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Tamosauskas
“Trabalhadores do mundo… relaxem!”
Karl Marx postulou que a luta de classes levaria a eventual substituição do capitalismo por um novo tipo de sociedade. Lenin (e depois Mao) defenderam que essa revolução só seria possível por meio de um partido revolucionário centralizador que mobilizasse as massas. A criação de estados assim resultou no sonho de Stalin e no pesadelo de Trosky. Em paralelo Karl Kautsky e companhia iniciaram o socialismo democrático dizendo que igualdade e liberdade devem andar juntos e se opondo a todo tipo de autoritarismo. A revolução devia seguir a via democrática.
Dai para o Marxismo cultural da Escola de Frankfurt e seu marxismo cultural foi um passo. Esses neo-marxistas tinham um objetivo claro e muito bem definido: “destruir a civilização ocidental”. A ideia era que a arte e a cultura poderiam questionar e solapar todas as amarras usadas para manter os proletários no cabresto (ideologias de raça, gênero, religião, etc..) de forma que o novo tipo de sociedade,citado por Marx, chegasse primeiro na mente de todos e assim se transformasse de dentro pra fora. Quando o marxismo cultural, naturalmente iconoclasta, satírico e questionador ficou entediado e olhou para si mesmo, nasceu o ‘Groucho Marxismo’ e a própria política virou o motivo da piada.
A referência principal vem dos Irmãos Marx, um grupo de comediantes do final do século XIX e começo do século XX, que ficaram famosos por seu humor inigualável variando da sátira inteligente ao pastelão escrachado. Um de seus filmes Duck Soup (1933) foi proibido na Itália fascista por ter sido entendido como uma crítica a Mussolini. Mas tratava-se na verdade de uma crítica geral a guerra e ao autoritarismo. Mas se você não conhece o Groucho só vai entendê-lo se assistir alguma coisa dele. Se possível assista alguns de seus muitos filmes gravados entre 1905 e 1976 ou episódios de alguns de seus programas na TV como You Bet Your Life e Tell it to Groucho. Senão eis uma amostra:
O Groucho Marxismo é portanto uma teoria da revolução pela comédia. Muito mais do que um esquema para a luta de classes é como uma luz vermelha na janela de uma casa em uma rua de má reputação. Trata-se de uma “teoria do deleite permanente” e foi iniciada pelo ativista e cientista social norte-americano Bob Black. As origens de suas ideias são incertas, mas sabe-se que o autor foi por algum tempo membro da Church of SubGenius, que tem como uma de seus pilares a aversão pelo trabalho. Essa influência ficará mais clara a seguir. O autor tem além disso uma formação acadêmica respeitável formado em ciências sociais e direito e dois mestrados, mas rejeitou desde o início os dois caminhos principais apresentados à intelectualidade “séria”. Entre a segmentação cientificista liberal e cinismo da esquerda frígida optou pelos charutos de Groucho Marx. Bob tornou-se inicialmente famoso pelos cartazes anarquistas/situacionistas/absurdistas que criou à frente da “Última Internacional”, entre 1977 e 1983. Posteriormente foi o autor de textos polêmicos publicados em veículos como o Wall Street Journal e a revista Village Voice
O Groucho Marxismo não se trata de simples anarquismo e nem mesmo de uma nova teoria comunista ou socialista. Aliás, o estudioso faz duras críticas a todos esses movimentos políticos.
Há dois poilares no “groucho-marxismo”:
- O elogio ao ócio
- O humor como método de desconstrução filosófica
O Elogio Ao Ócio
A crítica principal é que tanto o socialismo como o capitalismo são viciados em trabalho e centrados em meios de produção e crescimento. A única diferença é quem está segurando o chicote. Por outro lado o historiador Heródoto identificou o desprezo pelo trabalho como um atributo dos gregos clássicos no auge de sua cultura. Assim o Groucho Marxismo desenvolve uma proposta interessantíssima: a criação da sociedade da vagabundagem.
Embora pareça algo ingênuo inicialmente suas teses são bem fundamentadas. Os textos no final deste artigo incluídos na caixa Conteúdo Relacionado apresentam alguns dos principais argumentos usados pelos groucho marxistas nesta questão. Para começar a entender o quão preso estamos no paradigma do trabalho basta ver que mesmo nossos momentos de lazer são subordinados a ele. O lazer é atualmente o não-trabalho em nome do trabalho. É apenas o tempo gasto se recuperando do trabalho na frenética, porém vã, tentativa de esquecê-lo.
