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Uma Nova Instituição (Despertar dos Mágicos)

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Excerto de o Despertar dos Mágicos de Louis Pauwels e Jacques Bergier

Quando saí da cave, Juvisy, a cidade da minha infância tinha desaparecido. Uma espessa bruma amarelada recobria um mar de caliça de onde saíam apelos e gemidos. O mundo dos meus jogos, das minhas amizades, dos meus amores e a maior parte das testemunhas do início da minha vida jaziam sob esse vasto campo lunar. Um pouco mais tarde, quando os socorros se organizaram, os pássaros, enganados pelos projectores, regressaram e, supondo que era dia, começaram a cantar nas moitas
cobertas de poeira.

Outra recordação: numa manhã de Verão, três dias antes da Libertação, encontrava-me eu, com dez camaradas, numa casa particular próximo do bosque de Bolonha. Vindos de diversos acampamentos de juventude bruscamente abandonados, o acaso reuniu-nos naquela última “escola de quadros” onde continuavam a ensinar-nos, imperturbavelmente, enquanto o mundo se desmoronava no meio do estrondo das armas e dos grilhões, a arte de fabricar “marionnettes”, de representar comédias e de cantar. Naquela manhã, de pé no “hall” de um falso gótico, sob a orientação de um romântico chefe de coro, cantávamos a três vozes uma canção folclórica: “Dêem-me água, dêem-me água, água, água para os meus dois cântaros…” O telefone interrompeu-nos. Alguns minutos depois, o nosso professor de canto fazia-nos entrar para uma garagem. Outros rapazes, de pistola em punho, vigiavam as entradas. Entre os velhos automóveis e os barris de óleo jaziam alguns jovens, crivados de balas, acabados de matar à granada: era o grupo de resistentes torturados pelos alemães na Cascata do Bosque. Tinham conseguido reaver os corpos. Encomendaram-se caixões. Partiram estafetas para prevenir as famílias. Era necessário lavar os cadáveres, limpar as poças de sangue, abotoar os casacos e as calças abertas pelas granadas, cobrir de papel branco e deitar dentro das suas caixas aqueles assassinados cujos olhos, as bocas e as feridas gritavam de pavor, dar àqueles rostos, àqueles corpos, uma aparência de morte decente; e naquele odor de matadouro, de esponja ou escova na mão, nós dávamos água, água, água… Pierre Mac Orlan, antes dessa guerra, viajava em busca do “fantástico social” que encontrava no pitoresco dos grandes portos: tabernas de Hamburgo sob a chuva, cais do Tamisa, fauna de Antuérpia. Requinte encantador! Mas já fora de uso. O fantástico deixou de ser uma ocupação de artista para se tornar, no meio do fogo e do sangue, a experiência vivida pelo mundo civilizado. O marroquineiro da nossa rua apareceu uma manhã estendido à porta de casa, com uma estrela amarela sobre o coração. O filho da porteira recebia mensagens de Londres em estilo surrealista e usava invisíveis galões de capitão. Uma secreta guerra de partidos colocava subitamente sujeitos enforcados nas varandas da aldeia. Vários universos, violentamente diferentes, se sobrepunham; uma aragem do acaso nos fazia passar de um para outro.

Bergier conta-me

“No campo Mauthausen usávamos a menção N. N., noite e nevoeiro. Nenhum de nós pensava sobreviver. A 5 de Maio de 1945, quando o primeiro “jeep” americano galgou a colina, um deportado russo, responsável pela luta anti-religiosa na Ucrânia que estava deitado ao meu lado, ergueu-se sobre um cotovelo e exclamou: “Deus seja louvado!”

