo-la em vossa intenção. Repousemos portanto e vamos dar lugar às infantilidades explosivas!
OS NOVE BILIÕES DE NOMES DE DEUS
por Arthur C. Clarke
O doutor Wagner conseguiu reprimir-se. Era meritório. Depois disse:
– O seu pedido é um pouco desconcertante. Que eu saiba, a primeira vez que um mosteiro tibetano faz a encomenda de um calculador electrónico. Não quero ser curioso, mas estava longe de pensar que semelhante instituição pudesse necessitar desta máquina. Posso perguntar-lhe em que deseja utilizá-la?
O lama ajeitou a saia da sua túnica de seda e pousou sobre secretária a régua de calcular com a qual acabava de efectuar conversões libra-dólar.
– Com certeza. O calculador electrónico tipo 5 pode fazer, segundo diz o catálogo, todas as operações matemáticas até 10 decimais. No entanto, o que me interessa são letras, não números. Pedir-lhe-ei portanto que modifique o circuito de saída de forma que imprima letras em vez de colunas de números.
– Não compreendo muito bem. . .
– Desde que a nossa instituição foi fundada, há mais de três séculos, que nos consagramos a um determinado trabalho. É um trabalho que pode parecer-lhe estranho e peço-lhe que me escute com a maior largueza de espírito.
– De acordo.
– É simples. Tentamos organizar a lista de todos os nomes possíveis de Deus.
– Perdão?
O lama continuou imperturbavelmente:
– Temos excelentes motivos para crer que todos esses nomes incluem quando muito nove letras do nosso alfabeto.
– E ocuparam-se disso durante três séculos?
– Sim. Tínhamos calculado que precisaríamos de quinze mil anos para terminar o trabalho.
O doutor deu um assobio de vencido, e disse um pouco atordoado:
– O.K., agora compreendo porque deseja alugar uma das nossas máquinas. Mas qual é o objectivo da operação?
Durante uma fracção de segundo o lama hesitou e Wagner receou ter ofendido aquele estranho cliente que acabava de fazer a viagem Lassa-Nova Iorque com uma régua de calcular e o Catálogo da Companhia dos Contadores Electrónicos na algibeira da sua túnica cor de açafrão.
– Chame a isto um ritual, se quiser – disse o lama -, mas é uma das bases fundamentais da nossa religião. Os nomes do Ser Supremo, como seja Deus, Júpiter, Jeová, Alá, etc., não passam de etiquetas feitas pelos homens. Certas considerações filosóficas, demasiado complexas para que as possa expor agora, deram-nos a certeza de que, entre todas as permutas e possíveis combinações das letras, se encontram os verdadeiros nomes de Deus. Ora o nosso objectivo é descobri-los e escrevê-los todos.
– Já compreendo: Começaram por A.A.A.A.A.A.A.A.A., e acabarão por chegar a Z.Z.Z.Z.Z.Z.Z.Z.Z.
– Simplesmente utilizamos o nosso alfabeto. Evidentemente que lhe há-de ser fácil modificar a máquina de escrever eléctrica, de forma que ela utilize o nosso alfabeto. Mas um problema mais importante será o de preparar os circuitos esperiais de forma que eliminem antecipadamente as combinações múteis. Por exemplo, nenhuma das letras deve aparecer mais de três vezes sucessivamente.
– Três? Quer dizer duas.
– Não. Três. Mas a explicação completa exigiria imenso tempo, mesmo se o senhor compreendesse a nossa língua.
Wagner disse precipitadamente:
– Claro, claro. Siga, por favor.
– Ser-lhe-á fácil adaptar o calculador automático em função deste objectivo. Com um plano bem elaborado, uma máquina desse género pode trocar as letras umas a seguir às outras e imprimir um resultado. Desta forma, concluiu calmamente o lama, aquilo que nos levaria ainda quinze milénios estará terminado em cem dias.
O doutor Wagner sentia que ia perdendo o sentido das realidades. Através das janelas do edifício, os ruídos e as luzes de Nova Iorque perdiam a intensidade. Sentia-se transportado a um mundo diferente. Lá longe, no seu longínquo asilo montanhoso, geração após geração, os monges tibetanos há trezentos anos que elaboravam a sua lista de nomes desprovidos de sentido… Não havia então limite para a loucura dos homens? Mas o doutor Wagner não devia deixar transparecer os seus pensamentos. O cliente tem sempre razão…
E respondeu:
– Não duvido de que possamos modificar a máquina tipo 5, de forma a imprimir listas desse género. A instalação e a conservação é que mais me inquietam. Aliás, não será fácil enviá-la para o Tibete.
– Nós trataremos disso. As peças separadas têm dimensões suficientemente pequenas para serem transportadas por avião. De resto, foi esse o motivo por que escolhemos a máquina. Enviem as peças para a Índia, que nós nos encarregaremos do resto.
– Deseja contratar dois dos nossos engenheiros?
– Sim, para montarem e vigiarem a máquina durante cem dias.
– Vou mandar instruções à direcção do pessoal – disse Wagner enquanto escrevia no bloco-notas. – Mas restam duas
questões a resolver. . .
Antes que tivesse podido terminar a frase, o lama tirou do bolso uma delgada folha de papel:
– Esta é a posição certificada da minha conta no Banco Asiático.
– Muito obrigado. Está muito bem… Mas, se me permite, a segunda questão é de tal maneira elementar que hesito em mencioná-la. Acontece muitas vezes esquecermos qualquer coisa evidente. . . Têm uma fonte de energia eléctrica?
– Temos um gerador “Diesel” eléctrico de 50 KW de potência 100 volts. Foi instalado há cinco anos e funciona bem. Facilita-nos a vida no convento. Comprámo-lo sobretudo para accionar os moinhos de orações.
– Ah, sim, evidentemente, eu devia ter pensado nisso…
*
Do parapeito a vista era vertiginosa, mas habituamo-nos a tudo.
Tinham decorrido três meses e Jorge Hanley já não se impressionava com os seiscentos metros em vertical que separavam o mosteiro do quadriculado dos campos na planície. Apoiado sobre pedras que o vento arredondara, o engenheiro contemplava com olhar triste as montanhas longínquas de que ignorava o nome. “A operação nome de Deus”, como a baptizara um humorista da Companhia, era sem dúvida a pior tarefa de louco em que jamais participara.
Semana após semana, a máquina tipo 5, modificada, cobrira milhares de folhas de uma incrível algaravia. Paciente e inexorável, o calculador reunira as letras do alfabeto tibetano em todas as combinações possíveis, esgotando série após série. Os monges recortavam certas palavras à saída da máquina de escrever eléctrica e colavam-nas com devoção em enormes registos. Dentro de uma semana acabariam.
Hanley ignorava quais seriam os obscuros cálculos que os tinham feito chegar à conclusão de que não deviam estudar conjuntos de dez, vinte, cem, mil letras, e nem pretendia sabê-lo. Nos seus pesadelos sonhava por vezes que o grande lama decidira bruscamente complicar um pouco mais a operação e que o trabalho continuaria até ao ano 2060. Aliás, aquele estranho homenzinho parecia perfeitamente capaz de o fazer.
A pesada porta de madeira soou. Chuk vinha ter com ele ao terraço. Chuk fumava, como de costume, um charuto: tornara-se popular entre os lamas distribuindo-lhes ” havanos”. Aqueles tipos seriam completamente chalados – pensou Hanley -, mas
não eram puritanos. As frequentes expedições à aldeia não tinham sido desprovidas de interesse. . .
– Ouve, Jorge – disse Chuk -, vamos ter aborrecimentos.
– A máquina escangalhou-se?
– Não.
Chuk sentou-se sobre o parapeito. Era espantoso, pois habitualmente receava ter vertigens:
– Acabo de descobrir o objectivo da operação.
– Mas já o sabíamos!
– Sabíamos o que os monges queriam fazer, mas não sabíamos porquê.
– Bah!, são uns loucos…
– Escuta, Jorge, o velho acaba de me explicar. Eles crêem que assim que tenham escrito todos aqueles nomes (e segundo pensam são cerca de nove biliões), o objectivo divino será atingido. A raça humana terá realizado a tarefa para que foi criada.
– Então e depois? Esperam que nos suicidemos?
– Inútil. Quando a lista estiver terminada, Deus intervirá e será o fim.
– Quando terminarmos, será então o fim do Mundo?
Chuk teve um risinho nervoso:
– Foi o que eu disse ao velho. Ele olhou-me de uma forma estranha, como um professor olha para um aluno particularmente estúpido, e disse-me: “Oh, não será assim tão insignificante!…”
Jorge reflectiu um instante.
– É um tipo que visivelmente tem ideias largas, mas, mesmo assim, que importância tem isso? Nós já sabíamos que eram uns loucos.
– Sim. Mas não vês o que pode acontecer? Se a lista fica pronta e se as trombetas do anjo Gabriel, versão tibetana, não tocam, eles podem decidir que é por nossa culpa. No fim de contas, era a nossa máquina que eles utilizavam. Não gosto disto. . .
