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O Enfeitiçamentos e as Sortes – Dogma e Ritual da Alta Magia

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O que os feiticeiros e necromantes procuravam principalmente, nas suas evocações do espírito impuro, é esta força magnética que é a partilha do verdadeiro adepto, e que queriam usurpar para abusar dela indignamente.

A loucura dos feiticeiros, sendo uma loucura malvada, um dos seus fins era principalmente o poder dos enfeitiçamentos ou das influências deletérias.

Dissemos, no nosso Dogma , o que pensamos dos enfeitiçamentos e quanto este poder nos parece perigoso e real. O verdadeiro magista enfeitiça sem cerimonial e somente pela reprovação àqueles que julga necessário punir; enfeitiça até pelo seu perdão os que lhe fazem mal, e nunca os inimigos dos iniciados levam longe a impunidade nas suas injustiças. Constatamos por nós mesmos numerosos exemplos desta lei fatal. Os algozes dos mártires sempre perecem desgraçadamente, e os adeptos são os mártires da inteligência; mas a Providência parece desprezar os que os desprezam e fazem morrer os que procuram impedir- lhes de viver. A lenda do Judeu Errante é a poesia popular deste arcano. Um povo mandou um sábio ao suplício, dizendo – lhe: “Caminha! ”quando ele queria descansar um instante. Pois bem, este povo vai sofrer uma condenação semelhante, vai ser proscrito inteiramente e, durante séculos, dir- lhe- ão: “Caminha! ”, sem que possa achar piedade ou descanso.

Um sábio tinha uma mulher a quem amava apaixonada e loucamente na exaltação da sua ternura e a distinguia com uma confiança cega, entregando – se inteiramente a ela. Orgulhosa da sua beleza e da sua inteligência, esta mulher tornou – se invejosa da superioridade de seu marido e começou a odiá- lo. Pouco tempo depois, ela o abandonava, comprometendo – se com um homem velho, pusilânime, sem espírito e imoral. Era o seu primeiro castigo, mas a pena não devia ficar nisso. O sábio pronunciou contra ela somente esta sentença: “Eu vos tomo a vossa inteligência e a vossa beleza! ”Um ano depois, os que a encontravam já não a reconheciam mais: a gordura começava a desfigurá – la; ela refletia na fronte a fealdade das suas novas feições. Três anos depois, ela estava feia… Sete anos depois, estava louca. Isto aconteceu no nosso tempo, e conhecemos as duas pessoas.

Os magos condenam à maneira dos médicos hábeis e é por isso que ninguém apela das suas sentenças quando pronunciaram um juízo contra um culpado. Não têm nem cerimônias, nem invocações a fazer; devem somente abster- se de comer na mesma mesa que o condenado, e, se forem forçados a assentar- se a ela, não devem aceitar dele nem oferecer a comida.

Os enfeitiçamentos dos feiticeiros são de uma outra sorte, e podem ser comparados a verdadeiros envenenamentos de uma corrente de luz astral. Exaltam a sua vontade por cerimônias, a ponto de a tornar venenosa a distância; mas, como fizemos observar no nosso Dogma , se expõem geralmente a se os primeiros a serem mortos pelas suas máquinas infernais. Denunciemos aqui alguns dos seus processos reprováveis. Procuram cabelos ou vestidos da pessoa que querem amaldiçoar; depois escolhem um animal que, a seus olhos, seja o símbolo desta pessoa; põem por meio dos cabelos e vestidos este animal em relação com ela; dão – lhe o seu nome, depois matam- no com um só golpe da faca mágica, abrem – lhe o peito, arrancam- lhe o coração, envolvem este coração palpitante nos objetos magnetizados e, durante três dias, a toda hora, enterram nesse coração pregos, alfinetes avermelhados no fogo ou grandes espinhos pronunciando maldições sobre o nome da pessoa enfeitiçada. Ficam persuadidos então (e, muitas vezes, com razão) de

que a vítima de suas infames manobras sofre tantas torturas como se, com efeito, estas pontas estivessem enterradas no seu coração. Ela começa a enfraquecer- se e, no fim de algum tempo, morre de um mal desconhecido.