“Todos os homens válidos foram repatriados em fortaleza voadora, e foi por isso que me encontrei, na madrugada de 19, no aeródromo de Heinz, na Áustria. O avião vinha da Birmânia. “É uma guerra mundial, não é verdade?”, disse-me o radiotelegrafista. Transmitiu a meu pedido uma mensagem para o quartel-general aliado de Reims, depois mostrou-me o equipamento de radar. Havia toda a espécie de aparelhos cuja realização eu julgara impossível antes do ano 2000. Em Mauthausen, os médicos americanos tinham-me falado da penicilina. Em dois anos, as ciências tinham avançado um século. Tive uma ideia louca: “E a energia atómica? – Falam nisso, respondeu-me o radiotelegrafista. É bastante secreto, mas correm boatos…”

“Algumas horas depois encontrava-me no boulevar de Madeleine, com o meu fato de riscas. Seria Paris? Seria um sonho? Estava rodeado por pessoas, faziam-me perguntas. Refugiei-me no metropolitano e telefonei a meus pais: “Esperem um momento já aí vou.” Mas voltei a sair. Era mais importante que tudo. Em primeiro lugar precisava de encontrar o meu local favorito de antes da guerra: a livraria americana Brentano’s, na avenida da Ópera: Fiz uma entrada notável. Todos os jornais, todas as revistas, às braçadas… Sentado num banco das Tulherias, tentei reconciliar o universo presente com aquele que tinha conhecido. Mussolini fora pendurado num gancho. Hitler suicidara-se. Havia tropas alemãs na ilha de Oléron e nos portos do Atlântico. Então a guerra em França não terminara? As revistas técnicas eram perturbantes. A penicilina, que era o triunfo de sir Alexander Fleming, seria então uma coisa séria? Uma nova química surgira, a dos silicones, corpos intermédios entre o orgânico e o mineral.

O helicóptero, cuja impossibilidade fora demonstrada em 1940, era construído em série. A electrónica acabava de fazer progressos fantásticos. A televisão em breve estaria tão difundida como o telefone. Desembarquei num mundo edificado pelos meus sonhos sobre o ano 2000. Vários textos eram-me incompreensíveis. Quem era esse marechal Tito? E essas Nações Unidas?
E esse D. D. T.?

“Bruscamente, comecei a compreender, em carne e espírito, que já não era nem prisioneiro, nem condenado à morte, e que tinha todo o tempo e toda a liberdade para compreender e para agir. Tinha, em primeiro lugar, toda aquela noite, se assim o desejasse… Devo ter ficado muito pálido. Uma mulher dirigiu-se-me e pretendeu levar-me a um médico. Fugi, corri para casa de meus pais, que encontrei lavados em lágrimas. Sobre a mesa da sala de jantar havia envelopes trazidos por ciclistas, telegramas militares e civis. Lião ia dar o meu nome a uma rua, era nomeado capitão, condecorado por diversos países, e uma expedição americana em busca de armas secretas na Alemanha pedia o meu auxílio. Por volta da meia-noite, meu pai obrigou-me a ir para a cama. No momento de adormecer, a minha memória foi inexplicavelmente assaltada por duas palavras latinas: magna, mater. No dia seguinte de manhã, ao acordar, encontrei-as de novo e compreendi-lhes o sentido. Na antiga Roma os candidatos ao culto secreto da magna mater tinham de passar através de um banho de sangue. Se sobreviviam, nasciam uma segunda vez.”

*

Naquela guerra, todas as portas de comunicação entre todos os mundos se abriram. Uma formidável corrente de ar. Depois a bomba atómica projectou-nos na era atómica. No momento a seguir, os foguetões anunciavam-nos a era cósmica. Tudo se tornava possível. As barreiras da incredulidade, tão fortes no século xIx, acabavam de ser violentamente sacudidas pela guerra. Agora, desmoronavam-se por completo.

Em Março de 1954, o senhor Ch. Wilson, secretário americano do Ministério da Guerra, declarava: “Os U.S.A., assim como a Rússia, possuem daqui para o futuro o poder de destruir o Mundo inteiro”. A ideia do final dos tempos penetrava nas consciências. Separado do passado, receoso do futuro, o homem descobria o presente como um valor absoluto, essa pequena fronteira como uma eternidade recuperada. Viajantes do desespero, da solidão e do eterno partiam em jangadas pelos mares fora, Noés experimentais, pioneiros do próximo dilúvio, alimentando-se de “plancton” e de peixes alados. Ao mesmo tempo afluíam em todos os países testemunhos sobre a aparição de discos voadores. O céu povoava-se de inteligências exteriores. Um modesto comerciante de sandes, chamado Adamsky, que tinha uma loja por baixo do grande telescópio do monte Palomar, na Califórnia, nomeia-se professor, declara que os venusianos o visitaram, conta as conversas trocadas num livro que obteve um dos maiores êxitos de venda do após-guerra e transforma-se no Rasputine da corte da Holanda. Num mundo igualmente visitado pelo trágico e pelo estranho, podemos perguntar a nós próprios como são feitas as pessoas que não têm fé e que também se não querem divertir.