– Estou a ver. . . – disse lentamente Jorge – mas eu já vi tanta coisa! Quando era garoto, na Luisiana, apareceu um pregador que anunciou o fim do Mundo para o próximo domingo. Houve centenas de tipos que o acreditaram. Alguns chegaram a vender as suas casas. Mas ninguém se enfureceu no domingo a seguir. As pessoas pensaram que ele apenas errara um pouco os cálculos, e muitas delas ainda o acreditam.
– Caso não te tenhas apercebido disso, faço-te notar que não estamos na Luisiana. Estamos os dois sozinhos, no meio de centenas de monges. Eu adoro-os, mas preferia estar longe quando o velho lama se aperceber de que a operação falhou.
– Há uma solução. Uma pequenina sabotagem inofensiva. O avião chega dentro de uma semana e a máquina acaba o trabalho dentro de quatro dias, à razão de 24 horas por dia. Basta-nos começar a reparar qualquer coisa durante dois ou três dias. Se calcularmos bem, podemos estar lá em baixo, no aeroporto, quando o último nome sair da máquina.
*
Sete dias mais tarde, enquanto os pequenos póneis das montanhas desciam o caminho em espiral, Hanley disse:
– Sinto um pouco de remorsos. Não fujo por medo, mas porque me faz pena. Não gostaria de ver a cara daqueles pobres homens quando a máquina parar.
– Na minha opinião – disse Chuk -, eles desconfiaram que fugimos, o que os deixou indiferentes. Agora já sabem até que ponto a máquina é automática, e que não precisa de vigilância. E supõem que não haverá nenhum depois.
Jorge voltou-se para trás e olhou.
Os edifícios do mosteiro apareciam em silhueta escura sobre o poente. De vez em quando brilhavam pequeninas luzes sob a massa sombria das muralhas, como as vigias de um navio singrando no mar. Lâmpadas eléctricas colocadas sobre o circuito
da máquina n.o 5. Que aconteceria ao calculador eléctrico? – pensou Jorge.
– Na sua fúria e desapontamento iriam os monges destruí-lo? Ou então recomeçariam tudo?
Como se ainda lá estivesse, via o que naquele momento se passava sobre a montanha atrás das muralhas. O grande lama e os seus assistentes examinavam as folhas, enquanto alguns noviços recortavam os nomes barrocos e os colavam no enorme caderno. E tudo aquilo era feito em religioso silêncio. Só se ouviam as teclas da máquina, batendo no papel como se fosse chuva miúda. O próprio calculador, que combinava milhares de letras por segundo, estava completamente silencioso…
A voz de Chuk interrompeu o seu devaneio:
– Lá está ele! Que grande alegria que dá!
Semelhante a uma minúscula cruz prateada, o velho avião de transportes D.C. 3 acabava de pousar lá em baixo no pequeno aeródromo improvisado. Aquela visão dava vontade de beber um grande copo de uísque gelado. Chuk começou a cantar, mas depressa se calou. As montanhas não o encorajavam. Jorge consultou o relógio.
– Estaremos lá dentro de uma hora – disse. E acrescentou: – Pensas que o cálculo já terminou?
Chuk não respondeu e Jorge levantou a cabeça. Viu o rosto de Chuk muito branco, voltado para o céu.
– Olha – murmurou Chuk.
Jorge, por sua vez, levantou os olhos.
Pela última vez, por cima deles, na paz das alturas, uma a uma as estrelas começavam a extinguir-se. . .
1 As moedas bactrianas, cunhadas pelo rei Euthydémus II, 235 anos antes de Cristo (Scientific American, Janeiro de 1960).
2 Prefácio à Ilha Mágica, de William Seabrook (Firmin-Didot editor, Paris, 1932).
Antes de prosseguir, e para vos distrair um pouco, gostaríamos que lessem uma pequena história de que muito gostamos. É da autoria de Arthur Clarke, quanto a nós um bom filósofo. Traduzimo-la em vossa intenção. Repousemos portanto e vamos dar lugar às infantilidades explosivas!
OS NOVE BILIÕES DE NOMES DE DEUS
por Arthur C. Clarke
O doutor Wagner conseguiu reprimir-se. Era meritório. Depois disse:
– O seu pedido é um pouco desconcertante. Que eu saiba, a primeira vez que um mosteiro tibetano faz a encomenda de um calculador electrónico. Não quero ser curioso, mas estava longe de pensar que semelhante instituição pudesse necessitar desta máquina. Posso perguntar-lhe em que deseja utilizá-la?
O lama ajeitou a saia da sua túnica de seda e pousou sobre secretária a régua de calcular com a qual acabava de efectuar conversões libra-dólar.
– Com certeza. O calculador electrónico tipo 5 pode fazer, segundo diz o catálogo, todas as operações matemáticas até 10 decimais. No entanto, o que me interessa são letras, não números. Pedir-lhe-ei portanto que modifique o circuito de saída de forma que imprima letras em vez de colunas de números.
– Não compreendo muito bem. . .
– Desde que a nossa instituição foi fundada, há mais de três séculos, que nos consagramos a um determinado trabalho. É um trabalho que pode parecer-lhe estranho e peço-lhe que me escute com a maior largueza de espírito.
– De acordo.
– É simples. Tentamos organizar a lista de todos os nomes possíveis de Deus.
– Perdão?
O lama continuou imperturbavelmente:
– Temos excelentes motivos para crer que todos esses nomes incluem quando muito nove letras do nosso alfabeto.
– E ocuparam-se disso durante três séculos?
– Sim. Tínhamos calculado que precisaríamos de quinze mil anos para terminar o trabalho.
O doutor deu um assobio de vencido, e disse um pouco atordoado:
– O.K., agora compreendo porque deseja alugar uma das nossas máquinas. Mas qual é o objectivo da operação?
Durante uma fracção de segundo o lama hesitou e Wagner receou ter ofendido aquele estranho cliente que acabava de fazer a viagem Lassa-Nova Iorque com uma régua de calcular e o Catálogo da Companhia dos Contadores Electrónicos na algibeira da sua túnica cor de açafrão.
– Chame a isto um ritual, se quiser – disse o lama -, mas é uma das bases fundamentais da nossa religião. Os nomes do Ser Supremo, como seja Deus, Júpiter, Jeová, Alá, etc., não passam de etiquetas feitas pelos homens. Certas considerações filosóficas, demasiado complexas para que as possa expor agora, deram-nos a certeza de que, entre todas as permutas e possíveis combinações das letras, se encontram os verdadeiros nomes de Deus. Ora o nosso objectivo é descobri-los e escrevê-los todos.
– Já compreendo: Começaram por A.A.A.A.A.A.A.A.A., e acabarão por chegar a Z.Z.Z.Z.Z.Z.Z.Z.Z.
– Simplesmente utilizamos o nosso alfabeto. Evidentemente que lhe há-de ser fácil modificar a máquina de escrever eléctrica, de forma que ela utilize o nosso alfabeto. Mas um problema mais importante será o de preparar os circuitos esperiais de forma que eliminem antecipadamente as combinações múteis. Por exemplo, nenhuma das letras deve aparecer mais de três vezes sucessivamente.
– Três? Quer dizer duas.
– Não. Três. Mas a explicação completa exigiria imenso tempo, mesmo se o senhor compreendesse a nossa língua.
Wagner disse precipitadamente:
– Claro, claro. Siga, por favor.
– Ser-lhe-á fácil adaptar o calculador automático em função deste objectivo. Com um plano bem elaborado, uma máquina desse género pode trocar as letras umas a seguir às outras e imprimir um resultado. Desta forma, concluiu calmamente o lama, aquilo que nos levaria ainda quinze milénios estará terminado em cem dias.
O doutor Wagner sentia que ia perdendo o sentido das realidades. Através das janelas do edifício, os ruídos e as luzes de Nova Iorque perdiam a intensidade. Sentia-se transportado a um mundo diferente. Lá longe, no seu longínquo asilo montanhoso, geração após geração, os monges tibetanos há trezentos anos que elaboravam a sua lista de nomes desprovidos de sentido… Não havia então limite para a loucura dos homens? Mas o doutor Wagner não devia deixar transparecer os seus pensamentos. O cliente tem sempre razão…
E respondeu:
– Não duvido de que possamos modificar a máquina tipo 5, de forma a imprimir listas desse género. A instalação e a conservação é que mais me inquietam. Aliás, não será fácil enviá-la para o Tibete.
– Nós trataremos disso. As peças separadas têm dimensões suficientemente pequenas para serem transportadas por avião. De resto, foi esse o motivo por que escolhemos a máquina. Enviem as peças para a Índia, que nós nos encarregaremos do resto.
– Deseja contratar dois dos nossos engenheiros?
– Sim, para montarem e vigiarem a máquina durante cem dias.
– Vou mandar instruções à direcção do pessoal – disse Wagner enquanto escrevia no bloco-notas. – Mas restam duas
questões a resolver. . .
Antes que tivesse podido terminar a frase, o lama tirou do bolso uma delgada folha de papel:
– Esta é a posição certificada da minha conta no Banco Asiático.
– Muito obrigado. Está muito bem… Mas, se me permite, a segunda questão é de tal maneira elementar que hesito em mencioná-la. Acontece muitas vezes esquecermos qualquer coisa evidente. . . Têm uma fonte de energia eléctrica?
