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Barba Azul – História da Magia

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Gilles de Laval, senhor de Raiz, tinha de fato a barba tão negra que parecia ser azul, como se pode ver em seu retrato que está no museu de Versalhes, na sala dos Marechais. Ele era um marechal da Bretanha, bravo porque era francês, faustoso porque era rico e feiticeiro porque era louco. …Andava sempre precedido da cruz e do estandarte; seus capelães eram cobertos de ouro e ornamentados como prelados; tinha consigo um colégio inteiro de pequenos pagens …Todos os dias, um menino era enviado a algum lugar e seus camaradas não o viam mais voltar. Um recém-vindo substituía o que partira e era severamente proibido às crianças tentar saber da sorte dos que desapareciam. O marechal obtinha estas crianças com pais pobres, seduzidos pelas promessas de um futuro brilhante para os filhos. Ora, eis o que se passava…

A devoção era apenas uma máscara, passaporte para práticas infames. O marechal, arruinado por suas loucas despesas, queria a todo custo obter mais riquezas. Os empréstimos dos agiotas logo faltariam. Ele resolveu recorrer à Magia Negra. …Seus cúmplices e confidentes eram Prelati, um sacerdote apóstata da diocese de Saint Malo e o feiticeiro florentino Sillé. Aconteceu que o marechal Gilles de Laval, o Barba Azul, desposara uma moça de origem nobre. Ele matinha a esposa praticamente como uma prisioneira no castelo, em Machecoul. Neste castelo havia uma torre cuja porta era murada. Ela parecia em ruínas e o marechal advertia para que ninguém fosse ali.

Madame de Raiz passava longas temporadas sozinha e, uma noite, percebeu luzes azuladas que vinham das janelas da torre. Ficou curiosa mas não ousava interrogar o marido, cujo caráter estranho e sombrio lhe inspirava terror. Na Páscoa de 1440, o marechal, depois de ter comungado na capela, despediu-se da mulher dizendo que partia para a Terra Santa. Ela estava grávida de poucos meses. O marechal permitiu que a irmã ficasse com ela em sua ausência e Gilles de Laval se foi.

Sozinha com a irmã, Madame de Raiz confidenciou-lhe suas inquietações, seus temores: que se passava no castelo? Porque andava tão sombrio o Senhor de Raiz? Porque as ausências freqüentes? Que acontecia com as crianças que desapareciam todos os dias? E as luzes noturnas na torre abandonada? Resolveram entrar na torre. Devia existir uma entrada secreta. Madame de Raiz e sua irmã, Ana, começaram a procurar. Todas as salas do castelo foram exploradas …Por fim, na capela, atrás do altar, encontraram um botão de cobre escondido e acionaram o dispositivo. Uma pedra se moveu e as duas perceberam os primeiros degraus de uma escada através da abertura.

Esta escada conduziu as duas senhoras à torre condenada. No primeiro andar acharam uma capela cuja cruz estava derrubada e negros os círios; sobre o altar havia uma figura horrorosa representando, sem dúvida, o demônio. No segundo andar havia fornos, alambiques, carvão, enfim, todos os aparelhos dos alquimistas. No terceiro, o quarto estava escuro e o ar fétido. As mulheres apressaram-se em sair dali. Foi quando Madame de Raiz chocou-se contra um vaso e derramou seu conteúdo. Ela sentiu o vestido e os pés umedecerem-se com um líquido espesso. Quando chegou à luz, viu que estava banhada em sangue.

Ana queria fugir mas Madame de Raiz queria saber mais. Ela voltou ao aposento com uma lâmpada e então um horrível espetáculo ofereceu-se a seus olhos. Bacias de cobre cheias de sangue estavam enfileiradas ao longo da parede, etiquetadas e datadas. No meio da peça, sobre uma mesa de mármore negro, estava deitado o cadáver de uma criança recém-degolada. Da bacia que derrubada escorrera um sangue negro que se espalhava pelo assoalho de madeira.

