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Em verdade, a primeira vista pode parecer que não concorda com a fé católica afirmar que crianças podem ser fecundadas por demônios, isto é, por íncubos e súcubos: pois Deus antes mesmo que o pecado chegasse ao mundo, instituiu a procriação humana, pois criou à mulher da costela do homem para ser a companheira do homem: “E a eles lhes disse: Crescei e multiplicai-vos”, Gênesis, 1, 28. E Adão, inspirado por Deus, disse: “Serão dois em uma só carne”, Gênesis, X, 24. Do mesmo modo, logo que o pecado chegou ao mundo, foi dito a Noé: “Frutificai-vos e multiplicai-vos”, Gênesis, IX, 1. Cristo confirmou essa união, também na época da nova lei: “Não haveis lido que: o que os fez no princípio macho e fêmea; os fez?” São Matheus, XIX, 4. Portanto, os homens não podem ser engendrados de forma alguma, a não ser desta maneira. Porém alguns podem argumentar que os demônios possuam seu papel nessa gestação, não como causa essencial, mas como causa secundária e artificial, para que consigam se intrometer no processo da cópula e da concepção normal, pois obtêm sêmen humano e eles mesmos o transladam.
Objeção àqueles que acreditam que: Os demônios poderiam executar este ato em cada etapa da vida, isto é, durante o matrimonio ou em qualquer momento; ou que possam executá-lo num único estado. No entanto, não podem realizá-lo no primeiro estado, do contrário o ato do demônio seria mais poderoso que o de Deus, Quem instituiu e confirmou esse sagrado estado, já que se trata de um estado de continência e matrimônio. Nem podem efetuá-lo em qualquer outro estado, já que jamais lemos nas Escrituras que os filhos possam ser concebidos num determinado estado e não em outro. Mais ainda, conceber uma criança é um ato de um corpo vivo, e os demônios não podem dar vida aos corpos que adotam, porque a vida, em termos formais, só procede da alma, e o ato de engendrar pertence aos órgãos físicos que possuem vida corporal. Portanto, os corpos adotados desta maneira não podem conceber nem procriar. Embora possam dizer que esses demônios adotam um corpo, não para infundirlhe a vida, mas para conservar, por meio desse corpo, o sêmen humano, e passa-lo a outro corpo. Objeção. Na ação dos anjos, sejam eles maus ou bons, nada há de supérfluo e inútil, e também nada há de supérfluo e inútil na natureza. Porém o demônio, por seu poder natural, que é muito maior que qualquer poder físico humano, pode executar qualquer ação espiritual, e a executar diversas vezes, e não ser capaz de discerni-la. Portanto pode executar essa ação, ainda que o homem não compreenda quando o demônio tem haver com ela. Porque todas as coisas materiais e espirituais se encontram numa escala inferior à das inteligências puras e espirituais, mas os anjos, sejam bons ou maus, são inteligências puras e espirituais.
Portanto podem dominar o que se encontra abaixo deles. Em conseqüência o demônio pode reunir e utilizar a vontade o sêmen humano que pertence ao corpo. No entanto, reunir o sêmen humano de uma pessoa e transmiti-lo a outra implica certas ações locais. Porém os demônios não podem levar corpos de um local a outro em termos de lugar. Assim, este é o argumento que formulamos: A alma é uma pura essência espiritual, o mesmo que o diabo; mas a alma não pode mover um corpo de um lugar a outro, salvo quando se trata do corpo que habita e ao qual dá vida. Daí, se qualquer membro do corpo perece, fica morto e imóvel. Portanto os demônios não podem transladar um corpo de um lugar a outro, salvo quando se trata de um corpo ao qual dão vida. Porem foi mostrado e reconhecido que os demônios não concedem a vida a ninguém e, portanto não podem transladar o sêmen humano localmente, isto é, de lugar em lugar, de corpo em corpo. Ainda mais, todas as ações se realizam por contato, e em especial o ato de conceber. Porém não parece possível que exista contato entre o demônio e os corpos humanos, já que aquele não tem um ponto de contato concreto com eles. Portanto não pode injetar sêmen num corpo humano, e em conseqüência tal ato exige uma ação corporal, pelo qual parece que o demônio não pode executar…