– Temos um gerador “Diesel” eléctrico de 50 KW de potência 100 volts. Foi instalado há cinco anos e funciona bem. Facilita-nos a vida no convento. Comprámo-lo sobretudo para accionar os moinhos de orações.
– Ah, sim, evidentemente, eu devia ter pensado nisso…
*
Do parapeito a vista era vertiginosa, mas habituamo-nos a tudo.
Tinham decorrido três meses e Jorge Hanley já não se impressionava com os seiscentos metros em vertical que separavam o mosteiro do quadriculado dos campos na planície. Apoiado sobre pedras que o vento arredondara, o engenheiro contemplava com olhar triste as montanhas longínquas de que ignorava o nome. “A operação nome de Deus”, como a baptizara um humorista da Companhia, era sem dúvida a pior tarefa de louco em que jamais participara.
Semana após semana, a máquina tipo 5, modificada, cobrira milhares de folhas de uma incrível algaravia. Paciente e inexorável, o calculador reunira as letras do alfabeto tibetano em todas as combinações possíveis, esgotando série após série. Os monges recortavam certas palavras à saída da máquina de escrever eléctrica e colavam-nas com devoção em enormes registos. Dentro de uma semana acabariam.
Hanley ignorava quais seriam os obscuros cálculos que os tinham feito chegar à conclusão de que não deviam estudar conjuntos de dez, vinte, cem, mil letras, e nem pretendia sabê-lo. Nos seus pesadelos sonhava por vezes que o grande lama decidira bruscamente complicar um pouco mais a operação e que o trabalho continuaria até ao ano 2060. Aliás, aquele estranho homenzinho parecia perfeitamente capaz de o fazer.
A pesada porta de madeira soou. Chuk vinha ter com ele ao terraço. Chuk fumava, como de costume, um charuto: tornara-se popular entre os lamas distribuindo-lhes ” havanos”. Aqueles tipos seriam completamente chalados – pensou Hanley -, mas
não eram puritanos. As frequentes expedições à aldeia não tinham sido desprovidas de interesse. . .
– Ouve, Jorge – disse Chuk -, vamos ter aborrecimentos.
– A máquina escangalhou-se?
– Não.
Chuk sentou-se sobre o parapeito. Era espantoso, pois habitualmente receava ter vertigens:
– Acabo de descobrir o objectivo da operação.
– Mas já o sabíamos!
– Sabíamos o que os monges queriam fazer, mas não sabíamos porquê.
– Bah!, são uns loucos…
– Escuta, Jorge, o velho acaba de me explicar. Eles crêem que assim que tenham escrito todos aqueles nomes (e segundo pensam são cerca de nove biliões), o objectivo divino será atingido. A raça humana terá realizado a tarefa para que foi criada.
– Então e depois? Esperam que nos suicidemos?
– Inútil. Quando a lista estiver terminada, Deus intervirá e será o fim.
– Quando terminarmos, será então o fim do Mundo?
Chuk teve um risinho nervoso:
– Foi o que eu disse ao velho. Ele olhou-me de uma forma estranha, como um professor olha para um aluno particularmente estúpido, e disse-me: “Oh, não será assim tão insignificante!…”
Jorge reflectiu um instante.
– É um tipo que visivelmente tem ideias largas, mas, mesmo assim, que importância tem isso? Nós já sabíamos que eram uns loucos.
– Sim. Mas não vês o que pode acontecer? Se a lista fica pronta e se as trombetas do anjo Gabriel, versão tibetana, não tocam, eles podem decidir que é por nossa culpa. No fim de contas, era a nossa máquina que eles utilizavam. Não gosto disto. . .
– Estou a ver. . . – disse lentamente Jorge – mas eu já vi tanta coisa! Quando era garoto, na Luisiana, apareceu um pregador que anunciou o fim do Mundo para o próximo domingo. Houve centenas de tipos que o acreditaram. Alguns chegaram a vender as suas casas. Mas ninguém se enfureceu no domingo a seguir. As pessoas pensaram que ele apenas errara um pouco os cálculos, e muitas delas ainda o acreditam.
– Caso não te tenhas apercebido disso, faço-te notar que não estamos na Luisiana. Estamos os dois sozinhos, no meio de centenas de monges. Eu adoro-os, mas preferia estar longe quando o velho lama se aperceber de que a operação falhou.
– Há uma solução. Uma pequenina sabotagem inofensiva. O avião chega dentro de uma semana e a máquina acaba o trabalho dentro de quatro dias, à razão de 24 horas por dia. Basta-nos começar a reparar qualquer coisa durante dois ou três dias. Se calcularmos bem, podemos estar lá em baixo, no aeroporto, quando o último nome sair da máquina.
*
Sete dias mais tarde, enquanto os pequenos póneis das montanhas desciam o caminho em espiral, Hanley disse:
– Sinto um pouco de remorsos. Não fujo por medo, mas porque me faz pena. Não gostaria de ver a cara daqueles pobres homens quando a máquina parar.
– Na minha opinião – disse Chuk -, eles desconfiaram que fugimos, o que os deixou indiferentes. Agora já sabem até que ponto a máquina é automática, e que não precisa de vigilância. E supõem que não haverá nenhum depois.
Jorge voltou-se para trás e olhou.
Os edifícios do mosteiro apareciam em silhueta escura sobre o poente. De vez em quando brilhavam pequeninas luzes sob a massa sombria das muralhas, como as vigias de um navio singrando no mar. Lâmpadas eléctricas colocadas sobre o circuito
da máquina n.o 5. Que aconteceria ao calculador eléctrico? – pensou Jorge.
– Na sua fúria e desapontamento iriam os monges destruí-lo? Ou então recomeçariam tudo?
Como se ainda lá estivesse, via o que naquele momento se passava sobre a montanha atrás das muralhas. O grande lama e os seus assistentes examinavam as folhas, enquanto alguns noviços recortavam os nomes barrocos e os colavam no enorme caderno. E tudo aquilo era feito em religioso silêncio. Só se ouviam as teclas da máquina, batendo no papel como se fosse chuva miúda. O próprio calculador, que combinava milhares de letras por segundo, estava completamente silencioso…
A voz de Chuk interrompeu o seu devaneio:
– Lá está ele! Que grande alegria que dá!
Semelhante a uma minúscula cruz prateada, o velho avião de transportes D.C. 3 acabava de pousar lá em baixo no pequeno aeródromo improvisado. Aquela visão dava vontade de beber um grande copo de uísque gelado. Chuk começou a cantar, mas depressa se calou. As montanhas não o encorajavam. Jorge consultou o relógio.
– Estaremos lá dentro de uma hora – disse. E acrescentou: – Pensas que o cálculo já terminou?
Chuk não respondeu e Jorge levantou a cabeça. Viu o rosto de Chuk muito branco, voltado para o céu.
– Olha – murmurou Chuk.
Jorge, por sua vez, levantou os olhos.
Pela última vez, por cima deles, na paz das alturas, uma a uma as estrelas começavam a extinguir-se. . .
De Aristarco de Samos aos astrónomos de 1900, a humanidade levou vinte e dois séculos para calcular com uma aproximação satisfatória a distância da Terra ao Sol: 149400000 quilómetros. Teria bastado multiplicar por um bilião a altura da pirâmide de Kéops, construída 2900 anos antes de Jesus Cristo.
Hoje sabemos que os Faraós depositaram nas pirâmides os resultados de uma ciência da qual ignoramos a origem e os métodos. Ali se volta a encontrar o número n, o cálculo exacto da duração de um ano solar, do raio e do peso da Terra, a lei de precessão dos equinócios, o valor do grau de longitude, a direcção real do Norte, e talvez muitos outros dados ainda por decifrar. De onde vêm estas informações? Como foram obtidas? Ou transmitidas? E, nesse caso, por quem?
Para o padre Moreux, Deus deu aos homens antigos conhecimentos científicos. Eis-nos em plena imaginação. “Escuta, ó meu filho: o número 3,14116 permitir-te-á calcular a superfície de um círculo!” Para Piazzi Smyth, Deus ditou estas informações a Egípcios demasiado ímpios e ignorantes para poderem compreender aquilo que inscreviam na pedra. E por que motivo Deus, que tudo sabe, se teria tão estrondosamente enganado sobre a qualidade dos seus alunos? Para os egiptólogos positivistas, as mensurações efectuadas em Gizé foram falseadas por investigadores iludidos pela sua ânsia de maravilhoso: nenhuma ciência está inscrita. Mas a discussão vacila entre as decimais, e nem por isso a construção das pirâmides deixa de ser o testemunho de uma técnica que para nós continua a ser totalmente incompreensível. Gizé é uma montanha artificial de 6.500.000 toneladas. Tem blocos de doze toneladas ajustados com uma precisão de meio milímetro. A ideia mais banal é a que geralmente se admite: o Faraó disporia de uma mão-de-obra colossal. Restava explicar como foi resolvido o problema do atravancamento dessas imensas multidões. E os motivos de um tão louco empreendimento. E a maneira como foram os blocos extraídos das pedreiras. A egiptologia clássica não admite como técnica senão o emprego de cunhas de madeira molhada introduzidas nas fendas da rocha. Os construtores só deviam dispor de martelos de pedra, e de serras de cobre, metal mole. Eis o que adensa o mistério. De que forma foram içadas e unidas pedras cortadas com dez mil quilos e mais de peso? No século xIx tivemos a maior dificuldade em transportar dois obeliscos que os Faraós transportavam às dúzias. De que forma é que os Egípcios se iluminavam dentro das pirâmides? Até 1890 só conhecemos as candeias com chama que se alonga e enegrece o tecto. Ora não se vislumbra nas paredes o menor vestígio de fumo. Captariam a luz solar fazendo-a penetrar por meio de um sistema óptico? Não foi encontrado o mais pequeno fragmento de lente.
