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Princípios Gerais do Envultamento

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Em regra o verbo francês envoûter (do latim vultus, efígie, retrato) se refere ao ato de usar figuras tridimensionais chamadas dagyde (do grego para efígie ou boneca) ou planas (desenhos ou fotografias) que imitam a pessoa a suplicar, beneficiar, proteger ou manipular de forma que passe a nutrir laços afetivos com outrem ou deixe de compartilha-los. Como bem observou Aleister Crowley, “não é suficiente pretender que a imagem de cera seja a pessoa que você quer enfeitiçar. É necessário estabelecer uma conexão real e ser capaz disso”1. Daí o uso generalizado de pedaços de roupa, cabelo, etc. No livro The Golden Bough, o antropólogo J. G. Frazer enuncia o princípio da mímica — que isto produz isto, ou que um efeito se assemelha à sua causa — como um dos dois princípios do pensamento mágico. O outro chamou de “a lei de contato ou contágio”, segundo a qual “coisas que alguma vez tiveram contato entre si continuam a agir umas sobre as outras a distância, mesmo depois de interrompido o contato físico”. Para Frazer, freqüentemente os dois princípios se combinam e são chamados de Mágica de Simpatia — a crença de “que coisas agem umas sobre as outras, à distância, através de uma simpatia secreta”.2

Teoricamente tudo que for feito ao fetiche deve refletir no ser vivo representado, sendo a eficácia constatada por acontecimentos simultâneos ou futuros que estabeleçam a relação de causa e efeito. Por exemplo, certo relato passado de boca em boca conta que, em 1968, no Haiti, um jovem foi surrado por um policial e resolveu vingar-se levando um retrato de seu agressor a um velho mágico. Este realizou passes sobre o objeto e vaticinou: “O que você fizer à foto acontecerá ao seu dono”3. Trêmulo, o jovem haitiano furou o olho esquerdo do retrato com a ponta de uma faca. No mesmo dia e aparentemente na mesma hora, o policial furou o próprio olho esquerdo com uma peça de madeira pontuda.4

A magia-negra é anti-social, oposta aos valores instituídos. Portanto, nada mais natural do que usa-la na intenção de destruir os representantes da ordem vigente. O poeta latino Quinto Horácio Placo (65-8 a.C.) teria escrito sobre os malefícios da mítica feiticeira Medeia, que picava com alfinetes pequenos bonecos de cera, para causar desgraças às pessoas com eles identificadas. “Aliás, a morte de Germânico teria sido causada por este tipo de magia”5. Márcia Cristina sustenta que o uso de bonecos nesta prática nasceu no Egito, a partir de uma derivação do rito para criar figuras shabti 6 descrita no “Papiro de Turim, decifrado e publicado em Paris em 1868”. Esta fonte menciona uma conspiração contra um faraó na qual “pretendia-se a morte do rei com a incineração, pura e simples, de pequeninos bonecos de cera virgem, feitos à forma e semelhança de cada elemento da corte”7. Em sua incursão na História, a mesma autora descobriu que, em 1447, a mulher do Duque de Gloucester foi acusada de haver colocado fogo lento perto de uma efígie do rei Henrique VI, para que este sofresse horrível morte. Em face de sua posição social, a mulher escapou à pena capital, mas seus dois cúmplices, Roger Brolingbroke e um suposto feiticeiro, foram condenados8. Em 1900 a figura do presidente McKinley, crivada de alfinetes, foi queimada nas escadas da embaixada norte-americana, em Londres.

Peca contra o princípio do pecado quem pretende dar bom uso àquilo que deveria ser essencialmente mau! No tratado De Enti Sprirituali o médico-alquimista Paracelso assegura que “quando a imagem de um ladrão for golpeada, este será forçado a voltar ao lugar onde roubou por mais longe que tenha ido”9. Inclusive, na antiga França, “se as autoridades não conseguiam encontrar um criminoso, executavam-no em efígie, declarando-o legalmente morto”10. No romance gráfico brasileiro A Vingança do Vodu! (Rio de Janeiro, 1980) a personagem Lia deixa-se desvirginar por um homem, iludida por sua falsa promessa de casamento. Grávida e solitária, sofre aborto natural. Finalmente, quando a negra “bruxa do pântano” lhe ensina a trabalhar com dagyde a vitima torna-se algoz, trazendo desgraça e morte a todos os seus inimigos11. Noutro romance gráfico, Feitiço, o personagem Dr. Mago exorciza uma jovem mulher que se contorce em convulsões e destrói o “centro de macumba” pertencente ao mago-negro Kaluk, o qual havia realizado o “trabalho” por encomenda de um homem rejeitado. “O boneco da moça foi feito e espetado por longos alfinetes”12. Dessa forma, tanto na ficção quanto na realidade, o envultamento destinado à tortura e morte foi freqüentemente citado como instrumento de vingança daqueles que se sentem profundamente contrariados ou injustiçados pela malícia humana. Por outro lado, o notório potencial benéfico da ‘engenharia reversa’ é praticamente desconhecido e nunca foi muito explorado.

