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Sobre se é uma heresia afirmar que as bruxas existem – Malleus Maleficarum

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A segunda parte de nossa investigação consiste em averiguar se é heresia afirmar com obstinação a existência das bruxas. A questão é, se as pessoas que sustentam que as bruxas não existem devem ser consideradas como hereges, ou se devemos considerá-las como altamente suspeitas por sustentar opiniões heréticas. Parece que a primeira opinião é a correta. Pois não há dúvida que coincida com a opinião do erudito Bernardo.

Mas em relação às pessoas que abertamente e com obstinação perseveram na heresia há que demonstrar, através de provas incontestáveis, que são hereges, e de modo geral essa demonstração é uma de três: ou bem um homem pregou e proclamou doutrinas heréticas de forma aberta; ou demonstra-se que é um herege pela declaração de testemunhas dignas de confiança; ou demonstra-se que é um herege graças a sua própria e livre confissão. No entanto existe quem se opõe as autoridades, de forma equivocada, e proclamam em público que as bruxas não existem, ou pelo menos que de modo algum podem ferir ou lesar o gênero humano.

Portanto, e para, falar em termos específicos, os aprisionados em tão maligna doutrina podem ser excomungados, segundo o comentário de Bernardo, já que estão aberta e inconfundivelmente presos na difusão de uma falsa doutrina. O leitor pode consultar as obras de Bernardo, onde encontrará que esta sentença é justa, correta e fiel. Mas talvez este julgamento pareça severo demais, antes de mais nada pelas penalidades que seguem à excomunhão; pois o Cânon prescreve que o clérigo será degradado e o leigo entregue ao poder dos tribunais seculares, nos quais se ordena que o castigue como merece seu delito. Mais ainda, devemos ter em conta a grande quantidade de pessoas que sem dúvida, devido a sua ignorância, serão encontradas culpadas deste erro. E como o erro é muito comum, o rigor da justiça estrita pode ser amenizado pela piedade. E em verdade nossa intenção e livrar os culpados desta heresia, antes que acusa-los por se encontrarem infectados pela malícia da heresia.

É preferível, então, quando existem suspeitas graves de que um homem sustenta essa falsa opinião, que ele não seja logo condenado pelo grande delito de heresia. (Veja a interpretação de Bernardo quanto à palavra condenado). Em verdade podem-se julgar esse homem ou outra pessoa de quem se têm sérias suspeitas, mas não condená-lo em sua ausência, tampouco sem o escutar. Considerando que a suspeita pode ser muito grave, e não devemos nos abster de suspeitar dessas pessoas, pois em verdade suas frívolas afirmações parecem afetar a pureza da fé. Porque existem três classes de suspeitas: a suspeita leve, a séria e a grave. Explicadas no capítulo sobre as Acusações e referidas à Contumácia, no Livro 6, da Herética.

E estas questões estão sob a jurisdição do tribunal arquidiocesano. Também podemos nos referir aos comentários de Giovanni d’Andrea, e em particular a suas interpretações sobre as frases: acusado, gravemente suspeito, e a sua nota sobre uma presunção de heresia. Também é indubitável que alguns que reconhecem a lei em questão, não demonstram que sustentam falsas doutrinas ou erros, pois muitos não conhecem a lei canônica, e há quem, devido sua má informação e insuficientes leituras, vacilam em suas opiniões e não conseguem decidir-se; e enquanto uma idéia se mantém no íntimo pessoal não é uma heresia, a salvo quando formulada com obstinação, e mantida de forma aberta, então, é certo que devemos dizer que as pessoas mencionadas não devem ser condenadas abertamente pelo delito de heresia. Mas que ninguém pense que pode escapar alegando ignorância. Porque, quem se perder nesta classe por ignorância, pode ter pecado muito gravemente.