Não se encontrou nenhum instrumento de cálculo científico, nenhum vestígio como testemunho de uma grande tecnologia. Das duas uma: ou temos de admitir a tese místico-primária: Deus dita informações astronómicas a obreiros obtusos mas aplicados e dá-lhes uma ajuda. Então há informações inscritas nas pirâmides. Os positivistas, à falta de argumentos, declaram que se trata de uma coincidência. Quando as coincidências são tão claramente exageradas, como diria Fort, como se lhes deve chamar? Ou temos de admitir que arquitectos e decoradores surrealistas, para satisfazerem a megalomania do seu rei, mandaram, segundo medidas que lhes passaram pela cabeça ao acaso da inspiração, extrair, transportar, decorar, erguer e ajustar perfeitamente os 2.600.000 blocos da grande pirâmide por empreiteiros que trabalhavam com pedaços de madeira e serras de cortar cartão atropelando-se uns aos outros.
As coisas datam de há cinco mil anos e nós ignoramos quase tudo. Mas o que sabemos é que as pesquisas foram feitas por pessoas para quem a civilização moderna é a única civilização técnica possível. Partindo deste critério, temos de imaginar que tiveram, ou o auxílio de Deus, ou um colossal e estranho trabalho de formigas. No entanto, é possível que um pensamento completamente diferente do nosso possa ter concebido técnicos tão aperfeiçoadas como as nossas, mas diferentes, instrumentos de medida e métodos de manipulação da matéria sem relação com os que nós conhecemos, e que não tenham deixado, a nossos olhos, nenhum vestígio aparente. Pode ser que uma ciência e uma tecnologia poderosas, que deram soluções diferentes das nossas aos problemas postos, tenham desaparecido totalmente com o mundo dos Faraós. É difícil acreditar que uma civilização possa morrer, extinguir-se. É ainda mais difícil acreditar que possa ter divergido da nossa a tal ponto que temos certa relutância em reconhecê-la como civilização. E no entanto!…
Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, a 8 de Maio de 1945, a Alemanha vencida começou imediatamente a ser percorrida por missões de investigação. Os relatórios dessas missões foram publicados. Só o catálogo contém 300 páginas. A Alemanha só se separou do resto do mundo a partir de 1933. Em doze anos, a evolução técnica do Reich tomou caminhos singularmente divergentes. Se os Alemães estavam em atraso no domínio da bomba atómica, puseram em estado de funcionar foguetões gigantescos sem equivalente na América ou na Rússia. Se ignoravam o radar, produziram detectores de raios infravermelhos, igualmente eficazes. Se não inventaram os silicones, desenvolveram uma química orgânica completamente nova, Para além destas diferenças radicais em matéria de técnica, diferenças filosóficas ainda mais espantosas… Tinham posto de lado a elatividade e abandonado em parte a teoria dos quantas. A sua cosmogonia teria deixado estupefactos os astrofísicos aliados: era a tese do gelo eterno, segundo a qual planetas e estrelas seriam blocos de gelo flutuando no espaço z. Se tais abismos se puderam formar em doze anos, no nosso mundo moderno, a despeito dos intercâmbios e comunicações, que pensar das civilizações tal como se puderam desenvolver no passado? Em que medida é que os nossos arqueólogos são qualificados para avaliar o estado das ciências, das técnicas, da filosofia, do conhecimento entre os Maias ou dos Khmers?
Não cairemos na armadilha das lendas: Lemúria ou Atlântida, Platão, no Critias, ao cantar as maravilhas da cidade desaparecida, e, antes dele, Homero, na Odisseia, ao evocar a fabulosa Scheriá, descrevem talvez Tartesso, a Tarshih bíblica de Jonas e objectivo da sua viagem. Na embocadura do Guadalquivir, Tartesso é a mais rica cidade mineira do Mundo e exprime a quinta-essência de uma civilização. Floresceu há não se sabe quantos séculos, depositária de uma sabedoria e de segredos. Por volta do ano 500 antes de Cristo sumiu-se completamente, não se sabe como nem porquê[1]. Pode ser que Numinor, misterioso centro celta do século v antes de Cristo, não seja uma lenda, mas nada sabemos. As civilizações de cuja existência passada estamos certos, e que desapareceram, são na verdade tão estranhas como a Lemúria. A civilização árabe de Córdova e de Granada inventa a ciência moderna, descobre a investigação experimental e as suas aplicações práticas, estuda a química e até a propulsão a reacção. Alguns manuscritos árabes do século xII apresentam esquemas de foguetões de bombardeamento. Se o império de Almançor estivesse tão avançado em biologia como nas outras técnicas, se a peste não se tivesse aliado aos espanhóis para o destruir, a revolução industrial talvez se tivesse dado no século xv e xvI na Andaluzia, e então o século xx seria uma era de aventureiros interplanetários árabes prontos a colonizar a Lua, Marte e Vénus.
O império de Hitler, o de Almançor desmoronaram-se no meio do fogo e do sangue. Uma bela manhã de Junho de 1940, o céu de Paris escureceu, o ar ficou carregado de vapores de gasolina, e sob aquela imensa nuvem que ensombrou os rostos alterados pelo espanto, o pavor, a vergonha, uma civilização vacila, milhares de seres fogem ao acaso pelas estradas metralhadas. Quem viveu esses momentos, e presenciou também o crepúsculo dos deuses do III Reich, pode imaginar o fim de Córdova e de Granada, e milhares de outros fins do mundo, no decorrer dos milenários. Fim do mundo para os Incas, fim do mundo para os Tolteques, fim do mundo para os Maias. Toda a história da Humanidade: um fim sem fim…
*
A ilha de Páscoa, a 3000 quilómetros ao largo da costa do Chile, é tão grande como Jersey. Quando o primeiro navegador europeu, um holandês, ali acostou, em 1722, julgou-a habitada por gigantes. Sobre aquela pequena superfície vulcânica da Polinésia erguem-se 593 imensas estátuas. Algumas têm mais de vinte metros de altura e pesam cinquenta toneladas. Quando foram erigidas? Como? Porquê? Julga-se poder distinguir, por meio do estudo desses misteriosos monumentos, três categorias de civilizações, cuja mais perfeita seria a mais antiga. Como no Egipto, os enormes blocos de tufo, de basalto, de lava são ajustados com prodigiosa habilidade. Mas a ilha é acidentada, e as poucas árvores enfezadas não podem servir de cilindros: como foram as pedras transportadas? E poder-se-á invocar uma mão-de-obra colossal? No século xIx, os pascoanos eram duzentos: três vezes menos numerosos que as suas estátuas. Jamais puderam ser mais de três ou quatro mil sobre essa ilha de terreno fértil e sem animais. Então?
Como em África, como na América do Sul, os primeiros missionários que desembarcaram em Páscoa tiveram o cuidado de fazer desaparecer todos os vestígios da civilização extinta. Na base das estátuas havia tabuinhas de madeira, cobertas de hieróglifos: foram queimadas ou enviadas para a biblioteca do Vaticano, onde repousam inúmeros segredos. Tratar-se-ia de destruir os vestígios de antigas superstições, ou de apagar os testemunhos de outro saber, A recordação da passagem pela Terra de outros seres? De visitantes vindos de algures?
Os primeiros europeus que exploraram Páscoa descobriram entre os pascoanos homens brancos e barbudos. De onde provinham? Descendentes de que raça várias vezes milenária, degenerada, hoje totalmente submersa? Pedaços de lendas falavam de uma raça de mestres, de docentes, vinda dos confins dos séculos, caída do céu.
O nosso amigo, o explorador e filósofo peruano Daniel Ruzo, parte em 1952 para estudar a planura desértica de Marcahuasi, a 3800 metros de altitude, a oeste da cordilheira dos Andes[2]. Essa planura sem vida, que só pode ser atingida a cavalo numa mula, mede três quilómetros quadrados. Ruzo descobre animais e rostos humanos esculpidos na rocha, e somente visíveis no solstício de Verão, por meio do jogo das luzes e das sombras. Ali encontra estátuas de animais da época secundária, como o estegossauro; leões, tartarugas, camelos, desconhecidos na América do Sul. Uma colina esculpida representa uma cabeça de velho.