Imagens também teriam sido utilizadas para provocar amor e um livro de magia chamado Picatrix ensina como fazer uma mulher apaixonar-se por um homem:

“Faz-se a imagem de cada um deles com pó de pedra, misturado com goma e, depois, colocam-se as imagens, frente a frente, em um vaso com sete brotos; queima-se o vaso no forno, a seguir acende-se o fogo na lareira e põe-se um pedaço de gelo no fogo; quando o gelo derrete, tira-se o vaso e a feitiçaria está completa. O fogo derretendo o gelo representaria o amor aquecendo os corações do homem e da mulher.”13

Se a ação sobre uma imagem pode atingir o homem negativamente porque a própria representação não poderia, ao contrário, absorver o efeito deletério destinado ao seu modelo, livrando-o do castigo do vício e do peso da idade? É isto que acontece no clássico de Oscar Wide, O Retrato de Dorian Gray. Segundo Kurt Kloetzel as pinturas rupestres da idade da pedra “não eram feitas por mera recreação, nem devem ser vistas como ensaios de expressão artística”14. As cenas de caça abundante e graúda, entre outros motivos, serviriam de “alegorias através das quais o homem buscava dominar a realidade, dela extraindo aquilo que mais prezava: alimento farto, fecundidade”15. Com o tempo formaram-se grandes religiões que aglutinaram as funções de cura e benção, incluindo o ofício do casamento, criando ritos próprios, mas deixando o monopólio das variantes negativamente valoradas (vingança, manipulação) aos antigos feiticeiros. Daí o debate teológico sobre se os elementos da eucaristia (hóstia e vinho) são realmente o corpo e o sangue de Cristo ou apenas uma representação que obedece ao princípio da imitação; se a cerimônia que imita a última Ceia representa-a ou só a comemora.

Sobre trabalhos e feitiços no Brasil:

Um número de feitiços para o mal substitui um ser vivo (o homem) por outro com objetivo de simular sua morte. A famosa simpatia que manda escrever o nome da pessoa odiada num papel e costurá-lo dentro da boca de um sapo pode derivar do costume dos índios carijós que amarravam o sapo numa árvore invocando o mal a alguém para que o animal morresse, apodrecesse, e, conseqüentemente, a pessoa também16. Se bem que em 1932, na França, o jornalista William Seabrook encontrou uma boneca de bruxa, crivada de alfinetes e borrada com sangue de sapo. Junto à boneca havia uma Bíblia com um crucifixo invertido, no qual um sapo havia sido crucificado com a cabeça para baixo17. Seguindo o mesmo princípio, há quem se valha de gatos, galinhas e até cadáveres humanos… Enquanto fazia pesquisa de campo para o livro Arte e Sociedade nos Cemitérios Brasileiros, Clarival do Prado Valladares fez uma descoberta desconcertante:

“O achado mais estranho nessas pesquisas ocorreu no velho cemitério, de cripta, no antigo Convento de São Francisco, de Vila Velha de Alagoas, hoje Deodoro. O cemitério em desuso, com entrada de alçapão pela Capela do Sacramento, consta de uma cripta de cerca de 4 X 6 m em correspondência às dimensões da capela, com carneiros construídos nas paredes laterais e lajes de campas. Sua coberta tem a altura máxima de 2,5 m. Fizemos a documentação fotográfica com um refletor que providencialmente nos serviu para o exame detalhado das inumeráveis inscrições de nomes de pessoas e datas recentes, até de 1965, em letras de imprensa e de uma mesma caligrafia, enchendo totalmente o forro abobadal da cripta. De maneira alguma aquelas inscrições, feitas a fumo de velas, contra o reboco, poderiam corresponder aos nomes dos sepultados. Praticamente todas as datas já estavam fora do seu uso, e nem há sinais nem notícias de sepultamento nestes últimos decênios. Encontramos urnas de restos mortais trasladados, violadas, com os ossos, cabelos e fragmentos de vestes, espalhados sobre um batente.”

“As freiras que dirigem o educandário instalado no antigo convento franciscano de Deodoro nada sabem informar porque é uma ocorrência antes da presença delas. Em nossa interpretação trata-se de prática de feitiçaria, com uma caligrafia idêntica para várias inscrições, cujos nomes não parecem ser de mortos, mas de indiciados do fetichismo. Nada mais podemos indicar sobre esses achados, ignorados pelas pessoas locais, senão a evidência das fotografias.”

”No velho Cemitério de N. S. do Rosário (1875), das ruínas de Iguaçu Velha, além da prática de macumba em torno do Cruzeiro, que tem ação votiva e de apelo nas viscitudes dos crentes, há os restos de um luxuoso e impotente jazigo de cerca de cinco metros de altura construído em base de alvenaria revestida de laje de mármore, pedestal e nicho em colunatas de mármore. Próximo deste jazigo encontram-se os restos da base de uma capela-jazigo cuja entrada foi fechada por parede de alvenaria e na qual, posteriormente, se fez uma abertura de 40 X 50 cm. Examinando o interior desta capela-jazigo, com o foco de uma lanterna, encontramos uma quantidade espantosa de objetos de uso pessoal (roupas, cartas, retratos, vidros, terços, etc.) e todas as paredes preenchidas com nomes e datas de pessoas riscadas a carvão, grafite, tinta, e também a fumo de vela. Há uma certa semelhança entre esta observação e aquela outra de Deodoro, de Alagoas. Nossa cautela está em diferenciar a prática ingênua da macumba, em termos de ação votiva e de apelo, com esta outra de caráter de feitiçaria demonológica capaz de atingir a criminalidade do vandalismo, do sacrifício e do infanticídio que não é tão desconhecido do próprio noticiário dos jornais brasileiros.”18

Existe um jogo de empurra na cultura afro-brasileira para identificar os responsáveis pela prática ou apologia à violação de sepulturas (ato tipificado no art. 210 do Código Penal), mas é de conhecimento geral que a encruzilhada, a mata e o cemitério são locais privilegiados para os afiliados às linhas de Exu. É por isso que os ritos que pedem para um morto levar consigo a vida de um desafeto aparecem em obras genéricas sobre ‘macumba’:

“Para matar alguém: Pegue um boneco de pano ou de cera e o batize em uma cachoeira com o nome da pessoa a ser atingida. Vá ao cemitério, segure o boneco com a mão esquerda e vá espetando alfinetes e agulhas virgens no boneco. A cada parte do boneco que for espetada, deve-se dizer: Com este alfinete estou atingindo fulano na perna, na cabeça e assim por diante. Depois de espetar todas as partes do corpo, enfie uma agulha no coração do boneco e diga as mesmas palavras. A seguir, enterre o boneco aos pés de um defunto fresco e peça a este que o leve com ele.”19