*

Quando lhe falavam no fim do Mundo, Chesterton replicava: “Porque me hei-de preocupar? O fim do Mundo já se deu várias vezes”. Há um milhão de anos que os homens habitam a Terra, e sem dúvida sofreram mais de um apocalipse. A inteligência extinguiu-se e reacendeu-se diversas vezes. Um homem que se vê caminhar ao longe na noite, com uma lanterna na mão, é alternadamente sombra e fogo. Tudo nos incita a pensar que o fim do Mundo se deu mais uma vez e que fazemos agora uma nova aprendizagem da existência inteligente num mundo novo: o mundo das grandes massas humanas, da energia nuclear, do cérebro electrónico e dos foguetões interplanetários. Talvez precisássemos de uma alma e de um espírito diferentes para esta Terra diferente.

A 16 de Setembro de 1959, às 22 h. e 2 m., todos os rádios de todos os países anunciaram que pela primeira vez um foguetão lançado da Terra acabava de pousar sobre a Lua. Eu escutava o Rádio Luxemburgo. O locutor deu a notícia e continuou para apresentar a emissão de variedades transmitida todos os domingos àquela hora e que se intitula “Porta Aberta…” Saí para o jardim para contemplar a Lua brilhante, o Mar de Serenidade sobre o qual repousavam desde há segundos os destroços do foguetão. O jardineiro também estava no jardim. “É tão belo como os Evangelhos, senhor…” Ele concedia espontaneamente a verdadeira grandeza ao facto, colocava o acontecimento na sua dimensão. Sentia-me verdadeiramente próximo desse homem, de todos os homens simples que erguiam o rosto para o céu, naquele minuto, cheios de assombro, de uma imensa e confusa emoção. “Feliz do homem que perde a cabeça, recuperá-la-á no céu!” E ao mesmo tempo sentia-se extraordinariamente longe das pessoas do meu meio, de todos esses escritores, filósofos e artistas que se recusam a tais entusiasmos sob o pretexto de lucidez e de defesa do humanismo. O meu amigo Jean Dutourd, por exemplo notável escritor apaixonado por Stendhal, dissera-me alguns dias antes: “Continuemos sobre a Terra, não nos deixemos distrair com esses comboios eléctricos para adultos”. Outro amigo muito caro, Jean Giono, que eu fora visitar a Manosque, na Provença, contara-me que, ao passar por Colmar-les-Alpes, num domingo de manhã, vira o capitão do quartel e o padre a fazerem uma troca de amabilidades no átrio da igreja. “Enquanto houver padres e capitães de quartéis que troquem amabilidades, haverá lugar neste mundo para a felicidade e estaremos melhor aqui do que na Lua…” Pois é verdade, todos os meus amigos eram burgueses atrasados num mundo onde os homens, solicitados por imensos projectos à escala do cosmos, principiam a sentir-se obreiros da Terra. “Fiquemos sobre a Terra!”, diziam eles. Reagiam como os operários das fábricas de seda de Lião quando se descobriu a tecelagem: receavam perder o emprego. Na era que iniciamos, os meus amigos escritores sentem que as perspectivas sociais, morais, políticas e filosóficas da literatura humanista, ou do romance psicológico, em breve aparecerão como insignificantes. O grande efeito da literatura dita moderna é impedir-nos de ser realmente modernos. Bem se podem convencer de que escrevem “para toda a gente”. Sentem que está próximo o tempo em que o espírito das massas será atraído por grandes mitos, pelo projecto de formidáveis aventuras, e em que, continuando a escrever as suas pequenas histórias “humanas”, desiludirão as pessoas com acontecimentos falsos em vez de lhes contarem fantasias verdadeiras.