O negativo da fotografia revela um jovem radiante. Visível no decorrer de que rito de iniciação? Datar a carbono 14 ainda não foi possível: nem o menor vestígio orgânico sobre Marcahuasi. Os indícios geológicos obrigam a regressar à noite dos tempos. Ruzo pensa que essa planura teria sido o berço da civilização Masma, talvez a mais antiga do Mundo.
Volta a encontrar-se a recordação do homem branco sobre outra fabulosa planura, Tiahuanaco, a 4000 metros. Quando os Incas conquistaram essa região do lago Titicaca, Tiahuanaco era já aquele campo de ruínas gigantescas, inexplicáveis, que nós conhecemos. Quando Pizarro ali chegou, em 1532, os Índios deram aos conquistadores o nome de Viracochas: senhores brancos. A sua tradição, já mais ou menos perdida, fala de uma raça de grandes senhores desaparecida, gigantesca e branca, vinda de algures, surgida dos espaços, de uma raça de Filhos do Sol. Ela reinava e ensinava há vários milénios. Desapareceu subitamente. E há-de voltar. Por toda a parte, na América do Sul, os europeus que se encarniçavam na conquista do ouro encontraram essa tradição e dela beneficiaram. O seu mais baixo desejo de conquista e de lucros foi auxiliado pela mais misteriosa e maior recordação.
A exploração moderna revela, sobre o continente americano, uma enorme profundidade de civilização. Cortês apercebe-se com assombro de que os Astecas são tão civilizados como os espanhóis. Hoje sabemos que eles viviam dos restos de uma cultura mais elevada, a dos Tolteques. Os Tolteques construíram os monumentos mais gigantescos da América. As pirâmides do Sol de Teotihuacão e de Cholula são duas vezes mais importantes do que o túmulo do rei Kéops. Mas os próprios Tolteques eram os descendentes de uma civilização ainda mais perfeita, a dos Maias, cujos restos foram descobertos nos matagais das Honduras, da Guatemala, do lucatão. Enterrada sob a desordem da natureza, revela-se uma civilização muito anterior à grega, mas superior a ela. Extinta quando e como? Duas vezes morta, em todo o caso, pois os missionários também ali se empenharam em destruir os manuscritos, quebrar as estátuas, fazer desaparecer os altares. Resumindo as investigações mais recentes sobre as civilizações desaparecidas, Raymond Cartier escreve:
“Em inúmeros domínios, a ciência dos Maias ultrapassou a dos gregos e dos romanos. Senhores de profundos conhecimentos matemáticos e astronómicos, desenvolveram até uma perfeição minuciosa a cronologia e a ciência do calendário. Construíam observatórios com cúpulas muito melhor orientados que o de Paris no século xvII, como o Caracol colocado sobre três terraços na sua capital de Chichen Itza. Eles utilizavam o ano sagrado de 260 dias, o ano solar de 365 dias e o ano venusiano de 584 dias. A duração exacta do ano solar hoje é fixada em 365,422 dias. Os Maias tinham calculado 365,2420 dias, ou seja, com uma diferença de decimal, o número a que nós chegámos após demorados cálculos. É possível que os egípcios tenham obtido a mesma aproximação, mas, para o admitir, é preciso acreditar nas discutidas concordâncias das Pirâmides, enquanto possuímos o calendário Maia.
“Na arte admirável dos mexicanos são visíveis outras analogias com o Egipto. As suas pinturas murais, os seus frescos, as partes laterais dos seus vasos mostram homens com o violento perfil semita em todas as tarefas da agricultura, da pesca, da construção, da política, da religião. Só o Egipto pintou esse labor com uma verdade tão cruel, mas os barros vidrados dos Maias fazem lembrar os Etruscos, os seus baixos-relevos a Índia e as grandes escadarias abruptas dos seus templos piramidais, Ankor. Se não receberam tais modelos do exterior, então os seus cérebros eram constituídos de tal maneira que passou pelas mesmas formas de expressão artística que todos os grandes povos antigos da Europa e da Ásia. Terá a civilização surgido numa região geográfica determinada e ter-se-á propagado pouco a pouco como um incêndio numa floresta? Ou terá aparecido espontânea e separadamente em diferentes regiões do globo? Terá existido um povo instrutor e povos alunos, ou vários povos autodidactas? Sementes isoladas ou um tronco único e estacas espalhadas um pouco por toda a parte?”
Não sabemos, e não possuímos qualquer explicação satisfatória sobre as origens de tais civilizações – nem o seu desaparecimento
Certas lendas bolivianas reunidas por Cynthia Fainl e que ascendem a mais de cinco mil anos, contam que as civilizações dessa época se teriam extinguido após um conflito com uma raça não humana, cujo sangue não era vermelho.
O “altiplano” da Bolívia e do Peru evoca outro planeta. Não é a Terra, é Marte. Ali a pressão do oxigénio é inferior à metade da que existe ao nível do mar, e no entanto encontram-se homens até uma altitude de 3500 metros. Eles têm mais dois litros de sangue do que nós, oito milhões de glóbulos vermelhos em vez de cinco, e o seu coração bate mais lentamente. O método de datar com radiocarbono revela uma presença humana há nove mil anos. Certas determinações recentes levam a pensar que os homens ali viveram há 30000 anos. Não se pode de forma alguma excluir a hipótese de que seres humanos que sabiam trabalhar metais, que possuíam observatórios e uma ciência, tenham edificado há 30 000 anos cidades gigantescas. Conduzidos por quem?
Certos trabalhos de irrigação efectuados pelos pré-Incas dificilmente seriam realizáveis com as nossas turbo-brocas eléctricas. E por que motivo homens que não utilizavam rodas terão construído estradas pavimentadas?
O arqueólogo americano Hyatt Verrill consagrou trinta anos à investigação das civilizações desaparecidas da América Central e da América do Sul. Na sua opinião, os grandes trabalhos dos homens antigos não foram realizados com utensílios para cortar a pedra, mas com uma pasta radioactiva que corrói o granito: uma espécie de gravura à escala das grandes pirâmides. Essa pasta radioactiva, legada por civilizações ainda mais antigas, pretendia Verrill tê-la visto nas mãos dos últimos feiticeiros. Num belo romance, The Bridge of Light, descreve ele uma cidade pré-Inca que se atinge por meio de uma “ponte de luz”, uma ponte de matéria ionizada, que aparece e desaparece à-vontade e permite transpor um desfiladeiro rochoso que de outra forma seria inacessível. Até aos últimos dias de vida (morreu com oitenta anos).
Verrill afirmou que o seu livro era muito mais do que uma lenda, e sua mulher, que morreu mais tarde, continuou a afirmá-lo.
Que significam as figuras de Nazca? Trata-se de linhas geométricas imensas traçadas na planície de Nazca, apenas visíveis de avião ou de balão, e que a exploração aeronáutica permitiu que fossem descobertas. O professor Mason, que não poderia ser suspeito de fantasista, como Verrill, perde-se em conjecturas. Terá sido necessário que os construtores fossem auxiliados por um engenho suspenso no espaço. Mason rejeita a hipótese e pensa que essas figuras foram colocadas a partir de um modelo reduzido ou de um esquema. Tendo em conta o nível da técnica dos pré-Incas admitido pela arqueologia clássica, torna-se ainda mais improvável. E qual seria a significação desse traçado? Religiosa? É o que sempre se diz, mais ou menos ao acaso. A explicação por meio da religião desconhecida, método corrente. Prefere supor-se toda a espécie de loucuras do espírito, mas não outros estados do conhecimento e da técnica. É uma questão de precedência: as luzes de hoje são as únicas luzes. As fotografias que possuímos da planície de Nazca fazem pensar irresistivelmente na balizagem de um terreno de aterragem. Filhos do Sol, vindos do céu… O professor Mason evita cuidadosamente referir-se a essas lendas e prefere inventar uma espécie de religião da trigonometria, da qual a história das crenças não nos dá, aliás, qualquer exemplo. E, no entanto, um pouco mais adiante, menciona a mitologia pré-Inca segundo a qual as estrelas são habitadas e os deuses desceram da constelação das Plêiades.
Não nos recusamos a admitir visitas de habitantes do exterior, civilizações atómicas desaparecidas sem quase deixar vestígios, etapas do conhecimento e da técnica comparáveis à etapa presente, vestígios de ciências submersas em diversas formas daquilo a que chamamos esoterismo, e realidades operativas naquilo que colocamos na categoria de práticas mágicas. Não afirmamos que acreditamos em tudo, mas mostraremos no próximo capítulo que o campo das ciências humanas é provavelmente muito mais vasto do que imaginámos. Integrando todos os factos, sem qualquer exclusão, e aceitando considerar todas as hipóteses sugeridas por esses factos, sem qualquer espécie de “a priorismo”, um Darwin, um Copérnico da antropologia criarão uma ciência completamente nova se ‘estabelecerem uma circulação constante entre a observação objectiva do passado e todos os segredos do conhecimento moderno em matéria de parapsicologia, de física, de química, de matemática. Talvez lhes pareça que a ideia de uma constante e lenta evolução da inteligência, de um sempre longo avançar do saber, não é uma ideia sólida mas um tabo que nós instituímos para nos supormos beneficiários, hoje, de toda a história humana. Qual o motivo por que as civilizações passadas não teriam conhecido súbitos clarões durante os quais a quase totalidade do conhecimento lhes teria sido revelada? Por que motivo aquilo que por vezes se produz numa vida de homem, a inspiração, a intuição fulgurante, a explosão do génio, não se teria produzido várias vezes na vida da humanidade? Não interpretamos nós as poucas recordações desses instantes de uma forma bastante falsa ao falar de mitologia, de lendas, de magia? Se me mostrarem uma fotografia não falsificada de um homem flutuando no espaço, não direi: é a representação do mito de Ícaro, mas direi: é o instantâneo de um salto ou de um mergulho. Qual o motivo por que não haveria estados instantâneos nas civilizações?