Os ossos da atriz Daniella Peres, assassinada em 28 de dezembro de 1992, foram transferidos pela família para um lugar não revelado depois que foi constatada a violação de seu túmulo, no Cemitério São João Batista, em Botafogo. De acordo com a novelista Glória Perez, mãe da vítima, o túmulo foi aberto na semana do Natal, e, dentro dele, havia flores do cruzeiro. Ao lado, foram encontrados dois bonecos amarrados e espetados com alfinetes. Na lápide, uma inscrição indicava o número 28/99, a data do assassinado da atriz. As pontas do par de sapatilhas que enfeita o túmulo também foram serradas.20 (A julgar pelo par de bonecos, era provavelmente um feitiço para separar um casal pelo assassinato da mulher rival, a exemplo do fim trágico que teve a ocupante do túmulo). Ora, a prática da macumba nos cemitérios urbanos depende em grande parte da vigilância e da zeladoria.

No cemitério S. João Batista busca-se, na maioria das vezes, áreas menos vigiadas de túmulos velhos, abandonados, e os próprios zeladores pensam que os praticantes pernoitam escondidos porque, somente de manhã, é que se descobrem pelo cheiro da cachaça ou o lume das velas as composições de despachos e serviços. Mas será que um praticante regular seria capaz de quebrar a regra para fazer algo realmente grandioso? Creio que não.

Nos terreiros de quimbanda pode-se encomendar feitiços ou desfaze-los, mas ‘macumbeiros’ não violam túmulos. Estatisticamente este tipo de coisa não acontece (da mesma forma que, estatisticamente, andar de avião é seguro) porque há miríades de fórmulas muito mais amenas que mandam despachar o ebó na superfície ou produzir uma ‘covinha da Barbie’ discreta, sem infringir a lei. – “Obtenha uma amostra do cabelo da vítima, e coloque-a num pequeno caixão. Enterre-o num cemitério. Em três dias a pessoa morrerá”.21 – Vale lembrar que também criamos e/ou importamos fórmulas benéficas. Um feitiço mais poderoso, cujo objetivo é o fechamento do corpo, é geralmente usado como contra-feitiço para a pretensa vítima de magia. Diversos despachos para cortar olho-grande exigem um par de pedras olho-de-boi que podem ou não ser furados com pregos para que alguém ou toda a coletividade ao redor se torne incapaz de enxergar pelos seus caminhos da inveja. Uma variante manda, entre outras providencias, colocar o nome do suspeito dentro de uma graviola e espetar quarenta e dois palitos espalhados pela fruta. Noutra usa-se uma imagem e deve-se “espetar os alfinetes nos olhos da boneca”.22 Uma manipulação (kibo-ngela) de origem angolana manda extrair os olhos de um peixe vermelho cru, em cujo interior é posto o nome da pessoa, escrito numa fita roxa. O corpo do peixe é despachado na praia enquanto os olhos são enterrados no lodo e regados com urina “chamando por Aluvaiá Mavunanguê”23. Como nosso objetivo neste artigo é apenas a investigação do método, despindo-o de seus adornos e contextos culturais, recomendo aos interessados que leiam os livros Do Vodu à Macumba, de Márcia Cristina (contém feitiços para o mal, para o bem, para questões de amor, etc) e A Magia do Vodu, de Maria Helena Farelli (contém trabalhos dos praticantes de Vodu de Nova Orleans).

Uma boneca carregada de ódio pode matar?

Lemos no tratado De Enti Spirituali, de Paracelso, que o espírito (ens spirituale) é produzido (fabricat) pela vontade ou desejo, sendo “tão forte quanto o grau que a vontade tenha alcançado”24. A ação do espírito pode ser exercida de forma consciente ou inconsciente, pois ele possui um certo grau de independência e livre arbítrio. O mundo dos corpos difere do dos espíritos no qual “existem os desejos, os ódios, as discórdias e toda uma série de sentimentos semelhantes que atuam e se manifestam sem o consentimento ou conhecimento do corpo”25. O espírito de cada corpo parece substancial, visível, tangível e sensível para outros espíritos com os quais pode dialogar, utilizando “uma linguagem especial com a qual conversam livremente, sem nenhuma relação com os discursos humanos”26. Mas o espírito gerado por nossas sensações e meditações quotidianas não deve ser confundido com a alma (anima), a razão (mens), nem com as “obras, efeitos ou conspirações” dos maus demônios (cacodoemones)27.Contudo, como ele não é gerado pela razão nem pela fé, mas pela vontade por intermédio do livre arbítrio, “todos os que vivem de acordo com a sua vontade vivem no espírito, assim como todos os que vivem de acordo com a razão o fazem contra o espírito”. Quando dois se buscam e se unem num amor ardente e aparentemente insólito, “seu afeto não nasce nem reside no corpo, mas provém dos espíritos de ambos os corpos, unidos por laços e afinidades superiores, ou então por tremendos ódios recíprocos que também podem mantê-los estranhamente unidos”28. A luta acontece quando, por uma vontade fixa, firme e intensa, desejamos “um transtorno ou uma pena qualquer para um outro indivíduo” ou ainda “quando dois espíritos lutam e se ferem reciprocamente sem a vontade ou o conhecimento dos homens, estimulados por sua inimizade mútua ou pela influência de outras doenças”29.

