Categorias
Biografias PSICO

Stanislav Grof

Leia em 12 minutos.

Este texto foi lambido por 103 almas essa semana.

Stanislav Grof nasceu na Tchecoslováquia (atual Praga) em 1 de julho de 1931. Antes mesmo de entrar na faculdade de medicina já se interessava por Freud e psicanálise. Particularmente lhe interessava a questão da meta-psicologia, a psicologia que se passa por de trás da esfera consciente. Jung já havia aberto grandes mares de entendimento sobre a questão mas, como veremos, foi Stanislav Grof que conseguiu criar um mapa preciso destas águas, e mais do que isso, uma forma de navegar por elas.

Foi este interesse que o levou a seguir a especialização em psiquiatria ao se formar médico e logo cedo interessou-se em acompanhar sessões onde um de seus professores estudavam a reação de voluntários submetidos ao uso de LSD. Eventualmente Grof seria ele mesmo um destes voluntários e passaria por uma experiência transformadora.

Embora o interesse inicial fosse apenas acadêmico, nesta ocasião ele experimentou um imenso alargamento de percepção e consciência que reescreveria toda sua visão de mundo e lhe iluminaria o caminho a seguir em todas as décadas seguintes. Desde então seu interesse por psicanálise clássica foi imediatamente e definitivamente substituído pelo estudo dos ‘Estados Alterados de Consciência’ e de seus possíveis usos como ferramentas terapêuticas.

No vídeo a seguir Grof descreve brevemente em primeira pessoa como foi esta sua primeira experiência culminante:

 

Grof estava no lugar certo e na hora certa, pois nesta época apenas a Suíça e a Tchecoslováquia produziam oficialmente LSD. Nos seguintes passou a pesquisar o potencial terapêutico dos psicodélicos no Departamento de Estudos de Relações Interpessoais, no Instituto de Pesquisas Psiquiátricas em Praga.

Até então se acreditava que o LSD provocava uma psicose temporária causada por uma reação de stress à um cérebro intoxicado. Mas em seus estudo Grof nunca encontrou evidências que pudessem confirmar esta hipótes. Mais do que isso, ele havia experimentado os efeitos do LSD diretamente. Visto de fora uma pessoa passando por uma experiência psicodélica apresenta, de fato a mesma perda de contato com a realidade de um psicótico, contudo, ele sabia que  a desorganização psíquica, o pensamento paranóide, a inquietude psicomotora e a angústia e opressão próprias da psicose eram quase o oposto da experiência psicodélica pela qual ele havia passado: “Em vez de ser não-relacionada e randômica o conteúdo da experiência aparenta apresentar  uma sucessiva revelação de niveis cada vez mais profundos do inconsciente.”, disse Grof em “Realms of te Human Unconscious”. Havia algo mais acontecendo e ele decidiu que iria descobrir o que era.

A Descoberta da Transpessoalidade

Seu projeto seguinte foi utilizar o LSD em pacientes voluntários e analisar com eles o conteúdo de suas experiências da mesma forma que a psicanálise tradicional faz com os sonhos. O resultado de sua visão objetiva em experiências controladas de diversos pacientes foi tão revelador quando sua experiência pessoal inicial.

Ele descobriu que repetidas experiências controladas com LSD possuíam implicações importantes para a prática da psicoterapia. Memórias traumáticas que exigiriam anos de psicanálise eram resolvidas em poucos dias e mesmo condições como depressão e esquizofrenia podiam ser assim curadas. Todavia, a parte realmente interessante destas experiências foi a constatação de alguns fatos que, segundo Grof deveriam redefinir nossa visão de como a mente e o mundo funcionam. Como Stanislav mesmo disse em seu livro “Quando o Impossível Acontece.”:

“A imagem do cosmos como uma supermáquina gigante com características newtonianas consistindo em blocos de construção separados deu lugar a uma visão de campo unificado, um todo orgânico no qual tudo está significativamente interligado.”

A primeira coisa observada foi que durante as sessões os voluntários tinham acesso a toda memória inconsciente e podiam recuperar informações que haviam sido capturadas subliminarmente por seus orgãos sensoriais e reviver fatos detalhados de sua mais tenra infância. Uma experiência comum era a recuperação de memórias da época em que o voluntário ainda vivia no ventre materno. Inicialmente Grof supôs que se tratavam de experiências imaginárias mas as várias experiências contínuas obrigaram-no a perceber que a descrição de si mesmos e do útero feitas pelos pacientes eram geralmente superiores aos seus conhecimentos de embriologia.