Vamos citar outros factos, efectuar outras aproximações, formular outras hipóteses ainda. Haverá sem dúvida muitos disparates no nosso livro, repetimo-lo, mas isso importa muito pouco se este livro suscitar algumas vocações e, em certa medida, preparar caminhos mais amplos à investigação. Não passamos de dois pobres quebradores de pedras: outros construirão a estrada.
1 Daniel Ruzo: La Culture Masma, Revista da Sociedade Etnográfica de Paris, 1956 e 1959.
2 Cynthia Fain: Bolivie, Ed. Arthaud, Paris
De há dez anos para cá, a exploração do passado foi facilitada pelos novos métodos baseados na radioactividade e pelo progresso da cosmologia. Daí ressaltam dois factos extraordinários[1].
1.o – A Terra seria contemporânea do Universo. Dataria portanto de há 4500 milhões de anos. Ter-se-ia formado ao mesmo tempo e talvez antes do Sol, por condensação das partículas a frio.
2.o – O homem tal como nós o conhecemos, o homo sapiens, só existiria há 75 000 anos. Esse período muito curto teria sido suficiente para passar do pré-hominiano ao homem.
Aqui, permitimo-nos fazer duas perguntas:
a) Durante esses 75 000 anos, a humanidade conheceu outras civilizações técnicas além da nossa? Em coro, os especialistas respondem-nos que não. Mas não é manifesto que eles saibam distinguir um instrumento de um objecto considerado de culto. Nesse domínio, a investigação nem sequer começou. No entanto, há problemas perturbantes. A maior parte dos paleontologistas consideram os eólitos (pedras descobertas em 1867 perto de Orleães) objectos naturais. Mas outros vêem neles a obra do homem. De que “homem”? Outro sem ser o homo sapiens. Encontraram-se outros objectos em Ipswich, no Norfolk: eles provariam a existência de “homens” terciários na Europa ocidental.
b) As experiências de Washburn e de Dice provam que a evolução do homem pode ter sido causada por modificações muito banais. Por exemplo, uma ligeira alteração dos ossos do crânio[2]. Uma única mutação, e não, como se supôs, uma conjunção complexa de mutações, teria bastado para passar do pré-hominiano ao homem.
Portanto, em 4500 milhões de anos, apenas uma mutação? É possível. Por que motivo seria certo? Não seria possível que tivessem havido vários ciclos de evolução antes desse ano de 75 000? Outras formas de humanidade, ou antes, outros seres pensantes podem ter surgido e desaparecido. Não teriam deixado, a nossos olhos, rastos visíveis, mas a sua recordação persistiria nas lendas. “O busto sobrevive à cidade”: a sua recordação poderia ter sobrevivido às centrais de energia, às máquinas, aos monumentos das suas civilizações extintas. É possível que a nossa memória remonte a uma época muito anterior à nossa existência, à própria existência da nossa espécie. Que registos infinitamente longínquos se dissimulam nos seus cromossomas e nos seus genes? “De onde te vem isto, alma do homem, de onde te vem isto?. . . ”
*
Em arqueologia tudo é diferente. A nossa civilização acelera as comunicações, e as observações feitas sobre o conjunto da superfície do globo, reunidas, confrontadas, põem em relevo grandes mistérios. Em Junho de 1958, o Instituto Smithson publica os resultados obtidos por americanos, índios e Russos[3]. Nas buscas efectuadas na Mongólia, Escandinávia, Ceilão, perto do lago Baikal e sobre o curso superior da ribeira Lena, na Sibéria, descobrem-se exactamente os mesmos objectos de ossos e pedras. Ora a técnica de fabricação desses objectos já não se encontra senão entre os Esquimós. O Instituto Smithson julga-se portanto no direito de concluir que há dez mil anos os Esquimós habitavam na Ásia central, Ceilão e Mongólia. Em seguida teriam emigrado bruscamente para a Gronelândia. Mas porquê? De que maneira puderam esses seres primitivos decidir bruscamente, e, todos ao mesmo tempo, trocar essas terras pelo mesmo ponto inóspito do globo? Aliás, como o puderam atingir? Ainda agora ignoram que a Terra é redonda e não têm a menor ideia do que é geografia. E abandonaram o Ceilão, paraíso terrestre? O Instituto não responde a estas perguntas. Nós não pretendemos impor a nossa hipótese e só a formulamos como exercício de amplificação do espírito: uma civilização superior, há dez mil anos, controla o globo. Ela cria no Grande Norte uma zona de deportação. Ora, que diz o folclore esquimó? Fala de tribos transportadas para o Grande Norte, na origem dos tempos, em gigantescos pássaros metálicos. Os arqueólogos do século xIx insistiram muito no contra-senso desses “pássaros metálicos”. E nós?
Ainda não foi feito qualquer trabalho comparável ao do Instituto Smithson a respeito de objectos mais bem definidos. Por exemplo, sobre as lentes. Foram encontradas lentes ópticas no Iraque e na Austrália Central. Serão provenientes da mesma origem, da mesma civilização? Não foi chamado a pronunciar-se qualquer óptico moderno. Todos os vidros de óptica, há cerca de vinte anos, na nossa civilização, são polidos por meio de óxido de cerium. Dentro de mil anos, a análise espectroscópica provará, por meio de análise feita a esses vidros, a existência de uma civilização única no globo. E será verdade.
De estudos neste género poderia nascer uma nova visão do mundo passado. Deus queira que o nosso livro superficial e mal documentado suscite em qualquer jovem ainda cândido a ideia de um trabalho louco que um dia lhe dará a chave das antigas causas.
Há outros factos:
Sobre vastas regiões do deserto de Gobi observam-se vitrificações do solo semelhantes às que as explosões atómicas
produzem.
Nas cavernas do Bohistão foram encontradas inscrições acompanhadas de mapas astronómicos representando as estrelas na posição que ocupavam há treze mil anos. Vénus está ligada à Terra por algumas linhas.
A meio do século xIx, um oficial de marinha turco, Piri Reis, oferece à Library of Congress um pacote de mapas que descobriu no Oriente. Os mais recentes datam de Cristóvão Colombo, os mais antigos do século I após Cristo, copiados uns pelos outros. Em 1952, Arlington H. Mallery, grande especialista em cartografia, examina esses documentos[4]. Apercebe-se de que, por exemplo, tudo o que existe no Mediterrâneo foi inscrito, mas não no devido lugar. Pensariam eles que a Terra é plana? A explicação não é suficiente. Terão organizado o seu mapa por projecção, tendo em conta a rotundidade da Terra? Impossível, geometria projectiva data de Monge. Em seguida Mallery confia o estudo a Walters, cartógrafo oficial, que transfere esses mapas para um globo terrestre moderno: estes são exactos, não apenas quanto ao Mediterrâneo, mas em relação a toda a Terra, incluindo as Américas e o Antárctico. Em 1955, Mallery e Walters submetem o seu trabalho à comissão do Ano Geográfico. A comissão confia os documentos ao padre jesuíta Daniel Linehan, director do Observatório de Weston e responsável pela cartografia da marinha americana. O padre constata que o relevo da América do Norte, a localização dos lagos e montanhas do Canadá, o traçado das costas, na extremidade norte do continente, e o relevo antárctico (coberto pelos gelos e dificilmente revelado pelos nossos instrumentos de medida) estão certos. Cópias de mapas mais antigos ainda? Traçados a partir de observações feitas a bordo de um engenho voador ou espacial? Notas tomadas por visitantes vindos do Exterior?
Seremos censurados por fazer estas perguntas? O Popul Vuh, livro sagrado dos Quichuas da América, fala de uma civilização infinitamente remota que conhecia as nebulosas e todo o sistema solar. “Os da primeira raça, segundo ali se lê, eram capazes de tudo saber. Examinavam os quatro pontos do horizonte, os quatro pontos da abóbada celeste e a superfície redonda da Terra”.
*
“Algumas dessas crenças e dessas lendas que a Antiguidade nos legou estão tão universalmente e tão profundamente enraizadas que adquirimos o hábito de as considerar quase tão velhas como a própria humanidade. Ora somos levados a investigar até que ponto a conformidade de várias dessas crenças e lendas é realmente produto do acaso, ou até que ponto poderia ser o reflexo da existência de uma antiga civilização, totalmente desconhecida e insuspeitada, e da qual todos os outros vestígios tivessem desaparecido.”