“Se desejarmos com toda nossa vontade (plena voluntas) o mal de outra pessoa, esta vontade que está em nós acaba conseguindo uma verdadeira criação no espírito, impelindo-o a lutar contra o da pessoa que queremos ferir. Então, se este espírito é perverso — mesmo que o corpo correspondente não o seja — acaba deixando nele (no corpo) uma marca de pena ou sofrimento, de natureza espiritual em sua origem, ainda que seja corporal em algumas de suas manifestações. Quando os espíritos travam essas lutas, acaba vencendo aquele que pôs mais ardor e veemência no combate. Segundo esta teoria, devem compreender que em tais contendas se produzirão feridas e outras doenças não-corporais. Por conseguinte, toda uma série de padecimentos do corpo pode começar desta maneira, desenvolvendo-se em seguida conforme a substância espiritual.”30

Quando os corpos se ferem numa luta nada acontece aos espíritos, “mas quando os espíritos brigam entre si os corpos são afetados”31. Por isso Paracelso define a entidade espiritual como uma potência perfeita que tem a finalidade de conservar seu próprio corpo e destruir o do inimigo ad corpus universum violandum.32 Quem possui conhecimento da matéria e domina a técnica pode causar lesões espirituais até produzir a morte da vítima ou transforma-la num escravo. Segundo Paracelso os adeptos da nigromancia são capazes de causar malefício utilizando bonecos.

“Se minha vontade se encher de ódio contra alguém, precisará expressar este sentimento de alguma maneira. E isto será feito justamente através do corpo. Sem dúvida, se minha vontade for demasiadamente violenta ou ardente, pode acontecer que meu desejo chegue a perfurar e ferir o espírito da pessoa odiada. E também posso encerrá-lo à força (compeliam) numa imagem que eu consiga fazer dele, deformando-a e distorcendo-a a meu gosto, atingindo assim também a intenção de atormentar meu inimigo.3334— Quando modelamos uma imagem de cera, a enterramos e a cobrimos de pedras, projetando sobre ela a vontade do espírito contra a pessoa representada (pela tal imagem), essa pessoa será atacada pela ansiedade, principalmente, no local onde foram acumuladas as pedras. E só se livrará da angústia quando sua imagem for desenterrada. Da mesma forma, quando durante essas provas uma das pernas da imagem se quebra, a pessoa representada sofrerá a mesma lesão. Assim também acontecerá se quisermos provocar feridas, picadas, e outras coisas semelhantes.35 — Quando todo este trabalho da vontade estiver consumado pelo espírito influenciador sobre o sujeito onde mora o espírito influenciado, ou em sua figura ou imagem, o segundo terá se tornado prisioneiro do primeiro, sendo obrigado a executar o que lhe seja ordenado.”36

— Quando alguém modela uma figura parecida com a do homem que se quer castigar, ou a desenha numa parede, golpeando-a com picadas ou pancadas, tudo isso acontece na realidade. A vontade do espírito transfere assim o sofrimento simbólico da figura para a pessoa real que ela representa. Por isso concluímos que os espíritos combatem entre si da mesma forma que os homens.

Ao comentar a medicina simpática “que medicava membros de cera e operava sobre o sangue dado pelas chagas para curar as próprias chagas”, Eliphas Levi sugere que “a homeopatia é uma reminiscência das teorias de Paracelso e uma volta às suas práticas sábias”37. Antes de abraçar a teoria do retorno ou contra-ataque automático e eleva-la ao cubo na moderna ‘lei tríplice’ é importante lembrar que séculos depois da publicação das obras de Paracelso os condenados por envultamento ainda recebiam pena de morte pelo Santo Ofício. Um casal foi executado em St. Albans, em 1649, acusados de queimar uma boneca que representava uma mulher. Uma feiticeira inglesa, executada em 1618, brigara com o cunhado que, depois, viajou. Ela foi acusada de fazer um modelo de cera do navio e do capitão, com o qual teria causado o naufrágio da embarcação e a morte do cunhado por afogamento. A tradição britânica atravessou o Atlântico e liga-se a isso o fato de se relatar que nas paredes do celeiro da casa de uma das feiticeiras de Salem terem sido descobertos bonecos feitos de trapos e pêlos de porco, nos quais estavam enfiados alfinetes sem cabeça. Na casa de outra, dizem que havia pequenas bonecas de pano com enchimento de pêlos de bode, e esta feiticeira teria sido obrigada a admitir ter torturado uma vítima, molhando seu dedo com cuspe e acariciando uma das bonecas.38

Por isso devemos interpretar com reserva e complacência as passagens onde o médico-alquimista se expressa de forma fundamentadamente temerosa ou dúbia. Quando Paracelso escreve aos padres que o envultamento só atinge os “espíritos culpados”, assegura que não pode acontecer “aos homens justos e honestos pelo simples motivo de que seus espíritos se defendem e se protegem energicamente” e afirma que não se trata de obra dos cacodoemones, ele deseja preservar sua própria vida.39 (Tanto que o tratado De Enti Spirituali foi publicado junto ao De Ente Dei que elogia longamente a doutrina católica e trata do castigo divino como causa de doenças). Apesar da impossibilidade de expressar-se de forma mais clara e sincera sua tese do choque de retorno contém chaves ocultas muito fáceis de compreender. O culposo lutador inconsciente ou doloso mago-negro que castiga seu dagyde ainda não é um vampiro. Ele causa malefícios sem valorar a vitima como alimento até cair numa armadilha do destino. A disputa espiritual é como uma partida de boxe onde o vencedor e o perdedor saem repletos de cicatrizes. Não importa quem está com a razão. Ganhando ou perdendo, “aquele que permanece impregnado de ódio” pode “atrair para si todo o mal desejado aos outros” e contrair doenças que não podem ser curadas por nenhum medicamento mundano.40 Esses hematomas incuráveis se acumulam a cada briga, enfraquecendo o espírito agressor e produzindo reflexos no corpo físico até que a morte se torna inevitável. Neste caso é necessário tomar remédios específicos para os males “que correspondem ao espírito”41. Esse filtro proscrito, chamado “nephesh habashar” ou “anima carnis” – ora velado sob a letra “M” – é o sangue repleto de vida (Levítico 17:12-13). Beba-o e “o corpo será curado imediatamente”.42


Principio da similitude mínima:

 

 