Ainda que existam muitos graus de ignorância, os encarregados pela cura das almas não podem alegar uma ignorância insuperável, é o que os escritores da lei canônica e os teólogos chamam de Ignorância do Fato. Mas o que deve ser censurado nessas pessoas é a ignorância Universal, ou seja, as ignorâncias da lei divina, que, como estabeleceu o papa Nicolas, possam e devem conhecer. Pois diz: “O trabalho dos ensinamentos divinos foi confiado a nossa guarda, e ai de nos se não semearmos a boa semente, ai de nos se não ensinarmos a nossa legião”. E assim, aqueles que têm a guarda das almas estão obrigados a possuir um sólido conhecimento das Sagradas Escrituras. É verdade que segundo Raymundo de Sabunde e São Tomás, não há dúvida que quem possui a guarda das almas não a possui porque são homens de extraordinários conhecimentos, mas porque deve possuir um conhecimento competente, o suficiente para cumprir com as obrigações do cargo. E sem dúvida, este pode ser um pequeno consolo para eles, a severidade teórica da lei fica compensada com freqüência pela sua pratica concreta, e devem saber que enquanto esta ignorância da lei canônica é culpada e digna de censura, se considerada por estes dois pontos de vista. Porque às vezes as pessoas não sabem, não desejam saber e não têm intenções de saber.

Para tais pessoas não existe desculpa, e devem ser condenadas. Sobre elas fala o Salmista: “Não querem entender para não poderem fazer o bem”. Mas em segundo lugar estão os ignorantes, mas não pelo desejo de não saber. E isso diminui a gravidade do pecado, porque não existe um consentimento real da vontade. E há casos de quem deveria conhecer algo, mas não se dá conta disso, como diz São Paulo em sua Primeira Epístola a Timóteo I, 13: “Mas fui recebido de misericórdia porque o fiz com ignorância, em incredulidade”. Em termos técnicos diz-se que isto é uma ignorância que ao menos de maneira indireta é falta da pessoa, na medida em que, na conseqüência de muitas outras ocupações, descuida-se de informar-se sobre assuntos que deveria conhecer, e não faz esforço algum para conhecê-los, porém, esta ignorância não o desculpa por completo, mas sim em certo grau. Assim diz São Ambrosio, ao escrever essa passagem em Romanos II, 4: “Não sabeis que a bondade de Deus te leva ao arrependimento?” Se não sabeis por tua própria falta, teu pecado é grande e doloroso. E em especial nestes nossos dias – em que as almas são acossadas por tantos perigos – devemos adotar medidas para dissipar a ignorância, e levar em conta que se pronunciarão contra nós severos julgamentos se não o fizermos; cada qual segundo sua própria capacidade no único talento que nos foi dado. Deste modo nossa ignorância não será densa nem estúpida, pois em termos metafóricos dizemos que são densos e estúpidos os olhares que não vêem o que se encontra diante dos próprios olhos. E no Flores regularum moralium o chanceler romano comenta a segunda regra, e diz; uma ignorância culpada pela lei divina, não afeta pela força à pessoa ignorante.

A razão é a seguinte: o Espírito Santo é capaz de instruir diretamente um homem com todos os conhecimentos essenciais para sua salvação, se o conhecimento for muito difícil para que ele compreenda sem ajuda, somente com seu intelecto natural. Portanto, a resposta à primeira objeção é uma compreensão clara e correta do Cânon. À segunda, Pedro de Tarentasia (Beato Inocêncio V) replica: não há dúvida que o diabo, devido à malícia que nutre contra o gênero humano destruiria a humanidade se Deus assim permitisse faze-lo. A maldade, às vezes, Deus lhe permite realizar, em outras o impede e proíbe, o que leva o diabo, como é manifesto, a um desprezo e ódio mais franco, já que em todas as coisas, para manifestação de Sua Glória, Deus usa ao diabo, ainda que ele não queira, como seu servo e escravo. Com respeito à terceira objeção, de que uma enfermidade ou qualquer outro dano é sempre resultado do esforço humano, através do qual a bruxa submete-se a vontade do mal e, portanto por vontade própria, como qualquer outro malfeitor, pode prejudicar uma pessoa, ou lhe fazer mal ou executar um ato ruim.