*

Nessa noite de 16 de Setembro de1959, quando desci ao jardim e contemplei, com os meus olhos de homem maduro fatigados e ávidos, a Lua no céu profundo, portadora doravante do rasto humano, a minha emoção duplicou, pois pensava em outrora, todas as noites, no seu miserável jardinzinho dos arredores. E, como ele, achei-me a formular a mais vasta das perguntas: “Homens deste mundo, seremos nós os únicos seres vivos?” Meu pai fazia esta pergunta porque possuía uma grande alma, e também porque lera obras de um espiritualismo duvidoso, e fabulações primárias. Eu formulava-a, lendo a Pravada e estrelas, de rosto erguido, uni-me a ele na mesma curiosidade que acompanha uma infinita dilatação do espírito. Evoquei há pouco o aparecimento do mito dos discos voadores. É um facto social significativo. É evidente, porém, que não se pode dar crédito a essas astronaves de onde desembarcam homenzinhos que vão discutir com guarda-barreiras ou comerciantes de sandes. Marcianos, Saturnianos ou Jupterianos são improváveis. Mas, resumindo o total dos conhecimentos reais sobre a questão o nosso amigo Charles-Nóel Martin escreve: “A multiplicidade dos planetas habitáveis nas galáxias, e na nossa em particular, conduz a uma quase certeza de haver formas de vida excessivamente numerosas”. Sobre todo o planeta de qualquer outro sol, mesmo as centenas de anos-luz da Terra, se a massa e a atmosfera são idênticas, devem existir seres à nossa semelhança. Ora o cálculo demonstra que podem existir, apenas na nossa galáxia, dez a quinze milhões de planetas mais ou menos comparáveis à Terra. Harlow Shapley, no seu trabalho Homens e Estrelas, conta no Universo conhecido cem milhões de irmãs prováveis da nossa Terra. Tudo nos leva a crer que outros mundos são habitados, que outros seres povoam o Universo. No fim do ano de 1959 foram instalados laboratórios na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. Sob a direcção dos professores, Coccioni e Morrisson, pioneiros das grandes comunicações, ali se procuram os sinais que possivelmente nos dirigem outros seres vivos nos cosmos.

Mais do que a chegada de foguetões sobre os astros próximos, o contacto dos homens com outras inteligências, e talvez com outros psiquismos, poderia ser o acontecimento mais perturbante de toda a nossa história.

Se existem outras inteligências, algures, saberão elas da existência? Captarão e seguirão o eco longínquo das ondas de rádio e televisão que nós emitimos? Verão elas, com o auxílio de aparelhos, as perturbações produzidas sobre o nosso Sol pelos planetas gigantes Júpiter e Saturno? Enviarão elas engenhos em direcção à nossa galáxia? O nosso sistema solar pôde ser atravessado inúmeras vezes por foguetões observadores sem que tivéssemos tido a menor percepção do facto. Já nem sequer conseguimos, na hora a que escrevo, detectar o nosso Lunik III, cujo aparelho emissor está avariado. Ignoramos aquilo que se passa nos nossos próprios domínios.

Teremos já sido visitados por seres habitantes do Algures? É muito provável que alguns planetas tenham recebido visitas. Porquê particularmente a Terra? Há biliões de astros espalhados pelo campo dos anos-luz. Seremos nós os mais próximos? Todavia, é lícito imaginar que “grandes estranhos” podem ter vindo contemplar o nosso globo, talvez pousar nele, habitá-lo durante um tempo. A vida está presente sobre a Terra pelo menos há um bilião de anos. O homem apareceu há mais de um milhão de anos, e as nossas recordações datam apenas de há quatro mil anos. Que sabemos nós? Talvez os monstros pré-históricos tenham erguido o seu longo pescoço à passagem de astronaves mas perdeu-se o rasto de tão fabuloso acontecimento…

O doutor Ralph Stair, do N.B.S. americano, ao analisar estranhas rochas hialianas na região do Líbano, as tectites, admite que estas poderiam ser provenientes de um planeta desaparecido, situado outrora entre Marte e Júpiter. Na composição das tectites descobriram-se isótopos radioactivos de alumínio e berílio. Vários sábios dignos de crédito supõem que o satélite de Marte, Phobos, seria oco. Tratar-se-ia de um esteróide artificial colocado em órbita por Marte, por inteligências exteriores à Terra. Tal era a conclusão de um artigo da honesta revista Discovery, de Novembro de 1959. Tal é também a hipótese do professor soviético Chtlovski, especialista de radioastronomia.