Além do mais, os demônios não possuem poderes para mover os corpos que em ordem natural têm uma relação mais estreita com eles, por exemplo, os corpos celestes e, portanto carecem de poderes para mover os corpos mais distantes e distintos deles. A premissa maior está demonstrada, já que o poder que move e o movimento são uma só e a mesma coisa, segundo Aristóteles, em sua Física. Seguese, pois, que os demônios que movem corpos celestes têm de estar no céu, o qual é em todo sentido falso, tanto em nossa opinião como na dos Platonistas. Além do mais, Santo Agostinho Sobre a Trinidade III diz, que o demônio, em verdade, reúne sêmen humano, por meio do qual pode produzir efeitos corporais; mas isso não pode ser feito sem certo movimento local, com o qual os demônios podem transportar o sêmen reunido e injetar-lo nos corpos de outros. Mas como diz Walafrido Estrabón em seu comentário sobre o Êxodo, 11: “Então o Faraó chamou também os sábios e os encantadores”: Os demônios vão pela terra reunindo todo tipo de sementes, e trabalhando com elas podem difundir várias espécies. Veja-se também o sentido sobre essas palavras: o Faraó chamou. E também, no Gênesis, III, a interpretação apresenta dois comentários sobre as palavras: “E os filhos de Deus viram às filhas dos homens”. Primeiro que por filhos de Deus se entende os filhos de Set, e por filhas dos homens às de Caim. Segundo, que aqueles gigantes foram criados, não por algum ato incrível dos homens, mas por certos demônios, que são desavergonhados em relação às mulheres. Pois a Bíblia diz que os gigantes estavam sobre a terra. Mais ainda, inclusive antes do Dilúvio, não só os corpos dos homens, mas também os das mulheres eram destacada e incrivelmente belos.
Resposta. Com fins de brevidade omitimos boa parte do que se relaciona ao poder do demônio e de suas obras, no aspecto dos efeitos da bruxaria. Pois o leitor piedoso será capaz de aceitá-lo como o apresentamos, ou, se desejar pesquisar além, poderá encontrar todos os pontos esclarecidos no segundo Livro das Sentenças 5. Assim verão que os demônios executam todas suas obras de maneira consciente e voluntária; pois a natureza que lhes foi dada não mudou. Veja a esse respeito Dionísio, em seu quarto capítulo: “a natureza deles se mantém intacta e esplêndida, ainda que não a utilizem para o bem”. Em quanto a sua inteligência, advertimos que decorrem de três pontos de compreensão, a saber: a sutileza de sua natureza; sua antiga experiência e a revelação dos espíritos superiores. Também descobrirá que, pela influência dos astros, conhecem as características dominantes dos homens e, portanto, descobrem quando alguns estão mais dispostos a executar obras de feitiçaria do que outros, e que molestam os propensos, antes de mais nada, com vistas a tais ações. E quanto a intenção deles, o leitor descobrirá que se orienta de forma imutável para o mal, e que continuamente peca por orgulho, inveja e grosseira cobiça; e que Deus, para Sua própria glória, lhe permite trabalhar contra Sua vontade. E também entenderá que com estas duas qualidades: do intelecto e da vontade, os demônios fazem milagres, de maneira que não exista poder na terra que se compare ao deles: Jó cita: “Não há na terra poder que possa se comparar com o que foi criado para não temer a nada”.
Mas nesta passagem quando afirma que não teme a ninguém, está subentendido aí os méritos dos Santos. Também perceberá que o demônio conhece os pensamentos de nossos corações; e que de forma essencial e desastrosa pode metamorfosear os corpos com a ajuda de um agente; e pode transladar os corpos de um lugar a outro e alterar os sentimentos exteriores e internos em qualquer medida concebível; e que lhe é possível modificar o intelecto e a vontade do homem, por mais indiretamente que o faça. Pois se tudo isto é pertinente para nossa investigação, só desejamos extrair daí uma conclusão quanto à natureza dos demônios, e desse modo prosseguir o estudo de nossa questão. Agora bem, os Teólogos lhes atribuíram certas qualidades, como a de espíritos impuros, mas não por sua natureza. Pois segundo Dionísio há neles uma loucura natural, uma feroz concupiscência, uma desenfreada fantasia, como se percebe em seus pecados espirituais: orgulho, inveja e cólera. Por este motivo são os inimigos da raça humana: racionalizam, mas raciocinam sem palavras; sutis na maldade, ansiosos em provocar danos; sempre férteis em novos enganos, modificam as percepções e turvam as emoções dos homens, confundem os vigilantes e nos sonhos perturbam os dormentes; provocam doenças, engendram tempestades, disfarçam-se de anjos de luz, sempre levam ao encontro do inferno; e às bruxas lhes roubam para si a adoração de Deus, e por este meio se efetuam encantamentos mágicos; tratam de obter o domínio sobre os bons, para molestá-los até o máximo de seu controle; aos eleitos entregam-se em tentação, e sempre se encontram a espreita da destruição dos homens. Mesmo existindo mil maneiras de causar danos, desde sua queda, tentam provocar cismas na igreja; impedir a caridade; infectar com a bílis da inveja a doçura dos atos dos santos; perturbar de todas as maneiras possíveis à raça humana, o seu poder se mantém limitado às partes privadas e ao umbigo.