Eles descreviam características como o som das batidas de coração de suas mães, os efeitos acústicos na cavidade peritonial e podiam dar detalhes sobre a circulação do sangue na placenta e em certos casos até detalhes sobre os processos celulares que ocorreram. Eles também podiam relatar pensamentos e sentimentos importantes que suas mães tiveram durante a gravidez e eventos como traumas físicos que experimentaram no período. Sempre que possível Grof investigava estas afirmações e pode contatar com as próprias mães a veracidade dos fatos, revelando a existência de memórias anteriores a própria formação do cérebro.

Pacientes mostraram ainda a habilidade de reviver a consciência de seus antepassados e parentes. Uma mulher pode descrever como era ser sua própria mãe quando esta tinha apenas três anos. Ela pode descrever alguns eventos que foram particularmente impactantes para ela e pode descrever precisamente a casa onde ela viveu bem como o babador que costumava usar. Todos os detalhes foram posteriormente confirmados por sua própria mãe que admitiu também nunca ter lhe transmitido tais informações. Outros voluntários puderam descrever eventos de gerações ainda mais antigas, por vezes de séculos anteriores.

Estas experiências transcendiam a própria família imediata. Indivíduos de origem eslava experimentaram memórias nas quais alegava participar das hordas mongóis de Genghis Khan, outros descreveram rituais de aborígenes australianos, uma mulher pode relatar como foi morrer em um ritual de sacrifícios aos deuses aztecas.  Novamente, estas descrições muitas vezes continham detalhes históricos obscuros e um grau de conhecimento muito superior a educação, cultura e experiência prévia dos pacientes. Um paciente semi-analfabeto pode descrever, por exemplo, o passo a passo da prática de embalsamento e mumificação entre os egípcios antigos, incluindo os significados simbólicos de seus amuletos, a descrição do sarcófago e a lista de materiais usados para vestir a a múmia antes do sepultamento. Outros indivíduos mostravam-se participar de culturas orientais, entre elas a Japonesa, a Chinesa e a Tibetana e puderam reproduzir vários ensinamentos taoístas e budistas dos quais nunca tinham ouvido falar.  As experiências eram riquíssimas e assim muitas das experiências não puderam ser comprovadas pela própria distância cronológica dos protagonistas originais e falta de documentação histórica. Entretanto Grof conseguiu recolher evidências o bastante para convencer-se de uma espécie de memória transpessoal oculta a consciência ordinária.

Mais desconcertante ainda foram as experiências nas quais os voluntários transcendiam a própria humanidade e experimentavam memórias de outras criaturas. Por exemplo, um paciente mostrou-se subitamente convencido de assumir a identidade de um réptil pré-histórico fêmea. Uma descrição detalhada foi fornecida. A que mais chamou a atenção de Grof foi o fato de que a parte anatómica mais sexualmente atraente era para ela o padrão de cores nas escamas da lateral da cabeça. Apesar do paciente não ter qualquer conhecimento prévio Grof confirmou com um zoologista  que em muitas espécies de répteis as áreas coloridas  na cabeça são o mais importante apelo para o acasalamento. Não foram poucas de fato as descrições de experiências animais. Os voluntários pareciam capazes de percorrer cada graveto da árvore da evolução e reviver a vida de uma infinidade de animais e mesmo plantas.

Alguns pacientes podiam descrever realidades que transcendem a nossa própria definição do que é um ser vivo. Nos trabalhos de Grof encontramos relatos de seus pacientes descrevendo, sob o efeito psicodélico como é a curta vida de uma célula sanguínea, um átomo. A escala das coisas também não mostrou ser qualquer obstáculo pois eles podiam ter experiências nas quais eram planetas, estrelas e usualmente experimentavam uma consciência cósmica capaz de abarcar toda a infinidade. Mais do que isso eles demonstraram a habilidade de transceder o tempo e o espaço e mais de uma vez demonstraram precognição (conhecimento prévio) de coisas que ainda não tinham acontecido.