Num retumbante estudo da Gazeta Literária, de Moscovo, de Fevereiro de 1960, o professor Agrest, professor de ciências físico-matemáticas, declarava que as tectites, que só se poderiam ter formado em condições de temperatura muito elevada e de radiações nucleares potentes, talvez sejam vestígios da aterragem de projécteis-sondas vindos do cosmos. Há um milhão de anos teriam vindo visitantes. Para o professor Agrest (que não hesita, nesse estudo, em propor tão fabulosas hipóteses, mostrando desta forma que a ciência, no quadro de uma filosofia, podia e devia abrir-se tão amplamente quanto possível à imaginação criadora, às suposições audaciosas), a destruição de Sodoma e Gomorra teria resultado de uma explosão termonuclear provocada por viajantes do espaço, quer voluntariamente, quer devido a uma destruição necessária dos seus depósitos de energia antes da sua partida para o Cosmos. Lê-se a seguinte descrição nos manuscritos do Mar Morto:

“Uma coluna de fumo e de poeira se elevou, semelhante a uma coluna de fumo que tivesse vindo do coração da Terra. Derramou uma chuva de enxofre e de fogo sobre Sodoma e Gomorra e destruiu a cidade, a planície inteira, todos os habitantes e a vegetação. E a mulher de Loth voltou-se e ficou transformada em estátua de sal. E Loth viveu em Isoar, depois instalou-se as
montanhas, porque tinha medo de continuar em Isoar. “As pessoas foram prevenidas para que abandonassem os locais da futura explosão, que não se demorassem nos sítios descobertos, que não contemplassem a explosão e se escondessem debaixo da terra… Os fugitivos que se voltaram ficaram cegos e morreram”

Nessa mesma região do anti-Líbano, um dos mais misteriosos monumentos é o “terraço de ßaalbeck”. Trata-se de uma plataforma
com blocos de pedra dos quais alguns medem mais de vinte metros de lado e pesam duas mil toneladas. Nunca foi possível explicar porquê, como, ou por quem essa plataforma foi construída. Para o professor Agrest não é improvável que nos achemos em presença dos vestígios de uma área de aterragem erigida pelos astronautas víndas dos Cosmos.

Finalmente, alguns relatórios da Academia das Ciências de Moscovo a respeito da explosão de 30 de Junho de 1908, na Sibéria, sugerem a hipótese da desintegração de um navio interestelar em perigo.

Nesse dia 30 de Junho de 1908, às sete horas da manhã, um pilar de fogo surgiu por cima da taiga siberiana, elevando-se a 80 quilómetros de altitude. A floresta foi volatilizada num raio de 40 quilómetros, devido ao contacto de uma bola de fogo gigantesca com a terra. Durante várias semanas, por sobre a Rússia, a Europa Ocidental e a África do Norte flutuaram estranhas nuvens douradas que, durante a noite, reflectiam a luz solar. Em Londres fotogravam-se as pessoas a ler o seu jornal na rua à uma hora da madrugada. Ainda hoje, a vegetação não voltou a aparecer nessa região siberiana. As medidas tomadas em 1960 por uma comissão científica russa revelam que ali a taxa de radioactividade ultrapassa três vezes a taxa normal.

Se fomos visitados, ter-se-ão passeado entre nós os fabulosos exploradores? O bom senso reage: ter-nos-íamos apercebido. Nada é menos certo. A primeira regra de etnologia é não perturbar os animais que se observam. Zimanski, sábio alemão de Tubingen, aluno do genial Conrad Lorenz, estudou durante três anos os caracóis assimilando-lhes a linguagem e o comportamento psíquico de forma que os caracóis o tomavam realmente por um dos seus. Os nossos visitantes puderam agir da mesma maneira com os humanos. Esta ideia é revoltante: no entanto tem fundamento.