O video a seguir foi feito tendo como base um dos textos de Bob Black, chamado “A Abolição do Trabalho” onde são apresentados alguns dos argumentos contundentes dos Groucho Marxistas contra uma dos grandes sonhos de todos os sistemas econômicos: a questão do pleno emprego.
O Humor como Método de Desconstrução Filosófica
Outra parte importante do Grouxho Marxismo é o senso de humor. Parafraseando Emma Goldman “Se não posso rir e dançar, esta não é minha revolução”. É graças a esta leveza (ou levianidade?) que os groucho marxistas conseguem, inspirados no ácido gênio do humor que lhe inspirou, criticar a tudo e a todos, incluindo a si mesmo. Eles sabem que o próprio Groucho Marxismo mais enfia o dedo na ferida do que provê soluções em qualquer coisa que seja. No capitalismo o regime é oligarico, no socialismo o regime é a ditadura do proletariado, mas no groucho marxismo o regime só começa na segunda.
Este humor só pode ser completamente apreciado lendo uma das obras de Bob Black ou conversando diretamente com um groucho marxista, mas está também de certa forma presente em alguns slogans e citações comuns que merecem destaque, muitas delas tiradas do próprio Groucho Marx original e raramente creditadas:
- Trabalhadores do mundo… relaxem!
- Em astronomia “revolução” quer dizer uma volta inteira que acaba no mesmo lugar. Em política é mais ou menos a mesma coisa.
- Há muitas coisas na vida mais importantes que o dinheiro. Mas são muito caras.
- Arte? Um substituto cada vez mais inadequado para o sexo.
- Só há um forma de saber se um homem é honesto… pergunte-o. Se ele disser ‘sim’, então você sabe que ele é corrupto.
- A televisão é muito educativa. Toda as vezes que alguém liga o aparelho, vou para outra sala e leio um livro.
- Civilização é uma doença de pele da biosfera.
- Política? Como um brejo – tudo o que é sujo acaba subindo.
- Inteligência Militar é uma contradição em termos.
- Serviço militar? Conheça o abatedouro.
- Punks? Hippies com amnésia.
- A política é a arte de procurar problemas, encontrá-los em todos os lados, diagnosticá-los incorrectamente e aplicar as piores soluções.
- O matrimônio é a principal causa do divórcio.
- O rock? Tem um grande futuro no passado.
- Eu nunca faria parte de um clube que me aceitasse como sócio.
- Por que eu deveria me importar com a posteridade? Ela nunca fez nada por mim.
- Vegetarianos? Você é o que come.
- Eu não posso dizer que não discordo de você.
- Vida após morte? Por que esperar?
- Ainda assim, políticos são os mentirosos ideais. É para mentir (além de dar ordens) que nós lhes pagamos, ou melhor, que eles se pagam com nossos impostos.
- Em quem você vai acreditar? Em mim ou nos seus olhos?
- Estes são os meus princípios. Se você não gosta deles, eu tenho outros.
TESES SOBRE O GROUCHO-MARXISMO
Bob Black, Tradução de Ricardo Rosas
- Groucho-marxismo, a teoria da revolução cômica, é muito mais que um projeto para a luta de classes: como uma luz vermelha numa janela, ele ilumina o destino inevitável da humanidade, a sociedade desclassificada (1). G-Marxismo é a teoria da folia permanente. (Aí, garoto! Até que enfim, eis um ótimo dogma).
- O exemplo dos próprios Irmãos Marx mostra a unidade da teoria e prática marxista (por exemplo, quando Groucho insulta alguém enquanto Harpo depena sua carteira ). Além disso, o marxismo é dialético (Chico não é o clássico comediante dialético?). Comediantes que fracassam em sintetizar teoria e prática (para não mencionar aqueles que fracassam totalmente em pecar) são não-marxistas. Comediantes posteriores, fracassando em entender que a separação é “o discreto charme da burguesia”, decaíram para meras gafes, por um lado, e mera tagarelice, por outro.