Nas experiências mais estranhas eles encontravam inteligências não-humanas durante suas viagens cerebrais, descrevendo-os como  “espiritos guias”, “entidades pós-humanas” e “planos superiores de consciência.” Em algumas ocasiões os voluntários relatavam ter acesso a outros universos, e outros níveis de realidade.  Um paciente com depressão descreveu por exemplo estar em uma outra dimensão fora do nosso universo. Ela possuía uma luminescência etérea e embora ele dissesse não poder enxergar ninguém podia sentir estar junto de uma infinidade de consciências sem corpos. Subitamente ele sentiu uma destas presenças’ se aproximar e se comunicar com ele telepaticamente. A voz mental lhe pediu para entrar em contato com um casal na cidade de Kromeriz na região da Morávia, próxima a Polônia. A voz lhe deu nomes e um telefone para este contato. Estes dados não tinham qualquer relação com o tratamento do paciente, mas ainda assim não pode ser ignorado por Grof que três semanas depois do acontecido resolve verificar como relata em  seu livro “The adventures of Self-Discovery”:

“Depois de certa hesitação e em uma confusão de pensamentos, eu finalmente decidi fazer o que certamente me faria alvo de piadas entre meus colegas se eles descobrissem. Eu fui ao telefone e liguei para a distante Kromerize pedi para falar com Ladislav. Para meu espanto a mulher do outro lado fa linha começa a chorar. Quando ela se acalmou ela disse com uma voz em prantos: Nosso filho não está mais conosco, ele morreu, nós o perdemos faz três semanas.”

A Respiração Holotrópica

 

Em 1967 Grof é convidado para trabalhar no Centro de Pesquisas Psiquiátricas de Maryland e se muda para os Estados Unidos.  O centro também estava realizando estudos controlados das aplicações psicoterapeuticas do LSD. Nesta época ele teve a oportunidade de realizar uma diversidade sessões com indivíduos psicologicamente saudáveis. Na américa pode realizar as mesmas experiências controladas com médicos, enfermeiras, estudantes, músicos, filósofos, e outros cientístas e ai administrar as 200 miligramas de LSD necessárias pode comprovar o mesmo tipo de fenômeno que havia observado em Praga entre os pacientes com desordens mentais.  Em outras palavras, ele descobriu que o acesso a realidade transpessoal está ao alcance de qualquer pessoa. Neste mesmo ano o LSD é declarado ilegal na América e em diversos outros países.

 

Depois de realizar e documentar cerca de três mil sessões, cada uma delas durando pelo menos cinco horas, e de estudar outros tantos milhares de registros feitos por seus colegas, com e sem sua orientação, Grof convenceu-se de que para além da conciência e mesmo do inconsciênte existia algo de ainda mais extraordinário. Esta realidade é ainda mais profunda que o Inconsciente Coletivo dos arquétipos de Jung, pois este segundo permite uma  interpretação atávica de padrões que embora comuns não são necessariamente conectados entre as várias psiques humanas. Era como se num nível profundo a mente humana fosse parte de uma rede composto pelas infinitas experiências e memórias de tudo o mais que existe e que literalmente conectava tudo no universo. O LSD era uma chave que abria a porta desta camada da psique para a consciência. Novamente  em suas próprias palavras:

“Após anos de esforço e confusão conceitual, eu concluo que os dados  da pesquisa com o LSD indicam a necessidade de uma urgente revisão do paradigma existente nos campos da psicologia, psquiatria, medicina e possivelmente na ciência em geral. Há no presente momento poucas dúvidas em minha mente de que nosso atual entendimento do universom na natureza e da realidade e particularmente dos seres humanos é algo superficial, incorreto e incompleto.”
– Stanisval Grof, Beyond the Brain

Ele criou o termo Transpessoal para  descrever estes fenômenos nos quaisa consciência transcende as fronteiras da personalidade e em 1972 participa da Primeira Conferência Transpessoal Internacional, na Islândia, integrando assim com outros pesquisadores, incluindo Abraham Maslow, o novo campo da psicologia transpessoal