Veja-se Jó. Pois graças a fraqueza da carne possui grande poder sobre os homens; e nos homens a fonte da imoderação encontra-se nas partes privadas, já que delas emanam o sêmen, tal como nas mulheres emana do umbigo. Portanto, entendidos esses detalhes para uma adequada compreensão do problema dos íncubos e dos súcubos, deve dizer-se que é uma concepção tão católica afirmar que em certas ocasiões os homens podem ser concebidos por meio de íncubos e súcubos, como é contrário às palavras dos santos, e ainda à tradição das Sagradas Escrituras, manter a opinião contrária. E isto se demonstra da seguinte maneira. Em um lugar Santo Agostinho formula esta questão, não a respeito das bruxas, mas com referência às obras dos próprios demônios, e às fábulas dos poetas, e deixa o assunto envolvido em certas dúvidas, ainda que mais tarde se defina em relação às Sagradas Escrituras. Pois em seu III Livro Ciutate Dei, capítulo 2, diz: “Deixamos em aberto a questão quanto se era possível que Vênus desse à luz a Enéas por meio do coito com Anquises”. Pois uma dúvida similar surge nas Escrituras, onde se pergunta se os anjos maus deitaram com as filhas dos homens, e deste modo a terra se encheu então de gigantes, isto é, de homens enormemente grandes e fortes. Mas a solução do tema está no Livro 5, capítulo 25, com estas palavras: “É crença geral, cuja veracidade muitos confirmam por experiência própria, ou ao menos de ouvi-las, ou por ter sido experimentada por homens de absoluta confiança, que os sátiros e os faunos* (que geralmente se denomina íncubos) se apresentaram perante as mulheres lascivas e trataram de obter e obtiveram o coito com elas. E que certos demônios que os gauleses chamam de dusios tentam de forma persistente, e conseguem, esta atividade conflitante; fato confirmado por tantas testemunhas dignas de crédito, que seria insolente negar”. (*) Faunos: Espécie de divindade campestre, com aparência de caprinos, com chifres e cabeludos. (NT-Pt) Mais tarde, neste mesmo livro, soluciona a segunda afirmação, a saber: que a passagem do Gênesis sobre os filhos de Deus (isto é, Set) e as filhas do desejo (ou seja, de Caim) não fala só dos íncubos, já que a existência deles ainda não era acreditada. Nesse sentido existe a interpretação que já mencionamos antes.
Diz que não é alheio à crença o fato de que os gigantes de que falam as Escrituras fossem engendrados, não por homens, mas por anjos ou certos demônios que procuram às mulheres. No mesmo sentido há a interpretação de Isaías, XIII onde o profeta prega a destruição de Babilônia e os monstros que lá habitam. Diz: “Os bufos moraram ali, e os sátiros dançaram ali”. Onde, por sátiros entendem-se demônios; como dizem na interpretação, os sátiros são criaturas selvagens e peludas dos bosques, que representam certo tipo de demônios chamados íncubos. E uma vez mais em Isaías XXXIV, onde se profetiza a destruição do país dos iduneos porque perseguiram os judeus, e diz: “Será morada de dragões e refúgio para mochos. Também os animais selvagens do deserto se encontrarão ali…” A leitura nas entrelinhas interpreta isso como referência a monstros e demônios.