- Como o G-Marxismo é prático, seus feitos não podem nunca ser reduzidos ao mero humor, entretenimento ou “arte”. (Os estetas, afinal de contas, estão menos interessados na interpretação da arte do que na arte que interpreta.) Depois que um genuíno marxista assiste a um filme dos Irmãos Marx, ele diz para si mesmo:“Se você achou isso engraçado, preste atenção à sua vida!”.
- G-marxistas contemporâneos devem decididamente denunciar o “Marxismo” vulgar, de imitação, dos Três Patetas, Monty Python, e Pernalonga. Em vez do marxismo vulgar, devemos retornar à autêntica vulgaridade marxista. Retoficação (2) serve igualmente para aqueles camaradas desiludidos que pensam que “a linha correta” é o que o tira faz quando manda eles pararem no acostamento.
- Marxistas com consciência de classe (isto é, marxistas conscientes de que não possuem nenhuma classe) devem rejeitar a “comédia” anêmica, da moda, narcisista, de revisionistas cômicos como Woody Allen e Jules Feiffer. A revolução cômica já ultrapassou a mera neurose – ela é risonha mas não risível, discriminante mas não discriminatória, militante mas não militar, e aventurosa mas não aventureira. Os marxistas percebem que hoje você deve olhar no espelho de uma casa assombrada de parque de diversões para se ver da forma que você realmente é.
- Embora não totalmente desprovido de vislumbres de insight marxista, o (sur)realismo socialista deve ser distinguido do G-Marxismo. É verdade que Salvador Dali deu uma vez a Harpo uma harpa feita com arame farpado; no entanto, não há nenhuma evidência de que Harpo alguma vez a tenha tocado.
- Acima de tudo, é essencial renunciar e execrar todo sectarismo cômico como o dos trotskos eqüinos. Como é bem sabido, Groucho repetidamente propunha o sexo mas se opunha às seitas. Para Groucho, havia uma diferença entre ser um trotsko e estar louco para “trotar” (3). Além disso, o slogan trotsko “Salários para o Trabalho Eqüino” cheira a reforma, não a folia. Os esforços trotskos para reivindicar Um dia nas Corridas e Os Gênios da Pelota como de sua tendência devem ser indignadamente rejeitados; na verdade, A Mocidade é Assim Mesmo está mais na velocidade deles (4).
- O assunto mais urgente que os G-Marxistas confrontam hoje é a questão do partido (5), que – ao invés do que pensam “marxistas” ingênuos, reducionistas – é mais que apenas “Por que não fui convidado?” Isso nunca foi impedimento para Groucho! Os marxistas precisam de seu próprio partido disciplinado de vanguarda, pois eles são raramente bem-vindos aos de qualquer outro.
- Guiadas pelos dogmas fundamentais do desbehaviorismo e do materialismo histérico, as massas inevitavelmente abraçarão, não apenas o G-Marxismo, mas também mutuamente uns aos outros.
- O Groucho Marxismo, então, é o tour de farce da comédia. Como seguramente se diz que Harpo falou: “Em outras palavras, a comédia será revoltosa ou não será!” Tanto por fazer, tantos para fazê-lo! Sobre seus Marx, está dada a largada! (6)
Notas:
1. No original, déclassé. (N. do Tradutor)
2. “Rectumfication”, neologismo bricalhão que Black inventou a partir de “retificação” e “reto” (rectum, canal do ânus). (N. do T.)
3. Trocadilho aqui intraduzível entre “Trots” (trotskistas) e “hot to trot” (excitado para trepar), sem esquecer a brincadeira com os eqüinos pois “to trot” significa trotar. (N. do T.)
4. Um dia nas Corridas (A Day in the Races) e Os Gênios da Pelota (Horse Feathers) são filmes dos Irmãos Marx, enquanto A Mocidade é Assim Mesmo (National Velvet) é um velho drama onde Liz Taylor atuou ainda garota. (N. do T.)
5. Mais um trocadilho neste texto pleno deles: “party” é tanto partido quanto festa em inglês. Para entender a piada melhor, leia o parágrafo com os dois significados, substituindo onde houver “partido” por “festa”. (N. do T.)
6. Outro trocadilho praticamente intraduzível, desta vez com a exclamação que dá início a competições de corrida : “On your marks, get set –go!” aqui trocada por “On your Marx, get set – go!”. (N. do T.)
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