Terão vindo à Terra exploradores bem intencionados, antes da história humana conhecida? Uma lenda indiana fala dos Senhores de Dzyan, vindos do exterior para trazerem aos habitantes terrenos o fogo e o arco. Terá a própria vida nascido sobre a Terra ou teria sido depositada pelos Viajantes do Espaço?[1] “Teremos nós vindo de algures, interroga-se o biologista Loren Eiselev, teremos nós vindo de algures e estaremos a preparar-nos para regressar a casa com o auxílio dos nossos instrumentos?…”

*

Uma palavra ainda a respeito do céu: a dinâmica estelar mostra que uma estrela não pode capturar outra. As estrelas duplas ou triplas, cuja existência se observa, deveriam portanto ter a mesma idade. Ora, a espectroscopia revela componentes de diversas idades em sistemas duplos ou triplos. Uma anã branca, velha de dez biliões de anos, acompanha, por exemplo, uma gigante vermelha de três biliões. É impossível, e no entanto é assim. Interrogámos a este respeito, Bergier e eu, uma quantidade de astrónomos e de físicos. Alguns, e não dos menores, não excluem a hipótese segundo a qual esses agrupamentos de estrelas anormais teriam sido formados por Vontades, por Inteligências. Vontades, Inteligências, que deslocariam estrelas e as reuniam artificialmente, fazendo assim saber ao Universo que a vida existe em tal região do céu para maior glória do espírito.

Numa espantosa premonição da espiritualidade futura. Blanc de Saint-Bonnet[2] escrevia: “A religião ser-nos-á demonstrada através do absurdo. Já não será a doutrina desconhecida que ouviremos, já não será a consciência que não é ouvida que gritará. Os factos falarão com a sua grande voz. A verdade deixará as altitudes da palavra, entrará no pão que comemos. A luz será fogo!”

*

À ideia desmoralizante de que a inteligência humana talvez não seja a única a viver e agir no Universo veio juntar-se a ideia de que a nossa própria inteligência é capaz de explorar mundos diferentes do nosso, de lhes apreender as leis, de ir, por assim dizer, viajar e trabalhar do outro lado do espelho. Esta abertura fantástica foi realizada pelo génio matemático. É a falta de curiosidade e de conhecimento que nos fez julgar ser a experiência poética, depois de Rimbaud, o facto capital da revolução intelectual do mundo moderno. O facto capital é a explosão do génio matemático, como aliás muito bem viu Valéry. O homem, daqui em diante, estará perante o seu próprio génio matemático como perante um habitante do exterior. As entidades matemáticas modernas vivem, desenvolvem-se, fecundam-se, em mundos inacessíveis, estranhos a toda a experiência humana. Em men Like Gods, H. C. Wells supõe que existem tantos universos como páginas num grande livro. Nós habitamos apenas uma dessas páginas. Mas o génio matemático percorre a obra inteira: ele constitui a real e ilimitada potência de que dispõe o cérebro humano. Pois, viajando por outros universos, regressa dessas explorações carregado de utensílios eficazes para a transformação do mundo que habitamos. Ele possui a um tempo o ser e o criar. O matemático, por exemplo, estuda as teorias de espaços que exigem duas voltas completas para regressar à posição de partida. Ora é este trabalho, perfeitamente estranho a qualquer actividade na nossa esfera de existência, que permite descobrir as propriedades às quais obedecem as partículas elementares nos espaços microscópicos, e portanto fazer progredir a física nuclear que transforma a nossa civilização. A intuição matemática, que abre o caminho para outros universos, altera concretamente o nosso. O génio matemático, tão próximo do génio da música pura, é ao mesmo tempo aquele cuja eficácia sobre a matéria é maior. É da “algures absoluto” que nasceu “a arma absoluta”.