As duas mulheres ficaram apavoradas. Madame queria apagar os indícios de sua indiscrição. Foi buscar água e esponja para lavar o chão mas enquanto tentava limpar somente conseguia estender a mancha que, de enegrecida que era, tornara-se sanguinolenta, vermelha. De repente, ouve-se um grande rumor, gritos que chamam Madame e ela distingue as palavras: “Eis o senhor que regressa!”

Elas tentaram sair da torre mas era tarde. Ouvem na capela do diabo o barulho de passos e vozes. Ana fugiu, subindo até as ameias da torre. Madame de Raiz desceu cambaleando e deu de cara com o marido que subia seguido do padre e do feiticeiro Sillé. Gilles de Laval nada diz a mulher. Segura-a pelo braço e conduz de volta à capela. Foi quando o padre disse ao marechal:

– Vós vedes o que é preciso fazer e que a vítima veio por si mesma.

– Pois bem, seja! – diz o marechal – Começai a missa negra!

O padre apóstata dirigiu-se ao altar. O Marechal abriu um pequeno armário de onde tirou um punhal. Começaram as cerimônias sacrílegas. O fato é que Barba Azul não pretendia ir à Terra Santa; na verdade, fora para Nantes, onde residia o padre. Estava furioso com Prelati porque não obtinha resultados com sua magia. Prelati, para ganhar tempo, disse que o diabo exigia condições terríveis: o marechal deveria sacrificar o filho que estava para nascer; deveria arrancar a criança do ventre da mãe. Laval não hesitou: regressou para o castelo arrastando consigo o padre e o feiticeiro e foi nestas circunstâncias que encontrou sua mulher.

Madame de Raiz parecia perdida entretanto, a irmã Ana, esquecida na plataforma da torre, tirara seu véu e fazia ao acaso sinais de aflição, aos quais responderam dois cavaleiros seguidos de alguns homens de armas que galopavam para o castelo; eram seus dois irmãos que, tendo sabido da suposta partida do Senhor, vinham visitar Madame de Raiz. Eles entraram fazendo barulho na corte do castelo. Gilles de Laval teve de interromper a cerimônia e disse à mulher:

– Madame, eu vos perdôo e não se tratará mais disso se fizerdes o que vou dizer: voltai ao vosso quarto, mudai de roupa e vinde procurar-me na sala de honra onde vou receber vossos irmãos; se em frente deles disserdes uma palavra ou se lhes fizer suspeitar de qualquer coisa, eu vos trago aqui depois que eles partirem e recomeçaremos a missa negra…

Ele conduziu a mulher até o quarto e desceu para receber os dois fidalgos e sua comitiva. Alguns momentos depois, muito pálida, aparece Madame. Subitamente, Ana invade a sala gritando:

– Levai-nos, levai-nos meus irmãos; este homem é um assassino! – E lhes mostrava Gilles de Laval.

O bandido chamou os criados em seu auxílio mas a escolta dos irmãos cercou as senhoras empunhando suas espadas e até os subordinados do marechal voltaram-se contra o patrão dando tempo de fuga para as mulheres, seus irmãos e os outros cavaleiros. No dia seguinte, o duque João V mandou prender Gilles de Laval que entregou-se sem resistência. O parlamento da Bretanha decretou sua prisão como homicida; os juízes eclesiásticos prepararam-se para julgá-lo como herético, sodomita e feiticeiro. Vozes que o terror conservara mudas por muito tempo fizeram-se ouvir …Eram os pais das crianças desaparecidas. Houve um luto e um clamor universal em toda a província. Feita a busca nos castelos de Machecoul e Chantocé, foram encontrados os restos de mais de duzentos esqueletos de crianças. …Gilles de Laval foi queimado vivo no prado de Madalena, perto de Nantes. Obteve permissão para comparecer à execução com todo o fausto que o acompanhara durante a vida…


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