E, no entanto o Beato Gregório explica que estes são deuses dos bosques com outro nome, não os que os gregos chamavam de Pan, e os latinos íncubos. Da mesma maneira, o Beato Isidoro, no último capítulo de seu oitavo livro, diz: Os sátiros são aqueles denominados em grego Pan e íncubos em latim. E lhes chaman íncubos por sua pratica de encavalar-se, isto é, de orgia. Pois com freqüência anseiam rigorosamente às mulheres, e copulam com elas; e os gauleses são chamados de dusios, porque são diligentes nessa animalidade. Mas o demônio que as pessoas comuns chamam de íncubo, é denominado Fauno dos Figos pelos romanos; ao qual Horácio disse: “Oh, fauno, amor das ninfas que fogem, que percorre com doçura, minhas terras e meus sorridentes campos”. E quanto a São Paulo, em Coríntios, I, 4 uma mulher deve manter a cabeça coberta pelos anjos, e muitos católicos acham que “pelos anjos” refere-se aos íncubos. A mesma opinião ostenta o venerável Bede em seu History of the English; e também Guilherme de Paris na última parte do sexto tratado de seu livro Do Universo. Mais ainda, São Tomás fala nisso em I, 25 e II, 8 e em outras partes; e também Isaías, XII e XIV. Portanto diz-se que é impensável negar essas coisas. Pois o que parece certo para muitos não pode ser do todo falso, segundo Aristóteles em De Somno et Vigília, e na Segunda Ética. Sem falar das muitas histórias autenticas, tanto católicas como pagãs, que afirmam de maneira aberta a existência dos íncubos. Mas o motivo pelos quais os demônios se convertem em íncubos ou súcubos não é com vistas ao prazer, já que um espírito não tem carne nem sangue; E antes de mais nada é com intenção, por meio do vício da luxuria, provocar danos em dobro contra os homens, isto é, no corpo e na alma, de modo que os homens possam se entregar mais ainda a todos os vícios. E não há dúvida que sabem que sob a influência dos astros o sêmen e mais vigoroso, e que os prazeres assim concebidos serão sempre pervertidos pela bruxaria. Quando Deus Todo Poderoso enumerou muitos vícios de luxuria que reinava entre os descrentes e os hereges, é porque desejava que Seu povo ficasse ciente.
Em Levítico, XVIII diz: “Em nenhuma, destas coisas vós serão manchados; porque todas estas coisas têm poluído as pessoas que eu criei perante todos. E a terra foi contaminada e eu conheci a maldade sobre ela, e a terra vomita seus habitantes”. Pelo contrário, a interpretação da palavra “terra” explica que significam demônios e, devido a sua multidão, se denominam as pessoas do mundo, que se regozijam em todos os pecados, em especial o da fornicação e idolatria, porque graças a eles ficam manchados em corpo e alma e é, a totalidade dos homens que se denomina “a terra”. Porque cada um dos pecados que o homem comete se encontra fora de seu corpo, mas o homem que comete fornicação peca neste corpo. Se alguém pretender seguir estudando as histórias relativas aos íncubos e súcubos, que leia (como já foi dito) Bede em sua History of the English e Guilherme, e por último Tomás de Brabante em seu livro Sobre Besa. Voltando ao assunto. E antes de mais nada, ao ato natural de propagação instituído por Deus, isto é, entre o homem e a mulher. Como se fosse por permissão de Deus, o Sacramento do Matrimônio poderia ser anulado pela obra do demônio mediante a bruxaria, como se mostrou mais acima. E o mesmo orquestra com muito empenho para qualquer outro ato venéreo entre o homem e a mulher. Mas há de se perguntar: Porque se permite ao demônio efetuar feitiços sobre o ato venéreo, do que sobre qualquer outro ato humano? Responde-se que os Doutores dão muitas razões, que serão analisadas mais adiante, na parte referente à permissão divina.
No momento deve bastar a razão que se mencionou antes, a saber: que o poder do demônio reside nas partes privadas dos homens. Pois de todas as lutas, as mais difíceis são aquelas em que o combate é contínuo, e raras são as vitórias. E é pouco consistente afirmar, que nesse caso a obra do demônio é mais forte que a de Deus, já que o ato matrimonial instituído por Deus pode ser anulado; pois o demônio não o anula, pela violência, já que não tem poder algum no assunto, a salvo na medida em que Deus o permite. Portanto seria melhor argumentar que carece de poderes. E também é verdade que procriar um homem é um ato de um corpo vivo. E quando se diz que os demônios não podem dar a vida porque esta flui formalmente da alma, também é verdadeiro; mais em termos materiais, a vida nasce do sêmen, e o demônio incubo, com licença de Deus, pode consegui-lo por meio do coito. E o sêmen não brota dele, já que é de outro homem recebido para tal fim (veja São Tomás, I, 51, art. 3). Pois o demônio é o súcubo do homem, e converte-se em incubo de uma mulher. Assim mesmo, absorvem as sementes de outras coisas para engendrar diferentes coisas, como diz Santo Agostinho, em Trinitate. E agora poderia se perguntar: De quem é o filho, a criança assim nascida? Resulta evidente que não é do demônio, mas do homem cujo sêmen se recebeu. Mas quando se faz questão de que, tal como nas obras da natureza, também não há nada supérfluo nas dos anjos, há que o admitir; mas quando se deduz que o demônio pode receber e injetar sêmen de maneira invisível, isso também é verdadeiro; mas prefere executá-lo de maneira visível, como um súcubo e um incubo, para que mediante essa asquerosidade possa infetar toda a humanidade em corpo e alma, isto é, tanto ao homem como à mulher, pois existe, por assim dizer, um tanto fisicamente real.