Enfim, elevando o pensamento matemático ao seu mais alto grau de abstracção, o homem apercebe-se de que esse pensamento talvez não seja sua propriedade exclusiva. Descobre que os insectos, por exemplo, parecem ter consciência de propriedades do espaço, e que talvez exista um pensamento universal, que um canto do espírito superior se eleva talvez da totalidade do que é vivo…

*

Neste mundo, em que, para o homem, já nada é certo, nem ele próprio, nem o mundo tal como o definiam as leis e os factos outrora admitidos, nasce a toda a velocidade uma mitologia. A cibernética fez surgir a ideia de que a inteligência humana é ultrapassada pela do cérebro electrónico, e o homem vulgar sonha com o olho verde da máquina “que pensa” com a perturbação, o pavor do antigo egípcio ao pensar na Esfinge. O átomo reside no Olimpo, com o raio na mão. Mal tinham iniciado a construção da fábrica atómica francesa de Marcoule e logo as pessoas dos arredores julgaram ver os tomates estragar-se. A bomba perturba o tempo, faz-nos gerar monstros. Uma literatura chamada de “ficção científica”, mais abundante do que a literatura psicológica, compõe uma Odisseia no nosso século, com Marcianos e Homens Superiores, e aquele Ulisses metafísico que regressa a casa, depois de vencer o espaço e o tempo.

À pergunta: “Estaremos sós?”, vem juntar-se a pergunta: “Seremos os últimos?” Deter-se-á a evolução no homem? O Superior não estará já em formação? Não estará já entre nós? E esse Superior, deveremos imaginá-lo como um indivíduo, ou como um ser colectivo, como a massa humana inteira em vias de fermentar e de coagular, arrastada toda para uma tomada de consciência da sua unidade e da sua ascensão? Na era das massas, o indivíduo morre, mas é a morte salvadora da tradição espiritual: morrer para nascer finalmente. Ele morre em consciência psicológica para nascer em consciência cósmica. Sente exercer-se sobre ele uma pressão formidável: morrer resistindo-lhe ou morrer obedecendo-lhe. Do lado da recusa, da resistência, está a morte total. Do lado da obediência está a morte-trampolim em direcção à vida total, pois trata-se da transformação da multidão para a criação de um psiquismo unânime que regerá a consciência do Tempo, do Espaço e o apetite pela Descoberta.

Observando bem, tudo isto reflecte com mais fidelidade o fundo dos pensamentos e das inquietações do homem de hoje do que as análises do romance neonaturalista ou os estudos político-sociais; em breve disso nos aperceberemos, quando aqueles que usurpam a função de testemunha e vêem as coisas novas com olhos antigos forem fulminados pelos factos.

*

A cada passo, neste mundo aberto sobre o estranho, o homem vê surgir pontos de interrogação tão desmedidos como eram os animais e os vegetais antediluvianos, Não estão à medida. Mas qual é a medida do homem? A sociologia e a psicologia voluíram muito menos depressa do que a física e as matemáticas. É o homem do século xIx que se encontra subitamente em presença de um mundo diferente. Mas o homem da sociologia e da psicologia do século xIx será o verdadeiro homem? Nada é menos certo. Após a revolução intelectual suscitada pelo Discurso do método, de Descartes, após o aparecimento das ciências e do espírito enciclopédico no século xvIII, após a importante contribuição do racionalismo e do cientismo optimista do século xIx encontramo-nos num momento em que a imensidade e a complexidade do real que acaba de ser revelado deveria necessariamente alterar o que até aqui pensávamos da natureza do conhecimento humano, perturbar as ideias adquiridas a respeito das relações do homem com a sua própria inteligência – numa palavra, exigir uma atitude de espírito muito diferente daquilo a que ontem chamávamos a atitude moderna. A uma invasão do fantástico exterior deveria corresponder uma exploração do fantástico interior. Haverá um fantástico interior? E aquilo que o homem fez não será a projecção daquilo que ele é ou virá a ser?