“Quer fazer mal a alguém? Vamos fazer uma boneca feita de cera, massa ou chumbo ou pano, vamos prepará-la e ela vai matar ou prejudicar quem a senhora queira”, falou o dono de uma loja vodu no Plaza de Aemas, em Nova Orleans, à Maria Helena Farelli no início da década de 90. Encantada pelos saquinhos de pó de amor, gotas de atração, óleo do inferno, diabinho na garrafa e pelo “negro belíssimo” que os estava vendendo, a brasileira enche sua sacola de produtos exóticos e o interroga longamente sem revelar que ela própria é uma especialista no assunto. Ele mostra bonecos feitos de pedra com goma, feios e retorcidos, “fala e está sério como um monge negro”:

“Faz-se uma imagem da pessoa que se quer matar com pó de pedra misturado com goma, depois coloca-se a imagem junto ao deus vodu que se adora, coloca-se a imagem dentro de um vaso e queima-se o vaso e o boneco no forno. Depois retira-se o vaso já chamuscado e põe-se um pedaço de gelo na intenção da pessoa. O gelo se derrete e a feitiçaria está completa… Ela funciona melhor que uma bola enfeitiçada, mas se não for feita no preceito dá choque de retomo em quem faz. Quando o voduno espeta uma boneca com ódio ele está usando este sentimento para transferir para a pessoa o que quer que aconteça. A vítima só sente os efeitos do feitiço quando a imagem (boneca) está carregada de ódio e é deliberada e não ocasionalmente maltratada… Trouxe chumaço de cabelo da vítima, pedaços de unhas?”43

Maria não tinha inimigos nem chumaço de cabelo de cobaias providenciais na bolsa. A falta destes ingredientes pôs fim à negociação. Em sua concepção a boneca é um suporte de bruxarias dirigidas. A probabilidade de êxito do malefício é diretamente proporcional à semelhança da representação com seu modelo. A imagem deve necessariamente ser feita na intenção da vítima para que o alvo seja certo, recebendo o mesmo nome e adicionando-se pedaços da roupa, unhas, cabelos, etc., do suplicado em sua composição. Se o bruxo puder incluir gotas de óleo ou vinho consagrado na missa ela funcionará melhor. Márcia Cristina informa que “devem ser ministrados ao vulto ou dagyde todos os sacramentos que a pessoa tenha recebido: batismo, penitência, matrimônio. Depois disso, procede-se à sua execração, espetando-se o boneco com alfinetes ou cacos de vidro, e proferindo palavrões e ofensas à vítima”44. Maria concorda que “a tradição vodu manda que se batize a efígie. Que se consagre que se case, que se dê a eucaristia. Depois vem a cerimônia de execração. Criava-se a figura de alfinetes, de punhaladas, xinga-se, pragueja-se”. Neste momento “O bruxo vodu lança mil injúrias contra a vítima”.45

 

Os ritos de carregar são meios de concentrar a fúria do mago vodu, mas, mesmo assim, a imagem passa a contar com uma vitalidade demoníaca própria. Segundo Bernard Bromage, “uma imagem pode ser carregada de ódio de várias maneiras: ‘oração’ invertida; queima de incenso; sacrifício de sangue em sua proximidade; impacto súbito de um veneno paralizador. Tudo isso pode contribuir para que uma imagem, especialmente uma já associada à destruição, ganhe uma negra e abundante vitalidade que pode destruir a si própria, no consciente e subconsciente, sobretudo durante o sono”46. João do Rio descreve um procedimento em que o bruxo estendia uma corda com um nó sobre o boneco de cera, e dizia as seguintes palavras mágicas: “Arator, Lepidator, Tentator, Soniator, Ductor, Comestos, Devorator, Seductor!” Depois, praguejando, atirava a boneca ao fogo, após cravar-lhe um punhal.47 Embora concordasse com Paracelso quanto à ausência de influência demoníaca no envultamento, Eliphas Levi entende que os praticantes tinham intenção de invocar o diabo:

“Os necromantes da Idade Média, ansiosos de agradar por sacrilégios àquele que consideravam como seu senhor, misturavam esta cera com óleo batismal e cinzas de hóstias queimadas. Padres apóstatas sempre se encontravam para lhes dar os tesouros da Igreja. Formavam com a cera maldita uma imagem tão parecida quanto possível com aquele que queriam enfeitiçar; cobriam esta imagem com vestidos iguais ao dele, davam-lhe os sacramentos que ele tinha recebido, depois pronunciavam sobre a cabeça da imagem todas as maldições que exprimiam o ódio do feiticeiro e cada dia infligiam a esta figura maldita torturas imaginárias, para atingir e atormentar, por simpatia, aquele ou aquela que a figura representava. O enfeitiçamento é mais infalível se a pessoa puder obter cabelos, sangue e, principalmente, um dente da pessoa enfeitiçada. É o que deu lugar a este modo de falar proverbial: “Tendes um dente contra mim”.48

O antídoto ideal é sugerido pelo mesmo autor:

“Para o enfeitiçamento pela figura de cera, é preciso fazer uma figura mais perfeita, pôr da própria pessoa tudo o que puder dar, pôr-lhe ao pescoço os sete talismãs, colocá-la no meio de um grande pentáculo representando o pentagrama e esfregá-la levemente, todos os dias, com uma mistura de óleo e bálsamo, depois de ter pronunciado a conjuração dos quatro para desviar a influência dos espíritos elementares. No fim de sete dias, será preciso queimar a imagem no fogo consagrado, e podereis ter certeza de que a estatueta fabricada pelo enfeitiçado perderá, no mesmo instante, toda a sua virtude.”49