Mais ainda, de forma invisível os demônios podem fazer mais coisas do que se lhes permite fazer de maneira visível, ainda que desejem assim; mas lhes é permito fazê-las de modo invisível, já como prova para os bons, ou como castigo para os maus. Por último, pode ocorrer que outro demônio ocupe o lugar do súcubo, e receba dele o sêmen e se converta em íncubo no lugar de outro demônio; e isso por três motivos. Talvez porque um demônio, atribuído a uma mulher, deva receber o sêmen de outro demônio, atribuído a um homem, para que desta forma cada um deles seja encarregado pelo príncipe dos demônios para efetuar uma bruxaria; já que a cada um é atribuído seu próprio anjo, inclusive entre os maus; ou devido à asquerosidade do ato, que um demônio sinta repugnância de cometê-lo. Pois em muitas investigações mostra-se com clareza que certos demônios, por alguma nobreza de sua natureza, evitem ações tão conflitantes. Ou também pode ser para que o íncubo, em lugar do sêmen do homem, se interponha ele mesmo ante uma mulher e injete de maneira invisível seu próprio sêmen, isto é, o que recebeu em forma invisível. E não é alheio a sua natureza ou poder efetuar semelhante interposição, já que em forma física pode se interpor de maneira invisível e sem contato físico, como no caso do jovem que se prometeu a um ídolo. Terceiro, se diz que o poder dos anjos corresponde, em grau infinito, às coisas superiores, isto é, que seu poder não pode ser compreendido pelas classes inferiores, senão aquelas superiores a eles, de modo que não se limita a um só efeito. Pois as potências superiores têm uma influência quase ilimitada sobre a criação. Porém afirmando que é infinitamente superior, não significa que seja indiferentemente poderoso em qualquer obra realize; pois então tanto faz que se diga que seu poder é infinitamente inferior, como muito superior. Mas deve existir certa proporção entre o agente e o paciente, o mesmo não ocorrendo entre uma substância puramente espiritual e uma, corpórea. Portanto, nem sequer os demônios têm poder algum para provocar um efeito, salvo mediante algum outro meio ativo. Por isso usam as sementes e essências das coisas para produzir seus efeitos; veja-se Santo Agostinho, em Trinitate Dei, 3. Portanto, este argumento remete-se ao anterior, e não sai fortalecido por ele, a menos que alguém queira a explicação de Santo Agostinho onde, as Inteligências têm poderes infinitos de grau superior, e não inferior, outorgadas a elas na ordem das coisas corpóreas e dos corpos celestes, que podem influir em muitos e infinitos efeitos. Mas isso não se deve à fragilidade dos poderes inferiores. E a confusão é que os demônios, inclusive sem adotar um corpo, podem operar transmutações no sêmen; ainda que este não seja um argumento contra a presente proposição a respeito dos íncubos e os súcubos cujas ações não podem executar, senão apenas adotar uma forma corpórea, como se considerou mais acima.
Para o quarto argumento, os demônios não podem transportar corpos ou sêmen no plano local, o qual se comprova em analogia a alma. Deve ser dito que uma coisa é falar da substância espiritual do anjo ou demônio real, e outra coisa é falar da alma real. Pois a razão da alma não poder mover um corpo de um lugar a outro, a menos de que lhe tenha dado vida, ou pelo contato de um corpo vivo com um que não possui vida, é a seguinte: a alma ocupa, em muito, o grau inferior na ordem dos seres espirituais e, portanto, é preciso existir certa relação proporcional entre ela e o corpo que ela é capaz de mover por contato: Mas não acontece assim com os demônios, cujo poder supera o poder físico. E quinto, deve-se dizer que o contato de um demônio com um corpo, seja em forma de sêmen ou de qualquer outra maneira, não é um contato corpóreo, apenas virtual, e se realiza em concordância com a devida proporção do que move e do que é movido; ou quando o corpo movido não supera a proporção do poder do demônio. Além disso, esses corpos são corpos celestes, e inclusive toda a terra ou todos os elementos do mundo, cujo poder podemos chamar de superior, segundo a autoridade de São Tomás em suas perguntas a respeito do Pecado (Pergunta 10, em Daemonibus). Portanto se deve à essência da natureza ou à condenação pelo pecado. Pois existe uma ordem de coisas adequadas, em consonância com sua própria natureza e com seu movimento.