O homem que, em 1910, escrevia estas linhas não era nem um escritor de ficção científica, nem um vago ocultista. Era um dos pioneiros da ciência, o professor Frédéric Soddy, prémio Nobel, descobridor dos isótopos e das leis de transformação em radioactividade natural[5].
A Universidade de Oklahoma publicou em 1954 os anais das tribos índias da Guatemala, que datavam do século xvI. Narrativas fantásticas, aparições de seres lendários, costumes imaginários de deuses. Examinando-as mais cuidadosamente apercebemo-nos de que os índios cackchiquels não contavam histórias loucas: mencionavam à maneira deles os seus primeiros contactos com os invasores espanhóis. Estes últimos, no espírito dos “historiadores” cackchiquels, tomavam lugar ao lado dos seres pertencentes à sua própria mitologia e tradição. Desta forma o real era descrito sob um aspecto fabuloso, e é muito provável que textos considerados puramente folclóricos ou mitológicos se baseiem em factos reais mal interpretados e integrados noutros factos por sua vez imaginários.
A divisão não foi feita e uma literatura completa, várias vezes milenária, repousa nas nossas bibliotecas especializadas sobre as prateleiras destinadas às “lendas” sem que ninguém, nem por instantes, imagine que talvez ali se dissimulem crónicas iluminadas de acontecimentos verdadeiros.
O que nós sabemos da ciência e da técnica modernas deveria no entanto obrigar-nos a ler com espírito diferente essa literatura. O livro de Dzyan fala de “mestres de rosto fascinante” que abandonam a Terra, retirando os seus conhecimentos aos homens impuros e apagando por meio da desintegração os vestígios da sua passagem. Partem em carros voadores, impelidos pela luz, ao encontro do país “do ferro e do metal” a que pertencem.
Num recente estudo da Literatournaya Gazeta[6], o professor Agrest, que admite a hipótese de uma antiga visita de viajantes interplanetários, descobre, entre os primeiros textos introduzidos na Bíblia pelos sacerdotes judeus, a recordação de Seres vindos de algures, que, tal como Enoch, desapareciam para subir novamente ao céu em misteriosas arcas. As obras sagradas hindus, o Ramayana e o Maha Bhratra, descrevem as aeronaves que circularam no céu, no início dos tempos, e que se assemelhavam “a nuvens azuladas em forma de ovos ou, de globo luminoso”.
Podiam efectuar várias vezes a volta à Terra. Eram accionadas “por uma força etérea que fustiga o solo à partida”, ou “por uma vibração proveniente de uma força invisível”. Emitiam “sons agradáveis e melodiosos”, irradiavam “brilhando como fogo” e a sua trajectória não era em linha recta, mas surgia como “uma longa ondulação aproximando-as ou afastando-as da Terra”. A matéria desses engenhos é definida, nessas obras com mais de três mil anos e sem dúvida escritas à base de recordações infinitamente mais longínquas, como sendo formada por vários metais, uns brancos e leves, outros vermelhos.
No mausola Purva pode ler-se esta singular descrição, incompreensível para os etnólogos do século xIx, como é evidente,
mas não para nós:
“É uma arma desconhecida, um raio de ferro, gigantesco mensageiro da morte, que reduziu a cinzas todos os membros da raça dos “Vrishnis” e dos “Andhakas”. Os cadáveres queimados nem sequer eram reconhecíveis. Os cabelos e as unhas caíam, os barros quebravam sem causa aparente, os pássaros tornavam-se brancos. Ao fim de algumas horas toda a alimentação era malsã. O raio ficou reduzido a uma poeira fina.
E isto:
“Cukra, voando a bordo de um vimana de grande potência, lançou sobre a tríplice cidade um projéctil único carregado com a potência do Universo. Um fumo incandescente, semelhante a dez mil sóis, se elevou no seu esplendor… Quando o vimana aterrou apareceu como um magnífico bloco de antimónio pousado no solo…”
Objecção: se admitis a existência de civilizações tão fabulosamente avançadas, como explicais que as inúmeras buscas, feitas sobre todo o globo terrestre, não tenham trazido para a luz do dia um único resto de qualquer objecto susceptível de nos fazer acreditar nessa existência?
Respostas:
1.o – Há apenas um século que se pesquisa sistematicamente, e a nossa civilização atómica ainda não conta vinte anos. Não foi feita a menor exploração conscienciosa na Rússia do Sul, na China, na África Central ou na África do Sul. Extensões imensas continuam a guardar o seu passado secreto.
2.o – Foi necessário que um engenheiro alemão, Wilhelm Kónig, ao visitar por acaso o museu de Bagdade, se apercebesse de que certas pedras planas, encontradas no Iraque, e como tal classificadas, eram afinal pilhas eléctricas, utilizadas dois mil anos antes de Galvani. Os museus de arqueologia regurgitam de objectos classificados como “objectos de culto” ou “diversos” sobre os quais nada se sabe. Os russos descobriram recentemente em cavernas do Gobi e do Turquestão meias esferas de cerâmica ou vidro, terminadas por um cone com uma gota de mercúrio. De que se trata? Finalmente, poucos arqueólogos têm conhecimentos científicos ou técnicos. Muito menos ainda estão em condições de se aperceber de que um problema técnico pode ser resolvido de várias maneiras, e de que há máquinas que não se parecem com aquilo a que nós chamamos máquinas: sem biela, sem manivela, sem rodagem. Algumas linhas traçadas com uma tinta especial sobre papel preparado constituem um receptor de ondas electromagnéticas. Um simples tubo de cobre serve de ressoador quando da produção de ondas de radar. Um diamante é um detector sensível à radiação nuclear e cósmica. Certos cristais podem conter gravações complexas. Será caso que estejam encerradas bibliotecas completas em pequenas pedras esculpidas. Se, dentro de mil anos, depois de a nossa civilização se ter extinguido, os arqueólogos descobrissem fitas magnéticas, por exemplo, que fariam delas? E de que maneira se aperceberiam da diferença entre uma fita virgem e uma fita gravada?
Actualmente estamos prestes a descobrir os segredos da antimatéria e da antigravitação. Amanhã, o manejo desse segredos exigirá uma aparelhagem pesada, ou, pelo contrário, de uma desconcertante leveza? Ao desenvolver-se, a técnica não complica, simplifica, reduz o equipamento até o tornar quase invisível. No seu livro Nlagie Chaldéenne, Lenormand, referindo-se a uma lenda que recorda o mito de Orfeu, escrevia: “Nos tempos antigos, os sacerdotes de On, servindo-se de sons, provocavam tempestades e erguiam no ar, para construir os seus templos, pedras que não poderiam ser levantadas por mil homens”. E Walter Owen: “As vibrações sonoras são forças. . . A criação cósmica é mantida por vibrações que poderiam igualmente interrompê-la.” Esta teoria não se afasta muito das concepções modernas. Amanhã será fantástico: todos o sabem. Mal talvez o seja duplamente, tirando-nos a ideia de que ontem era banal.
*
Nós temos da Tradição, isto é, do conjunto dos textos mais antigos da humanidade, uma concepção muito literária, religiosa,
filosófica. E se se tratasse de imemoriais recordações, consignadas por pessoas já muito afastadas do tempo em que se desenrolavam os acontecimentos, transpondo, fantasiando? Imemoriais recordações de civilizações técnica e cientificamente tão avançadas como a nossa, se não infinitamente mais? Que diz a Tradição, vista sob este aspecto?
Em primeiro lugar, que a ciência é perigosa. Esta ideia podia surpreender um homem do século xIx. Sabemos agora que bastaram duas bombas sobre Nagasaki e Hiroshima para matar 300 000 pessoas, que aliás essas bombas já estão ultrapassadas, e que um projéctil de cobalto de quinhentas mil toneladas poderia acabar com a vida sobre a maior parte do Mundo.
Em seguida, que pode haver contacto com seres não terrestres. Contra-senso para o século xix, mas não para nós. Já não é impensável que existam universos paralelos ao nosso, com os quais se poderia estabelecer comunicação[7]. Os radio-telescópios captam ondas emitidas há dez biliões de anos-luz, moduladas de tal forma que se assemelham a mensagens. O astrónomo John Krauss, da Universidade de Ohio, afirma ter captado, a 2 de Junho de 1956, sinais provenientes de Vénus. Outros sinais, provenientes de Júpiter, teriam sido recebidos no Instituto de Princeton.
Finalmente a Tradição assegura que tudo o que se passou, desde o início dos tempos, foi gravado na matéria, no espaço, nas energias, e pode ser revelado. É exactamente o que diz um grande sábio como Bowen na sua obra A Exploração do Tempo, e é um pensamento de que hoje participa a maior parte dos investigadores.
Nova objecção: uma elevada civilização técnica e científica não desaparece inteiramente, não se extingue completamente.