Uma escultura perfeita, impecável, é o que todos desejam seja para ataque ou defesa. Porém, sempre foi dificílimo encontrar feiticeiros com habilidade artística suficiente para esculpir miniaturas humanas de qualidade. Daí o estabelecimento oficioso de uma espécie de princípio da similitude mínima. É por isso que encontramos a foto de uma “boneca de feitiço” feita de penas, entranhas de animal e linha preta que certamente não se parece em nada com o suplicado ao qual representa na página 58 do livro Do Vodu à Macumba. Pelo mesmo motivo os brasileiros podem usar um par de olhos-de-boi para substituir olhos humanos ou rabiscar apenas os nomes dos suplicados na cripta do antigo Convento de São Francisco e na capela-jazigo do velho Cemitério de N. S. do Rosário. “Pegue um ovo podre e escreva nele o nome da pessoa nove vezes”, diz uma fórmula para fazer com que uma persona non grata vá embora, “Escreva, também, para onde quer que ela vá. À meia-noite atire o ovo contra a porta da casa da vítima”.50

Envultamento mediante hipnotismo:

Desde o séc. XIX a fotografia tornou-se uma alternativa tecnológica para os que rejeitam a similitude mínima, tendo como único ônus o abandono do modelo tridimensional em favor do retorno à técnica pré-histórica da representação de figuras planas. Neste caso, convencionou-se que os instrumentos de suplício ideais são pregos ou alfinetes de ferro enferrujado. (O sincretismo ou aglutinação também incluiu a foto entre as amostras de unha, cabelo, etc., a serem introduzidas no peito dos bonecos tridimensionais). No Brasil o termo envoûtement foi aportuguesado para envultamento, aportando no Rio de Janeiro já sobrecarregado de vetos morais e de uma profunda carga de espiritismo europeu. Com as experiências sobre a exteriorização da sensibilidade nos estados profundos da hipnose, levadas a cabo a partir de 1891 pelo Coronel A. de Rochas, a investigação psíquica passou a problematizar a possibilidade científica do fenômeno. Para proceder por ordem, vamos narrar a primeira experiência compilada por Papus, realizada no Laboratório da Caridade, tal como foi publicada nos jornais diários do mês de Agosto de 1902:

“Rochas tentou transportar a sensibilidade de um paciente para uma placa fotográfica. Colocou uma primeira placa em contato com um sujet não adormecido: a fotografia do paciente, obtida em seguida, não apresentou nenhuma relação com ele. Uma segunda, posta anteriormente em contato com um paciente adormecido, ligeiramente exteriorizado, deu uma prova apenas sensível por relação. Uma terceira, enfim, que, antes de ser colocada no aparelho fotográfico, havia sido fortemente carregada com a sensibilidade do sujet adormecido, deu uma fotografia que representou os mais curiosos caracteres. Toda vez que o operador tocava na imagem, o paciente fotografado o sentia: Por fim, tomou aquele, um alfinete e arranhou duas vezes a película da placa no lugar da mão. Neste momento, o paciente desmaiou, em completa contratura. Quando voltou a si, pode-se ver sobre a mão dois estigmas vermelhos sobre a epiderme, correspondendo às duas arranhaduras da película fotográfica. Rochas acabava de realizar tão completamente quanto possível, o envultamento dos antigos. (La Justice — 2 de agosto).”51

Vejamos, agora, os pormenores dados pelo próprio Coronel Rochas na L’Initiation (vol. XVII, n.º 2, de Novembro de 1892). Os fatos que se passaram em 2 de Agosto ocorreram com a mesma paciente na qual pôde-se, algumas vezes, determinar o fenômeno de dermografia (entumescimento da pele pela simples passagem de uma ponta romba).52

“A maioria dos pacientes, quando se hipereteziam seus olhos por meio de certas manobras, vê escapar-se dos animais, vegetais, cristais e imãs, alguns clarões que poderiam ter uma relação direta com essas irradiações. Foi o que constatou pela primeira vez, há cerca de cinqüenta anos, por meio de numerosas experiências, um sábio químico austríaco, o barão de Reichenbach. No homem, esses eflúvios saem dos olhos, das narinas, das orelhas e da extremidade dos dedos, enquanto que o resto do corpo é análogo a uma penugem luminosa. Quando se exterioriza a sensibilidade de um paciente, o “sujet” vidente vê este envoltório luminoso deixar a pele e situar-se no ar justamente nos pontos onde se pode verificar diretamente a sensibilidade do paciente por meio de contatos ou picadas.”

“Continuando as manobras que produzem a exteriorização, vi, com o auxílio destes diversos processos, que se formavam sucessivamente uma série de camadas sensíveis muito delgadas, concêntricas, separadas por zonas insensíveis, até vários metros do paciente. Estas camadas distam umas das outras cerca de 5 a 6 centímetros e a primeira é separada da pele, que fica insensível, apenas a metade desta distância… ”

“O que eu considero perfeitamente estabelecido é que os líquidos, em geral, não somente detêm o od, mas o dissolvem, isto é, que, fazendo-se atravessar, por exemplo, um copo cheio de água por uma das camadas sensíveis mais próximas do corpo, produz-se uma sombra ódica, e as camadas seguintes desaparecem por detrás do copo até chegarem a uma certa distância; além disto, a água do copo torna-se inteiramente sensível e emite mesmo, ao cabo de um certo tempo (provavelmente quando ela está saturada) vapores sensíveis que se elevam verticalmente sobre a superfície do líquido. Enfim, se se afasta o copo, a água que ele contém fica sensível até uma certa distância; além da qual o laço que a une ao corpo do paciente parece romper-se, depois de ir-se gradualmente enfraquecendo.”

“Até este momento, o paciente percebe, sobre a parte de seu corpo mais próxima do lugar em que se acha a água carregada de sensibilidade, todos os toques que o magnetizador faz no líquido, se bem que a região do espaço para onde se transportou o vaso não contenha, fora deste recipiente, mais nenhuma parte sensível.”