Um outro enfeitiçamento usado nos campos consiste em consagrar pregos para as obras de ódio com as fumigações fétidas de Saturno e invocações aos maus gênios, depois seguir as pegadas da pessoa que se quer atormentar e pregar em forma de cruz todos os sinais dos seus passos que for possível encontrar na terra ou na areia.

Um outro mais abominável se pratica assim: tomar- se um sapo dos maiores e administra- se- lhe o batismo, dando – lhe o nome e o sobrenome da pessoa que ser quer amaldiçoar; faz – se – lhe depois engolir uma hóstia consagrada sobre a qual se tenha pronunciado fórmulas de execração; em seguida, envolve – se – o nos objetos magnetizados, liga- se- o com os cabelos da vítima sobre os quais o operador terá escarrado e enterra- se tudo, quer embaixo da soleira da porta do maleficiado,quer num lugar em que seja obrigado a passar todos os dias. O espírito elementar deste sapo tornar- se- á, para os seus sonhos, um pesadelo e um vampiro, a menos que ele saiba envia – lo de novo ao malfeitor.
Vêm depois, os enfeitiçamentos pelas imagens de cera. Os necromante da Idade Média, ansiosos de agradar por sacrilégios àquele que consideravam como seu senhor, misturavam esta cera com óleo batismal e cinzas de hóstias queimadas. Padres apóstatas sempre se encontravam para lhes dar os tesouros da Igreja. Formavam com a cera maldita uma imagem tão parecia quanto possível com aquele que queriam enfeitiçar; cobriam esta imagem com vestidos iguais ao dele, davam – lhe os sacramentos que ele tinha recebido, depois pronunciavam sobre a cabeça da imagem todas as maldições que exprimiam o ódio do feiticeiro e cada dia infligiam a esta figura maldita torturas imaginárias, para atingir e atormentar, por simpatia, aquele ou aquela que a figura representava.

O enfeitiçamento é mais infalível se a pessoa puder obter cabelos, sangue e, principalmente, um dente da pessoa enfeitiçada. É o que deu lugar a este modo de falar proverbial: “Tendes um dente contra mim ”.

A pessoa enfeitiça pelo olhar é o que se chama, na Itália, jettatura ou mau olhado. No tempo das nossas discórdias civis, um homem de loja teve a infelicidade de denunciar um seu vizinho que, depois de ter ficado preso por algum tempo, foi posto em liberdade, mas a sua posição estava perdida. Por única vingança, ele passava duas vezes por dia diante da loja do seu denunciador, olhava – o fixamente, saudava – o e passava. Algum tempo depois, o lojista, não podendo suportar mais o suplício desse olhar, vendeu seus fundos com prejuízo e mudou de quarteirão, não deixando o seu endereço; numa palavra, estava arruinado.

Uma ameaça é um enfeitiçamento real, porque age vivamente sobre a imaginação, principalmente se esta imaginação aceita facilmente a crença de um poder oculto e ilimitado. A terrível ameaça do inferno, este enfeitiçamento da humanidade durante vários séculos, criou mais pesadelos, mais doenças sem nome e mais loucuras furiosas do que todos os vícios e excessos reunidos. É o que figuravam os artistas herméticos da Idade Média pelos monstros incríveis e inauditos que punham nos portais das suas basílicas.

Mas o enfeitiçamento pela ameaça produz um efeito absolutamente contrário às intenções do operador, quando a ameaça é evidentemente vã, quando revolta a altivez legítima daquele que é ameaçado, e, por conseguinte, provoca a sua resistência; enfim, quando é ridícula à força de ser feroz.