E assim como os corpos celestes mais elevados são movidos por substâncias espirituais superiores, ou seja, pelos anjos bons; os corpos inferiores são movidos por substâncias espirituais inferiores, como os demônios. E se esta limitação de poder se deve à essência de sua natureza; alguns afirmam que os demônios não são da ordem dos anjos superiores, e apenas fazem parte da ordem terrestre criada por Deus; e esta foi a opinião dos Filósofos. E se dá pela condenação do pecado, como afirmam os Teólogos, daí como castigo, foram expulsos das regiões do céu, para essa atmosfera inferior e, portanto, não são capazes de movê-la, nem de mover a terra. Assim, é dito sobre dois argumentos que se refutam facilmente: um, a respeito dos corpos celestes, que os diabos também poderiam mover, já que eram capazes de mover corpos de um lado a outro, já que os astros estão mais próximos deles na natureza, como também demonstra o último argumento. A resposta é que isso não é válido; pois se rege a primeira opinião, tais corpos superam a proporção do poder dos demônios, e se é verdadeiro o segundo, então não pode movê-los, devido a seu castigo pelo pecado. Além do mais há o argumento que afirma que o movimento do todo e da parte é a mesma coisa, tal como diz Aristóteles, em sua Física 4 exemplificando o caso de toda a terra e de um território; e que, portanto, se os demônios podem mover uma parte da terra, também podem mover a terra inteira. Mas isso não é válido como esta claro, para qualquer um, que examine a diferença. Mas reunir o sêmen das coisas e aplicá-lo a certos efeitos não supera seu poder natural, com a permissão de Deus, como é evidente por si próprio. Em conclusão, a respeito da afirmação de alguns, de que os demônios, em forma corporal, em nenhum modo podem engendrar filhos, e de que por “filhos de Deus” se entende aos filhos de Set, e não aos demônios íncubos, assim como por “filhas dos homens” se faz referência aos descendentes de Caim, no entanto muitos afirmam com clareza tudo ao contrário.
E o que parece verdadeiro para muitos não pode ser de todo falso, segundo Aristóteles, em sua Ética 6, e ao final de Somno et Vigilia. E agora, também nos tempos modernos, temos feitos e testemunhos, de bruxas, que verdadeiramente executam essas coisas. Portanto, estabelecemos três proposições. Primeiro que os mais conflitantes atos venéreos são levados a cabo por esses demônios, não com vistas ao deleite, mas apenas para a poluição das almas e corpos daqueles que atuam como íncubos ou súcubos. Segundo, que por meio dessa ação pode se produzir uma concepção e gestação total pelas mulheres, já que podem depositar sêmen humano no lugar adequado do útero feminino, onde já existe uma substância correspondente. Da mesma maneira, também podem reunir as sementes de outras coisas para provocar outros efeitos. Terceiro que na gestação dessas crianças, só o movimento local deve ser atribuído aos demônios, e não a gestação real, que acontece, não do poder do demônio ou do corpo que adota, mas da virtude daquele a quem pertenceu o sêmen; portanto, a criança não é filho do demônio, mas apenas de algum homem. E aqui há uma resposta clara a quem afirma que há duas razões pelas quais os demônios não podem conceber crianças: primeiro é que a gestação se efetua pela virtude formadora que existe no sêmen liberado de um corpo vivente; e que o corpo adotado pelos demônios não é dessa classe, então, etc… É clara a resposta de que o demônio deposita sêmen formador, de maneira natural, em seu lugar adequado, etc… Segundo, pode-se argumentar que o sêmen tem capacidade de engendrar, somente na medida em que se conserve no calor da vida, e se perder quando transportado por longas distâncias. A resposta é que os diabos podem acumular o sêmen a salvo, de modo que não se perca seu calor vital; ou inclusive que não se evapore com tanta facilidade devido à grande velocidade com que se movem em razão da superioridade no movimento a cerca da coisa movida.
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