* * *

“A analogia que apresenta este fenômeno, com as histórias de pessoas que se fazem morrer à distância, ferindo uma figura de cera modelada à sua imagem, é evidente. Procurei ver se a cera não gostaria, como a água, da propriedade de armazenar a sensibilidade e reconheci que ela a possuía em alto grau, assim como outras substâncias gordurosas, viscosas ou aveludadas como o cold-cream e o veludo de lã. Uma estatueta confeccionada com cera de modelar e sensibilizada, sendo colocada alguns instantes em face e a uma pequena distância de um paciente, reproduzia neste as sensações das picadas que eu fazia na cera; ora no alto do corpo, se eu picava a figura na cabeça, ora na parte inferior, se eu a picava nos pés. (Quer isto dizer que a picada era sentida de maneira mais ou menos vaga nas regiões que haviam enviado mais diretamente seus eflúvios). Entretanto, cheguei a localizar exatamente a sensação, colocando, como os antigos feiticeiros, na cabeça de minha figurinha, uma mecha de cabelos cortada da nuca do paciente durante seu sono hipnótico.”

“Esta foi a experiência da qual nosso colaborador na Cosmos foi testemunha e mesmo autor; ele havia transportado a estatueta assim preparada para trás das gavetas de uma escrivaninha, onde não a podíamos ver, nem o paciente, nem eu. Despertei Mme. L… que, sem deixar seu lugar, pôs-se a conversar com ele até o momento em que, voltando-se bruscamente e levando a mão à parte posterior da cabeça, perguntou, rindo, quem lhe puxava pelos cabelos; era no momento preciso em que X. tinha, sem que eu visse, puxado pelos cabelos da estatueta.”

“Os eflúvios, parecendo refratar-se de maneira análoga à luz, que talvez os arraste em sua projeção, pensei que si se a projetasse, com o auxílio de uma lente sobre uma camada viscosa, a imagem de uma pessoa suficientemente exteriorizada, poderia chegar-se a localizar exatamente as sensações transmitidas da imagem à pessoa. Uma placa carregada de gelatino-bromuro e um aparelho fotográfico me permitiram realizar facilmente a experiência que só teve êxito completo quando eu tive o cuidado de carregar a placa de sensibilidade do paciente antes de a colocar no aparelho. Mas, operando assim, obtive um retrato tal, que se o magnetizador tocava um ponto qualquer do rosto ou das mãos sobre a camada de gelatino-bromuro, a paciente sentia a impressão no ponto exatamente correspondente; e isto não só imediatamente depois da operação, mas ainda três dias depois, quando o retrato foi fixado e colocado perto da paciente. Esta parecia nada ter sentido durante a operação de fixagem, feita longe dela, e sentia igualmente bem pouco quando se tocava, em lugar da camada de gelatino-bromuro, a chapa de vidro que lhe servia de suporte.
Querendo levar a experiência o mais longe possível e aproveitando a presença ali de um médico, piquei violentamente, sem prevenir e por duas vezes, com um alfinete, a imagem da mão direita de Mme. L…, que soltou um grito de dor e perdeu os sentidos por um instante. Quando voltou a si, observamos sobre o dorso de sua mão duas raias vermelhas sub cutâneas que ela não tinha antes, e que correspondiam exatamente às duas arranhaduras que meu alfinete havia feito sobre a camada gelatinosa.”53

Numa nova experiência com Mme. L o coronel Rochas descobriu que o clichê era sensível apenas aos seus contatos, sendo que os do fotógrafo só eram sentidos quando ele tocava o homem que tocava o clichê. Em 9 de outubro, tendo sido tirada uma prova sobre papel, “a paciente percebia sensações gerais agradáveis ou desagradáveis”54. Dois dias depois toda sensibilidade havia desaparecido tanto no clichê como na prova. Consta que o dr Luys reproduziu o fenômeno, tendo conseguido obter a transmissão de sensibilidade a 35 metros alguns instantes depois da “pose”. D’ Arsac repetiu a experiência da placa fotográfica sensibilizada e contestou a conclusão de Rochas em artigo no jornal Paris-Bruxelles de 12 de outubro e 1862. Em sua concepção “o que se tomou por fenômeno de envultamento não foi mais que um fenômeno de sugestão”55 porque “na ausência do hipnotizador, podia-se, nove vezes sobre dez, picar o retrato, sem que a hipnotizada sentisse dor alguma. Nunca a paciente experimentou a menor dor, quando o clichê era picado por uma pessoa que ignorasse completamente o fim da experiência”.56

Existe, portanto, certa polêmica sobre se a cera, a água, o gelatino-bromuro e outras substâncias seriam capazes de armazenar impressões sensíveis e afetar cobaias hipnotizadas ou se, ao contrário, é a mente do hipnotizador que trabalha, servindo o objeto como mero fetiche que o auxilia a concentrar-se num objetivo (afetar a sensibilidade da cobaia). Mas isso não impediu a difusão e distorção da novidade e logo surgiu uma infinidade de adaptações do envultamento por fotografia. “Obtenha uma fotografia e uma mecha do cabelo da vítima”, diz uma fórmula popular que ignora a hipnose, “Enterre-os juntos, de preferência na lama ou em areia umedecida, onde os objetos se desintegrem rapidamente. Da mesma forma, a vítima irá se desintegrando até a morte”.57