São os sectários do inferno que desacreditaram o céu. Dizei a um homem razoável que o equilíbrio é a lei do movimento e de vida e que o equilíbrio moral, a liberdade, repousa sobre uma distinção eterna e imutável entre o verdadeiro e o falso, entre o bem e o mal; dizei – lhe que, dotado de uma vontade livre, deve fazer para si um lugar no império da verdade e do bem ou cair eternamente, como a pedra do Sísifo, no caos da mentira e do mal: ele entenderá este dogma e, se chamardes a verdade e o bem – céu; a mentira e o mal – inferno, acreditará no vosso céu e no vosso inferno, acima dos quais o ideal divino permanece calmo, perfeito e inacessível à cólera como o à ofensa, porque entenderá que, se o inferno, em princípio, é eterno como a liberdade, não poderia ser, de fato, senão um tormento passageiro para as almas, porque é uma expiação, e que a idéia de expiação supõe necessariamente a de reparação e destruição do mal.

Dito isto, não nas intenções dogmáticas, que não poderia ser da nossa jurisdição, mas para indicar o remédio moral e razoável para o enfeitiçamento das consciências pelos terrores da outra vida, falemos dos meios de subtrair- se às influências funestas da cólera humana.

O primeiro de tudo é ser razoável e justo, e nunca dar ocasião ou razões para a cólera. Uma cólera legítima é muito para temer. Por isso, procurai reconhecer e expiar os vossos erros. Se a cólera persiste depois disso, ela procede certamente de um vício: procurai saber qual é esse vício e uni -vos fortemente às correntes magnéticas da virtude contrária. O enfeitiçamento, então, não terá mais poder sobre vós. Fazei lavar com cuidado, antes de as dar, ou queimai as toalhas e roupas que foram do vosso uso; nunca façais uso de um vestuário que serviu a um desconhecido, sem ter

purificado este vestuário, pela água, pelo enxofre e pelos aromas, tais como a cânfora, o incenso, o âmbar, etc.
Um grande meio de resistir ao enfeitiçamento é não o temer; o enfeitiçamento age à maneira das doenças contagiosas. Em tempo de peste, os que têm medo são os primeiros atacados. O meio de não temer o mal é não se ocupar dele, e aconselho firmemente, com grande desinteresse (pois é num livro de magia de que sou autor que ponho um tal conselho), às pessoas nervosas, fracas, crédulas, histéricas, supersticiosas, devotas, tolas, sem energia, sem vontade, a que nunca abram um livro de magia; a que fechem este, se o abriram; a não escutarem os que falam de ciências ocultas, a rirem – se disso, a nunca acreditarem nelas e a beberem com sossego , como dizia o grande mago pantagruelista, o excelente cura de Meudon.

Para o que diz respeito aos sábios (e é tempo de nos ocuparmos deles, depois de ter tratado da parte dos loucos), para o que diz, pois, respeito aos sábios, estes não temem outros malefícios a não ser os da fortuna; mas como são sacerdotes e médicos, podem ser chamados a curar os maleficiados, e eis como devem proceder neste caso:

É preciso induzir a pessoa maleficiada a fazer um bem qualquer ao enfeitiçador, a fazer- lhe um serviço que ele não possa recusar e procurar leva – lo, quer direta, quer indiretamente, à comunhão do sal.

A pessoa que se julgar enfeitiçada pela execração e enterramento do sapo, deverá trazer consigo um sapo vivo numa caixa de chifre.

Para o enfeitiçamento por meio do coração trespassado, será preciso faze a pessoa doente comer um coração de carneiro preparado com salva e verbena, e fazê – la trazer um talismã de Vênus ou da Lua, contido num saquinho cheio de cânfora e sal.

Para o enfeitiçamento pela figura de cera, é preciso fazer uma figura mais perfeita, pôr da própria pessoa tudo o que puder dar, pôr – lhe ao pescoço os sete talismãs, coloca – la no meio de um grande pantáculo representando o pentagrama e esfrega- la levemente, todos os dias, com uma mistura de óleo e bálsamo, depois de ter pronunciado a conjuração dos quatro para desviar a influência dos espíritos elementares. No fim de sete dias, será preciso queimar a imagem no fogo consagrado, e podereis ter certeza de que a estatueta fabricada pelo enfeitiçador perderá, no mesmo instante, toda a sua virtude.