É portanto a esta exploração do fantástico interior que vamos proceder. Ou, pelo menos, esforçar-nos-emos por fazer sentir que essa exploração seria necessária, e esboçar um método. Evidentemente, não tivemos nem o tempo nem os meios para nos entregarmos a medidas e experimentações que nos parecem, no entanto, desejáveis e que talvez venham a ser tentadas por investigadores melhor qualificados. Mas a índole do nosso trabalho não era medir e experimentar. Era, como em todo este nosso trabalho, recolher factos e relações entre os factos, que a ciência oficial por vezes despreza ou aos quais recusa o direito de existência. Esta maneira de trabalhar pode parecer insólita e prestar-se a suspeitas. No entanto esteve na origem de grandes descobertas. Darwin, por exemplo, não agiu de forma diferente, coleccionando e comparando informações desprezadas. A teoria da evolução nasceu dessa colectânea aparentemente absurda. Da mesma forma, e salvas as devidas proporções, nós vimos surgir no decurso do nosso trabalho uma teoria do homem interior verdadeiro, da inteligência total e da consciência desperta.

Este trabalho está incompleto: teríamos precisado de mais dez anos. Além disso, apenas apresentamos um resumo, ou antes uma imagem, a fim de não aborrecermos, pois é com a frescura de espírito do leitor que contamos, visto termos tentado sempre manter o nosso nesse estado.

Inteligência total, consciência desperta, estamos convencidos que o homem se dirige para as conquistas essenciais, no seio desse mundo em pleno renascimento e que parece antes de mais exigir-lhe que renuncie à liberdade. Mas liberdade para fazer o quê? perguntava Lenine. A liberdade de ser apenas aquilo que é é-lhe de facto retirada a pouco e pouco. É a liberdade de se tornar diferente, de passar a um estado superior de inteligência e de consciência, que em breve lhe será concedida. Essa liberdade não é de essência psicológica, mas mística, pelo menos se nos referimos aos esquemas antigos, à linguagem de ontem.

Em certo sentido, supomos que o essencial da civilização é que a caminhada dita mística se expande; sobre esta terra fumegante de fábricas e vibrante de foguetões, pela humanidade inteira. Verificar-se-á que esta caminhada é prática, que é, em certa medida, o “segundo sopro” de que os homens precisam para obedecer ao aceleramento do destino da Terra.

“Deus criou-nos o menos possível. A liberdade, esse poder de ser causa, essa faculdade do mérito, quer que o homem se refaça a si próprio.”

1 A maior parte dos astrónomos e dos teólogos crêem que a vida da Terra principiou sobre a Terra. Mas o astrónomo de Cornell, Thomas Gold, pensa de forma diferente. Num relatório recebido em Los Angeles, no congresso dos sábios do espaço que se realizou em Janeiro de 1960, Gold sugeriu que a vida podia ter existido em qualquer outro sítio no Universo durante inúmeros biliões de anos antes de criar raízes sobre a Terra. De que forma a vida atingiu a Terra e iniciou a sua longa ascenção em direcção ao humano? Talvez tenha sido trazida pelos navios do espaço.

A vida existe sobre a Terra há cerca de um bilião de anos. Gold fá-lo notar. Ela começou com formas de tamanho microscópico.

Após um bilião de anos, segundo a hipótese de Gold, o planeta semeado pode ter desenvolvido criaturas suficientemente inteligentes para viajarem mais além do espaço, visitando planetas férteis, mas virgens, semeando-os por sua vez com micróbios adaptáveis. De facto, essa contaminação é provavelmente o princípio normal da vida sobre qualquer planeta, incluindo a Terra. “Viajantes do espaço – diz Gold – podem ter visitado a Terra há um bilião de anos e, abandonadas as suas formas residuárias de vida, estas proliferaram de tal forma que os micróbios em breve terão outro agente (os humanos viajantes do espaço) capaz de os espalhar mais além sobre o campo de batalhas”.

Que acontece nas outras galáxias que flutuam no espaço muito além dos limites da Via Láctea? O astrónomo Gold é um dos partidários da teoria do Universo em estado fixo.

Quando começou então a vida? A teoria do Universo em estado fixo põe a hipótese de que o espaço não tem limites e que o tempo não tem princípio nem fim. Se a vida se propaga das antigas às novas galáxias, a sua história pode ser colocada no tempo eterno: é sem princípio nem fim.

2 1815-1880, filósofo francês pouco conhecido. A sua principal obra L’Unite Spirituelle.


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