[01] CROWLEY, Aleister. Moonchild. In: Homem, Mito & Magia. São Paulo, Três, 1973, p 46.
[02] FRAZER, J. G. The Golden Bough. In: Homem, Mito & Magia. São Paulo, Três, 1973, p 46.
[03] PARALIZADOS POR BRUXARÍA. In: Homem, Mito & Magia, fascículo 33. SP, Três, 1973, p 667.
[04] Em 1939, teria chegado mais uma receita, procedente de Illinois, Estados Unidos: “uma maneira segura de matar um homem é colocar sua imagem sob uma cantoneira do telhado da casa de quem executa o feitiço, durante tempo chuvoso, e deixar que a água pingue sobre ela”. (Homem, Mito & Magia, p 44). Em 1964, perto de Sandringham, Norfolk, foi encontrada uma boneca de quinze centímetros de comprimento, feita de massa de modelar e com uma lasca de espinheiro perfurando-lhe o coração. Conforme a redação de Homem, Mito & Magia, “o objetivo do feitiço tanto poderia ter sido o de matar a vítima, como o de seduzi-la, ferindo seu coração com amor”. Mas, segundo Maria Helena Farelli, “dizem os vizinhos que a mulher que ali morava morreu de ataque cardíaco”. (A Magia do Vodu. Rio de Janeiro, Luz de Velas, 1995, p 32).
[05] NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade, 1991, p 58.
[06] O termo shabti deriva do egípcio antigo e significa “aquele que responde”. A tumba de Tutancâmon (133-1323 a.C.) continha 413 figuras shabit, sendo que destas 365 são de operários, 36 de capatazes, 12 de inspetores e algumas do próprio rei. Acreditava-se que tais estatuetas substituíam o falecido e eram chamadas para executar as tarefas árduas da vida após a morte em seu lugar. (Cf: TIRADRITTI, Francesco e DE LUCA, Araldo. Tesouros do Egito. Trd. Maria de Lourdes Giannini. Bela Vista, Manole, 1998, p 216).
[07] NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade, 1991, p 58.
[08] NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade, 1991, p 58-59.
[09] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 134.
[10] NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade, 1991, p 58.
[11] SAIDENBERG, Luis (arte) e CAMERA, Pietro La. A Vingança do Vodu! In: SPEKTRO, nº 19. Rio de Janeiro, Vecchi, dezembro de 1980, p 98-110.
[12] SARKEY, Rick. Feitiço. In: Almanaque Seleções de Terror, nº 11. São Paulo, Taika. (Obra da década de 60 ou 70. REG. NO DPF. SOB Nº 018P209/73).
[13] A MAGIA DA IMITAÇÃO. In: Homem, Mito & Magia. São Paulo, Três, 1973, p 45.
[14] KLOETZEL, Kurt. O Que é Superstição. São Paulo, Brasiliense, 1990, p 13.
[15] KLOETZEL, Kurt. O Que é Superstição. São Paulo, Brasiliense, 1990, p 15.
[16] NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade, 1991, p 59.
[17] MAGIA NEGRA E FEITIÇARIA. In: Homem, Mito & Magia. São Paulo, Três, 1973, p 16.
[18] VALLADARES, Clarival do Prado. Arte e Sociedade nos Cemitérios Brasileiros: Um estudo da arte cemiterial ocorrida no Brasil desde as sepulturas de igrejas e as catacumbas de ordens e confrarias até as necrópoles secularizadas. Vol I. Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa Nacional, 1972, p 439-1440.
[19] NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade, 1991, p 85.
[20] Na época do assassinato da atriz Daniella Perez, a escritora Glória Perez acreditava que ela fora morta num ritual de magia negra. Ao ser encontrada, Daniella tinha 18 perfurações no corpo. Até hoje não se sabe, com certeza, se ela foi morta com golpes de tesoura ou de um punhal. A arma do crime nunca apareceu. Próximo ao seu corpo foram achados ossos e na casa onde Guilherme e Paula moravam, em Copacabana, a polícia encontrou uma imagem de um preto velho. Uma ex-empregada confirmou que o casal praticava rituais. A tese de que a atriz teria sido morta num ritual ganhou as páginas dos jornais, mas a polícia não levou a sério a hipótese de a jovem ter sido assassinada em meio a um espetáculo macabro. (Cf: MATHEUS, Letícia. Túmulo de atriz é violado. In: EXTRA, 2ª edição, 30/12/1999, p 12).
[21] NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade, 1991, 72.
[22] COSTA, José Rodrigues da. Como Combater Olho-Grande. Rio de Janeiro, Pallas, 1991, p 50.
[23] COSTA, José Rodrigues da. Como Combater Olho-Grande. Rio de Janeiro, Pallas, 1991, p 66.
[24] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 126.
[25] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 126.
[26] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 123.
[27] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 120.
[28] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 124.
[29] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 128.
[30] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 129.
[31] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 127.
[32] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 119.
[33] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 132.
[34] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 134.
[35] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 130.
[36] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 130.
[37] LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. Trd. Rosabis Camaysar. SP, Pensamento, 1997, p 358.
[38] A MAGIA DA IMITAÇÃO. In: Homem, Mito & Magia. São Paulo, Três, 1973, p 45.
[39] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 134.
[40] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 132.
[41] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 135.
[42] PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São Paulo, Três, 1973, p 131.
[43] FARELLI, Maria Helena. A Magia do Vodu. Rio de Janeiro, Luz de Velas, 1995, p 31-33.
[44] NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade, 1991, p 60.
[45] FARELLI, Maria Helena. A Magia do Vodu. Rio de Janeiro, Luz de Velas, 1995, p 98.
[46] BROMAGE, Bernard. The Occult Arts of Ancient Egypt. In: Homem, Mito & Magia. São Paulo, Três, 1973, p 45-46.
[47] NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade, 1991, p 60.
[48] LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. Trd. Rosabis Camaysar. SP, Pensamento, 1997, p 355.
[49] LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. Trd. Rosabis Camaysar. SP, Pensamento, 1997, p 358.
[50] NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade, 1991, p 73.
[51] PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prática. Trd. E. P. São Paulo, Pensamento, 1978, p 397.
[52] PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prática. Trd. E. P. São Paulo, Pensamento, 1978, p 401, nota 21.
[53] PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prática. Trd. E. P. São Paulo, Pensamento, 1978, p 397-400.
[54] PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prática. Trd. E. P. São Paulo, Pensamento, 1978, p 400, nota 20.
[55] PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prática. Trd. E. P. SP, Pensamento, 1978, p 400-401, nota 20.
[56] PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prática. Trd. E. P. SP, Pensamento, 1978, p 400-401, nota 20.
[57] NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade, 1991, p 72.

por Shirlei Massapust

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