Se perguntarem, se o movimento de objetos materiais, de um lugar a outro, pelo diabo, pode equiparar-se ao movimento das esferas*, a resposta é Não. Porque os objetos materiais não se movem por um poder natural que lhes seja inerente, somente com certa obediência ao poder do diabo, que em virtude de sua natureza possui determinado domínio sobre os corpos e as coisas materiais; afirmo que possui esse poder, mas não o poder de acrescentar aos objetos materiais criados nenhuma forma ou aspecto, seja substancial ou acidental, sem certa mistura ou colaboração de outro objeto natural: criado. Mas como, por vontade de Deus, é verdade, pode mover objetos materiais de um lugar a outro, e por conjunção de vários objetos pode produzir enfermidades ou alguma outra circunstância que deseje. Daí, os feitiços e efeitos da bruxaria não se encontram governados pelo movimento das esferas, tampouco o diabo é governado de tal modo, mesmo que com freqüência possa utilizar essas condições para seu proveito.

Movimento das esferas: Se refere ao movimento dos corpos celestes: estrelas, planetas, lua e sol. No medievo, a terra ainda era considerada como o centro do universo. (NT-Pt) A resposta à quarta objeção. A obra de Deus pode ser destruída pela obra do diabo? Levando em conta o que acabamos de dizer a respeito do poder e os efeitos da bruxaria, o diabo só pode existir com a licença de Deus, então não procede que o demônio seja mais forte que Deus. Ainda mais, ele não pode usar de toda violência como desejaria para prejudicar as obras de Deus, porque se não tivesse limitações poderia destruí-las por completo. A resposta à quinta objeção pode ser apresentada com clareza da seguinte maneira: Os planetas e estrelas não possuem poder para estimular ou obrigar os diabos a executar uma ação contra sua vontade, ainda que aparentemente os demônios estejam mais dispostos a se apresentarem quando convocados pelos magos sob a influência de certas estrelas. Parece que o fazem por duas razões. Primeiro, porque sabem que o poder desse planeta colaborará no efeito que os magos desejam obter. Segundo, fazem para enganar os homens, levando-os a supor que as estrelas possuem algum poder divino ou uma divindade real, no entanto, sabemos que nos dias da Antigüidade esta veneração dos astros conduziu a mais vil idolatria.

Com referência a última objeção, que se baseia no argumento de que os alquimistas fabricam ouro, podemos formular a opinião de São Tomás, quando estuda o poder do demônio e como ele atua. Ainda que determinadas formas com substância possam ser produzidas pela arte e pelo poder de um agente natural como, por exemplo, a forma do fogo, que é produzida pela arte empregada na madeira, isso não pode ser realizado sempre, porque a arte nem sempre encontra a mistura ou os agentes adequados na devida proporção para produzir algo semelhante. E de tal forma os alquimistas criam algo parecido ao ouro, isto é, no que se refere aos acidentes exteriores, mas não fazem ouro verdadeiramente, porque a substância do ouro não existe no calor do fogo que empregam os alquimistas; e a não ser pela aparência que o sol impõe, quando atua e reage, até certo ponto, na concentração dessa massa com o calor mineral, portanto, esse ouro é semelhante, mas não da mesma espécie que o natural. E o mesmo argumento serve para todas as outras operações.

Portanto, nossa proposição é a seguinte: Com sua arte, os diabos produzem efeitos perniciosos por meio da bruxaria, mas é verdade que sem a ajuda de algum agente não podem criar nenhuma forma, nem substancial nem acidental, e não afirmamos que possam causar danos sem a ajuda de algum agente, mas com esse agente é possível provocar enfermidades, e quaisquer outras paixões ou dolências humanas, sendo reais e verdadeiras. Nos capítulos seguintes ficará claro como esses agentes ou o emprego de tais meios podem ser eficazes na colaboração com os demônios.


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