A proibição do LSD tornou as pesquisas com a substância um caso cada vez mais difícil. A partir de 1970 ele se dedica portanto a descobrir outras formas de se conseguir os mesmos efeitos neurológicos sem o uso de substâncias externas. Em 1975, com ajuda de sua esposa Christina ele desenvolve a “Respiração Holotrópica”, uma técnica que combina respiração via hiper-oxigenação do cérebro com trabalho corporal e o uso de estímulos visuais e sonoros. A técnica exata e uma série de relatos da mesma envergadura de suas sessões anteriores podem ser encontradas nos seus livros “A Aventura Da Autodescoberta” e ” A Respiração Holotrópica”

Em ‘Psicologia do Futuro’, publicado em 2000 onde buscou construir uma síntese de todo seu conhecimento obtido até então em suas pesquisas, Grof conclui que o ‘Estado Holotrópico’ criado pelo seu método é em muitos aspectos superior ao induzido quimicamente pelo LSD:

“Em estados holotrópicos, a consciência é alterada qualitativamente de uma forma muito profunda e fundamental, mas não é brutalmente danificada como nas condições que têm causas orgânicas. Tipicamente, permanecemos completamente orientados em termos de espaço e de tempo e não perdemos totalmente o contacto com a realidade quotidiana. Ao mesmo tempo, de uma forma que pode ser muito intensa e até avassaladora, o nosso campo de consciência é invadido por conteúdos de outras dimensões da existência. Assim, experienciamos simultaneamente duas realidades.

Estados holotrópicos de consciência podem também proporcionar revelações profundas sobre a cosmovisão das culturas que acreditam que o cosmos é povoado por seres mitológicos e que é governado por várias divindades beatíficas e iradas. Nestes estados, podemos conseguir acesso experiencial directo ao mundo arquetípico de deuses, demónios, heróis lendários, entidades sobre-humanas e espíritos guias. Podemos visitar o domínio de realidades mitológicas, paisagens fantásticas e residências do além.”

A Terapia Holotrópica se espalhou em centros no mundo todo e desde então milhares de indivíduos relatam experiências tão sensorialmente espetaculares e emocionalmente profundas como as obtidas nas experiências induzidas pelo consumo do LSD. Neste estado de ampliação de consciência os praticantes podem acessar a sabedoria e capacidades insuspeitas de sua instância psíquica e assim selecionar e reviver conteúdos de forte carga emocional. Esta instância Grof chamou de  ‘Curador Interno’ dada sua patente importância terapêutica. Novamente em Psicologia do Futuro, afirma:

“A incapacidade de reconhecer o potencial curativo de tais estados extremos reflecte o modelo conceptual restrito da psiquiatria ocidental que se limita à biografia pós-natal e ao inconsciente individual. Experiências para as quais este modelo restrito não tem uma explicação lógica são então atribuídas a um processo patológico de origem desconhecida. A cartografia expandida da psique que inclui os domínios perinatal e transpessoal fornece uma explicação natural para a intensidade e conteúdo de tais estado extremos.”

Hoje (2014) Grof está vivo para alegria de seus admiradores e intelectualmente ativo trabalha como Professor de Psicologia em duas Universidades da California. Ele ainda aprimora seu modelo psicológico e suas técnicas de Respiração Holotrópica e já passam de 30 mil o número de sessões conduzidas ou supervisionadas por ele.

Bibliografia (Stanislav Grof):

Em português:

“A Aventura Da Autodescoberta”
“Respiração Holotrópica”
“Além do Cérebro”
“Além da Morte: Mitos, Deuses, Mistérios”
“A Mente Holotropica”
“Emergência Espiritual: Crise e Transformação Espiritual”
“A tempestuosa busca do ser”
“O Jogo Cósmico”
“Psicologia do Futuro”


Em inglês:

Realms of the Human Unconscious
The Human Encounter with Death.
Beyond Death: Gates of Consciousness.
LSD Psychotherapy.
Ancient Wisdom and Modern Science.
Beyond the Brain
The Adventure of Self-Discovery.
Human Survival and Consciousness Evolution.
Spiritual Emergency
The Stormy Search for the Self
The Holotropic Mind
The Books of the Dead
The Cosmic Game
The Consciousness Revolution
Psychology of the Future
The Ultimate Journey
When the Impossible Happens

Texto: Thiago Tamosauskas

Tamosauskas

Deixe um comentário

Traducir »