Resposta: “Nós, as civilizações, sabemos agora que somos mortais.” São justamente as técnicas mais evoluídas que se arriscam a provocar o desaparecimento total da civilização de que brotaram. Imaginemos a nossa própria civilização num futuro próximo. Todas as centrais de energia, todas as armas, todos os emissores e receptores de telecomunicações, todos os aparelhos de electricidade e de nucleónica, enfim, todos os instrumentos tecnológicos se baseiam no mesmo princípio de produção de energia. Após qualquer reacção em cadeia, todos esses instrumentos, gigantescos ou de algibeira, explodem. Todo o potencial material e a maior parte do potencial humano de uma civilização desaparece. Só restam as coisas que não testemunham essa civilização, e os homens que viviam mais ou menos afastados dela. Os sobreviventes tornam a cair na simplicidade. Só restam recordações, consignadas desajeitadamente após a catástrofe: narrativas de aparência lendária, mítica, onde se sente o tema da expulsão de um paraíso terrestre e o sentimento de que há grandes perigos, grandes segredos escondidos no seio da matéria. Tudo recomeça a partir do Apocalipse: “A Lua adquiriu um aspecto sangrento e os céus fecharam-se como um rolo de pergaminho…”
*
Em 1946, as patrulhas do governo australiano, ao aventurarem-se nas altas regiões incontroláveis da Nova Guiné, ali encontraram tribos agitadas por um grande vento de excitação religiosa: acabava de nascer o culto do “cargo”. O “cargo” é um termo inglês que designa as mercadorias comerciais destinadas aos indígenas: latas de conserva, garrafas de álcool, candeeiros de parafina, etc. Para esses homens ainda na idade da pedra o súbito contacto com semelhantes riquezas não podia deixar de ser profundamente perturbante. Seria caso que os homens brancos pudessem ter fabricado tais riquezas? Impossível. Os Brancos que se vêem é evidente que são incapazes de construir com as próprias mãos um objecto maravilhoso. Sejamos positivos, era mais ou menos o que pensavam os indígenas da Nova Guiné: já alguma vez se viu um homem branco fabricar fosse o que fosse? Não, mas os Brancos dedicam-se a tarefas muito misteriosas: vestem-se todos da mesma maneira. Por vezes sentam-se diante de uma caixa de metal sobre a qual há mostradores e escutam ruídos estranhos que de lá saem. Fazem sinais sobre folhas em branco. Trata-se de ritos mágicos, graças aos quais obtêm dos deuses que estes lhes enviem “o cargo”. Os indígenas resolveram então copiar esses “ritos”: experimentaram vestir-se à europeia, falaram para dentro de latas de conserva, espetaram troncos de bambu sobre as suas choupanas, a imitarem antenas. E construiram falsas pistas de aterragem, na expectativa do “cargo”.
Ora bem. E se os nossos antepassados tivessem interpretado desta forma os seus contactos com as civilizações superiores? Restar-nos-ia a Tradição, quer dizer, o ensinamento de “ritos” que na realidade eram formas muito legítimas de agir em função de conhecimentos diferentes. Teríamos imitado infantilmente atitudes, gestos, manipulações, sem os compreender, sem os relacionar com uma realidade complexa que nos escapava, na expectativa de que esses gestos, essas atitudes, essas manipulações nos trouxessem qualquer coisa. Qualquer coisa que não vem: um maná “celestial”, na verdade conduzido por vias que a nossa imaginação não podia conceber. É mais fácil cair no ritual do que atingir o conhecimento, mais fácil inventar deuses do que compreender técnicas. Posto isto, acrescento que nem Bergier nem eu próprio pretendemos reduzir todo o impulso espiritual a uma ignorância material. Pelo contrário. Para nós, a vida espiritual existe. Se Deus ultrapassa a realidade, encontraremos Deus quando conhecermos toda a realidade. E se o homem tem poderes que lhe permitem compreender todo o Universo, Deus é talvez o Universo todo, mais qualquer outra coisa.
Mas continuemos o nosso exercício de desenvolvimento espiritual: se aquilo a que chamamos esoterismo não passasse, de facto, de um exoterismo? Se os mais antigos textos da humanidade, a nossos olhos sagrados, não passassem de traduções adulteradas, de divulgações sem autoridade, de relatos em terceira mão, das recordações um pouco falseadas de realidades técnicas? Nós interpretamos esses velhos textos sagrados como se realmente fossem a expressão de “verdades” espirituais, de símbolos filosóficos, de imagens religiosas. É que, ao lê-los, só recorremos a nós próprios, homens ocupados pelo nosso pequeno mistério interior: gosto do bem e faço o mal, vivo e vou morrer, etc. Eles dirigem-se a nós: esses engenhos, esses raios, esses manás, esses apocalipses são representações do mundo do nosso espírito e da nossa alma. É a mim que falam, a mim; para mim… E se se tratasse de longínquas recordações deformadas de outros mundos que existiram, da passagem por esta terra de outros seres que procuravam, que sabiam, que trabalhavam?
Imaginai uma época muito remota em que as mensagens provenientes de outras inteligências do Universo eram captadas e interpretadas, em que os visitantes interplanetários tinham instalado uma rede sobre a Terra, onde fora estabelecido um tráfico cósmico. Imaginai que ainda existe em qualquer santuário notas, diagramas, relatórios, decifrados com dificuldade, no decorrer dos milenários, por monges detentores dos segredos antigos, mas de forma nenhuma qualificados para compreender esses segredos na sua totalidade, que não cessaram de interpretar, de extrapolar. Exactamente como seriam capazes de fazer os feiticeiros da Nova Guiné ao tentarem compreender uma folha de papel sobre a qual estivessem inscritos os horários dos aviões entre Nova Iorque e São Francisco. Por fim, tendes o livro de Gurdjieff: Narrações de Belzebu a seu Neto, cheio de referências a conceitos desconhecidos, a uma linguagem inverosímil. Gurdjieff diz que teve acesso a “fontes”. Fontes que não passam de desvios. Faz uma tradução em milésima mão, acrescentando-lhe ideias pessoais, edificando uma simbólica do psiquismo humano: eis o esoterismo.
Um prospecto-guia das linhas internas de aviação dos U.S.A.: “Pode marcar o seu lugar em qualquer parte. Esse pedido de marcação é registado por um autómato electrónico. Outro autómato marca o lugar no avião que você deseja. O bilhete que lhe for entregue será perfurado conforme, etc.” Imaginai o que isto daria à milésima tradução em dialecto amazónico, feita por pessoas que nunca tivessem visto um avião e que ignorassem o que seja um autómato, bem como o nome das cidades citadas no guia. E agora: imaginai o esoterista perante esse texto, remontando às origens da sabedoria antiga e procurando um nsinamento para a conduta da alma humana…
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Se existiram, na noite dos tempos, civilizações edificadas sobre um sistema de conhecimentos, também houve manuais. As catedrais seriam manuais do conhecimento alquímico. Não está posto de parte que alguns desses manuais, ou fragmentos, tenham sido novamente descobertos, piedosamente conservados e indefinidamente recopiados por monges cuja tarefa era mais salvaguardar do que compreender. Indefinidamente recopiados, fantasiados, transpostos, interpretados, mas em função do limitado saber da época seguinte. Mas, no fim de contas, todo o real conhecimento técnico, científico, levado ao extremo, conduz a um conhecimento profundo da natureza do espírito, dos recursos do psiquismo, leva a um estado superior de consciência. Se, a partir dos textos “esotéricos” – mesmo que não sejam senão aquilo que aqui dizemos -, alguns homens puderam ascender a esse estado superior de consciência, de certa maneira restabeleceram contacto com o esplendor das civilizações extintas. Também não está excluído que haja duas espécies de “textos sagrados”: fragmentos de testemunhos de um antigo conhecimento técnico, e fragmentos de livros puramente religiosos, inspirados por Deus. Ambos se confundiriam, à falta de referências que permitissem distingui-los. E, na verdade, tanto num caso como noutro, trata-se de textos igualmente sagrados.
Sagrada é a aventura indefinidamente recomeçada, e no entanto indefinidamente progressiva, da inteligência sobre a Terra. E sagrado é o olhar que Deus lança sobre essa aventura, o olhar sob o qual se encontra suspensa essa aventura.
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Permitem que terminemos este estudo, ou antes, este exercício, com uma história? É uma narrativa de um jovem escritor americano, Walter M. Miller. Quando a descobrimos, Bergier e eu, sentimos uma profunda alegria.
Oxalá os nossos leitores tenham a mesma sensação!
1 Doutor Bowen: The exploration of time, Londres, 1958.
2 Para provar a legitimidade da sua tese, Washburn modificou o crânio dos ratos fazendo-o passar de uma forma “neandertalóide” à forma “moderna”.
3 New York Herald Tribune, 11 de Junho de 1958.
4 Todo este assunto foi examinado no decorrer de um debate organizado na Georgetown University em Dezembro de 1958. Ver o estudo de Ivan T. Sanderson, em Fantastic Universe, Janeiro de 1959.
5 Professor em Oxford, membro da Real Sociedade de Londres. Estas, linhas são extraídas da sua obra Le Radium, traduzida por Adolphe Lepage, chefe do laboratório de Químico-Física do Instituto de Hidrologia e de Climatologia de Paris.
6 1959.
7 Esta ideia da existência de Universos paralelos ao Universo visível encontra-se constantemente na investigação contemporânea. Ver, por exemplo a revista Indústrias Atómicas, n.” 1, 1958, pág. 17, artigo de E.C.G. Stuckuelberg.
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