Já falamos da medicina simpática de Paracelso, que medicava membros de cera e operava sobre o sangue dado pelas chagas para curar as próprias chagas. Este sistema lhe permitia o emprego dos remédios mais violentos; por isso, tinha ele, como específicos e principais, o sublimado e o vitríolo. Cremos que a homeopatia é uma reminiscência das teorias de Paracelso e uma volta às suas práticas sábias. Mas teremos de falar sobre este assunto num tratado especial que será consagrado exclusivamente à medicina oculta.

Os votos dos pais empenhando o futuro dos seus filhos são enfeitiçamentos assaz condenáveis: as crianças votadas ao branco, por exemplo, não prosperam quase nunca; os que eram votados os celibato caíam ordinariamente na depravação ou no desespero e na loucura. Não é permitido ao homem violentar o destino, e ainda menos impor obstáculos ao legítimo emprego da liberdade.

Acrescentaremos aqui, à maneira de suplemento e apêndice a este capítulo, algumas palavras sobre as mandrágoras e os andróides, que vários magistas confundem com as figurinhas de cera que servem às práticas dos enfeitiçamentos.
A mandrágora natural é uma raiz cabeluda que apresenta, mais ou menos, no seu conjunto, quer a figura de um homem, quer a das partes viris da geração. Esta raiz é levemente narcótica, e os antigos lhe atribuíam uma virtude afrodisíaca que a fazia ser procurada pelas feiticeiras de Tessália para a composição dos filtros.

Esta raiz será, como o supõe um certo misticismo mágico, o vestígio umbilical da nossa origem terrestre? É o que não ousaríamos afirmar seriamente. É certo, não obstante, que o homem saiu do barro da terra; teve, pois, de se formar aí em primeiro esboço sob a forma de uma raiz. As analogias da natureza exigem absolutamente que admitamos esta noção, ao menos como uma possibilidade. Os primeiros homens teriam, pois, sido uma família de gigantescas mandrágoras sensitivas que o sol animou e que por si mesmas se teriam desprendido da terra, o que não exclui em nada e até supõe, pelo contrário, de um modo positivo, a vontade criadora e a cooperação providencial da primeira causa, que temos Razão de chamar Deus .

Alguns antigos alquimistas, surpreendidos por esta idéia, sonharam a cultura da mandrágora, procuraram reproduzir artificialmente um barro bastante fecundo e um sol bastante ativo para humanizar de novo esta raiz e criar assim homens, sem o concurso das mulheres.

Outros, que julgavam ver na humanidade a síntese dos animais, desesperaram de animar a mandrágora; mas realizaram copulações monstruosas e lançaram a semente humana em terra animal, sem produzir outras coisas senão crimes vergonhosos e monstros sem posteridade.

A terceira maneira de formar o andróide pe pelo mecanismo galvanizado. Atribui – se a Aberto, o Grande, um destes autômatos quase inteligentes, e acrescenta – se que São Tomás o quebrou com um só golpe de bastão, porque ficou embaraçado com suas respostas. Este conto é uma alegoria. O andróide de Alberto, o Grande, é a teologia aristotélica da escolástica primitiva, que foi destruída pela Summa de São Tomás, este ousado inovador que foi o primeiro a substituir a lei absoluta da razão ao arbitrário divino, ousando formular este axioma, que não tememos repetir demais, porque provém de um tal mestre: “Uma coisa não é justa porque Deus a quer; mas Deus a quer porque ela é justa ”.
O andróide real, o andróide sério dos antigos, era um segredo que escondiam a todas as vistas, e que Mesmer foi o primeiro que ousou divulgar nos nossos dias: era a extensão da vontade do mago num outro corpo, organizado e servido por um espírito elementar; noutros termos mais modernos e inteligíveis, era um paciente magnético.

Eliphas Levi – Dogma e Ritual da Alta Magia


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